A proteção do direito adquirido é clara, sobretudo, constitucionalmente. O art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal afirma que a lei não prejudicará o direito adquirido. A concepção dada a direito adquirido pelo legislador ordinário aproxima-se da idéia de situação jurídica definitivamente consolidada.
A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 6º, § 2º, determina que “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
Os doutrinadores não fixaram com clareza o conceito de direito adquirido, porém caracterizam-no como o produzido por um fato idôneo e que tenha se incorporado definitivamente ao patrimônio do titular.
Para o nobre jurista Celso Bastos, o direito adquirido “constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação. O Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entanto, a utilização da lei em caráter retroativo em muitos casos repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra”.
Para se compreender um pouco melhor o que seja o instituto do direito adquirido, cumpre lembrarmos o que venha a ser direito subjetivo: é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado, direito satisfeito).
Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo uma lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se ao seu patrimônio, para ser exercido quando melhor lhe convier. Essa possibilidade de exercício do direito subjetivo foi adquirida no regime da lei velha e persiste garantido em face da lei superveniente.
A proteção ao direito adquirido no Brasil sempre foi matéria tratada com relevância pelos legisladores ao longo da história. A Constituição de 1946 já estabelecia essa proteção em seu art. 144, § 3º; a de 1967, em seu art. 150, § 3º; a de 1969, em seu art. 153, § 3º; e a constituição vigente consagra tal proteção (direitos subjetivos) no art. 5º, XXXVI, sob o enunciado de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico prefeito e a coisa julgada”.
A proteção desses direitos representa um mecanismo imprescindível de garantia contra os arbítrios que, constantemente, tolhem esses direitos, fazendo-nos exercitar o mais elementar dos direitos, o direito de nos indignarmos.
Felizes foram os legisladores quando na elaboração do texto da atual constituição, consolidaram a imutabilidade dos direitos e garantias individuais, art. 60, § 4º, IV. Ressalte-se também o parágrafo 1º do art. 5º, ao afirmar que as normas definidoras dos direitos e garantias têm aplicação imediata.
O tema em pauta, ou seja, A Proteção do Direito Adquirido no Brasil, liga-se visceralmente à sucessão de leis no tempo e à necessidade de assegurar o valor da segurança jurídica, especialmente no que tange à estabilidade dos direitos subjetivos. A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que torna possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza de que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar, ainda quando tal norma seja substituída.
Recentemente, a Reforma da Previdência teria ferido o direito adquirido ao estabelecer contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas e ao mudar as regras de transição de aposentadoria dos ocupantes de cargos efetivos que entraram no serviço público até 16 de dezembro de 1998, porém, o STF considerou constitucional a cobrança de inativos e pensionistas, mas desde que incida somente sobre a parcela dos proventos e pensões que exceder o teto estabelecido no art. 5º da EC nº 41/2003.
Se antes de uma lei nova não existia direito subjetivo, mas interesse jurídico simples, mera expectativa de direito ou mesmo interesse legítimo, não se transforma em direito adquirido sob o regime da lei nova, porque sobre elas a lei nova tem aplicabilidade imediata. Não se trata de retroatividade da lei, mas apenas de limite de sua aplicação.
Vale lembrar, a nossa atual Carta Magna não veda a retroatividade da lei, salvo aquela que não beneficie o réu, porém estas leis só podem surtir efeitos retroativos quando elas próprias o estabeleçam, resguardados os direitos adquiridos e as situações consumadas evidentemente.
Não se pode deixar de fazer uma observação final a respeito da relação entre direito adquirido e direito público. Não há direito adquirido em face da lei de ordem pública ou de direito público, ou seja, não corre direito adquirido contra o interesse coletivo, porque aquele é manifestação de interesse particular que não pode prevalecer sobre o interesse geral.
O ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello fala, de maneira interessante, em ciclos de formação, conforme se segue: “a questão pertinente ao reconhecimento ou não da consolidação de situações jurídicas definitivas há de ser examinada em face dos ciclos de formação a que esteja eventualmente sujeito o processo de aquisição de determinado direito. Isso significa que a superveniência de ato legislativo, em tempo oportuno – vale dizer, enquanto ainda não concluído o ciclo de formação e constituição de direito vindicado, constitui fator capaz de impedir que se complete, legitimamente, o próprio processo de aquisição do direito, inviabilizando, desse modo, ante a existência de ‘spes juris’, a possibilidade de útil invocação da cláusula pertinente ao direito adquirido”.
A discussão em torno do assunto direito adquirido considerado ou não como cláusula pétrea, portanto, imodificável através de emenda constitucional é polêmico, haja vista a quantidade de opiniões divergentes entre os doutrinadores e principalmente entre os membros da Suprema Corte (STF).
A verdade é que diante da dinamicidade das relações sociais e das transformações instantâneas, a segurança jurídica e todos os seus conceitos essenciais, como o direito adquirido, sofre o sobressalto da velocidade de imediatismo e de interpretações pragmáticas, um direcionamento do paradigma jurídico da lei para o caso concreto, para, em tese alcançar a melhor solução dos conflitos a serem resolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo / José Afonso da Silva. – 24. ed. – São Paulo: Malheiros, 2005.
Tepedino, Gustavo. O STF e a noção de direito adquirido. Disponível no site http: // www. Idcivil.com.br/rtdc4.html.