Visão crítica sobre a revogação do artigo 4º da LICC.

05/08/2014 às 16:32
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ESTE ARTIGO TRAZ UMA VISÃO CRÍTICA SOBRE A REVOGAÇÃO DO ARTIGO 4º DA LICC.

Uma das fases fundamentais do pensamento crítico acerca do Direito é a simples admissão de que o mesmo possa não estar integralmente contido na Lei (em sentido lato), e isso, obviamente, diante da infinita complexidade da vida moderna submetida a mutações constantes, conseqüentemente, faz surgir situações humanamente imprevisíveis, inevitáveis, com as quais os operadores do Direito se deparam.

Daí, a possibilidade de a lei não englobar em seu corpo todas as hipóteses possíveis de comportamento. Em virtude disso, o juiz encontra-se, algumas vezes, diante de questões a solucionar não previstas em normas jurídicas.

Diante dessa constatação, ressalta-se a imprescindibilidade da vigência do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), que preceitua o seguinte, in verbis:

“QUANDO A LEI FOR OMISSA, O JUIZ DECIDIRÁ O CASO DE ACORDO COM A ANALOGIA, OS COSTUMES E OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO”.

Tal regra permite ao magistrado, constatando a existência de lacuna, suprí-la, impedindo-o de furtar-se a uma decisão, de forma que possa chegar a uma solução adequada, e que os doutrinadores denominam integração normativa.

O supramencionado dispositivo, trata-se, na verdade, de uma regra de direito, em que o aplicador adquire consciência da modificação que as normas experimentam, continuamente, ao serem aplicadas às mais diversas relações da vida, chegando a apresentar na ordem normativa omissões relativas a uma nova existência da vida. O juiz tem permissão legal para desenvolver o direito sempre que se apresentar diante de uma lacuna da lei, inclusive, amparado pelo princípio do livre convencimento do juiz.

Mas o que vem a ser uma lacuna?

A lacuna consiste em um vazio existente no ordenamento legislativo, caracterizando-se, assim, a inexistência de uma norma jurídica aplicada in concreto.

Para o pensador alemão Karl Engish, a lacuna é uma incompletude insatisfatória no seio do todo do ordenamento jurídico.

Como bem preleciona o ilustre doutrinador Luiz Régis Prado, a lacuna caracteriza-se quando a lei é omissa ou falha em relação a determinado caso. Em uma única palavra, há uma incompleição do sistema normativo.

Quanto à existência ou não de lacunas, as opiniões entre os doutrinadores são por demais divergentes, conforme se segue:

Donati nega a existência de lacunas no ordenamento jurídico, face à existência de uma norma fundamental, derivada de disposições particulares, que permite tudo o que não é proibido ou limitado por norma expressa ou por princípio implícito no sistema jurídico positivo.

Hans Kelsen, o idealizador do positivismo jurídico, entende, de igual forma, que o sistema é, em si mesmo, bastante, pois as normas que o compõem contém em si a possibilidade de solucionar todos os conflitos levados à apreciação dos magistrados ou órgãos jurisdicionais competentes. Neste sentido, o autor afasta a idéia de existência de lacuna do direito, fundando-se na premissa de que tudo aquilo que não está proibido está permitido, é o que se chama de auto-integração do direito.

Essa auto-integração nada mais é do que a integração da norma feita por meio do próprio ordenamento jurídico (art. 4º da LICC), dentro dos limites da mesma fonte dominante, sem precisar recorrer a outros ordenamentos e com o mínimo recurso a fontes diversas da dominante.

Em contraposição, o doutrinador Bobbio, acredita na existência de outras fontes, tendo como principal procedimento o poder criativo do juiz ou o chamado Direito Judiciário novamente, fazendo referência ao art. 4º da LICC.

O direito é uma realidade dinâmica que está em perpétuo movimento, acompanhando as relações humanas, modificando-as, adaptando-as às novas exigências e necessidades da vida, inserindo-se na história, brotando do contexto cultural.

A evolução da vida social traz em si novos fatos e conflitos, de modo que os legisladores, diariamente, passam a elaborar novas leis; juízes e tribunais, de forma constante, estabelecem novos precedentes e os próprios valores sofrem mutações devido ao grande e peculiar dinamismo da vida; sob este prisma, não admitir o caráter lacunoso do direito seria admitir que a sociedade constitui-se de “zumbis”, ou que as relações sociais são mecanizadas, ou seja, que cada membro da sociedade faria suas ações pré-determinadas.

Houve época em que o juiz deveria não julgar se houvesse a falta de disposição legal para o caso, porém, de um tempo para cá, o assunto tem tomado grande relevância. O projeto Clóvis Beviláqua, que veio a se converter no Código Civil Brasileiro de 1916, em seu art. 7º, previa que:

“APLICAM-SE NOS CASOS OMISSOS AS DISPOSIÇÕES COERENTES AOS CASOS ANALÓGICOS, E, NÃO AS HAVENDO, OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO”.

Em 1942, quando foi editada a redação primitiva da Lei de Introdução ao Código Civil, estava vigente a Carta Política de 1934, que consignava no seu art. 113, nº 17 que nenhum juiz deixará de sentenciar por motivo de omissão na lei; em tal caso deverá decidir por analogia, pelos princípios gerais de Direito ou por equidade. Portanto, não é de hoje que se constata a necessidade de tal adequação.

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Nesse momento em que os conflitos surgem a nossa volta a todo instante, em que a violência social é o símbolo das grandes cidades, em que a desigualdade entre as pessoas é marcante e a intolerância também, é natural que surja uma instabilidade, ocasionando a necessidade de um controle mais rígido. Destarte, a revogação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, significaria um verdadeiro retrocesso, pois inexistiria possibilidade de se reprimir, controlar ou solucionar casos que, constantemente, povoam nossos tribunais.

Essa possibilidade, ou seja, “a revogação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil”, que, particularmente, considero-a impensável, também parece não permear o instinto reformador de nossos legisladores, pelo contrário, a tendência é a criação de mecanismos constitucionais com vistas à manutenção da estabilidade do ordenamento jurídico brasileiro.

Confirmando essa tendência, podemos citar as alterações propostas pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que representou um avanço significativo para a estabilidade jurídica, além disso, dará maior credibilidade às decisões tomadas pelo poder judiciário.

Por fim, essa Reforma do Judiciário, inserida pela EC nº 45/2004, concedeu ao juiz a possibilidade de utilizar-se de todos os meios legais para reduzir as impunidades surgidas a partir de situações novas, situações não previstas. Além disso, a criação das súmulas vinculantes, fruto da mencionada emenda constitucional, atribuiu a essas decisões o status de lei, indo, indubtavelmente, de encontro a uma possível revogação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Diniz, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil Interpretada. São Paulo: Saraiva.

Hanna, José Renato de Oliveira. Rápidas notações sobre as antinomias jurídicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/3953.

Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Disponível em: “http://pt.wikipedia.org/wiki/LICC”.

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Sobre o autor
Danilo Chaves Lima

Procurador Federal. Pós-graduado em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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