Estado X Governo

12/08/2014 às 15:46
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Políticos profissionais e autoridades não distinguem corretamente conceitos elementares.

~~ Reportagem da TV paga Globo News revelou que políticos profissionais e autoridades não distinguem corretamente dois conceitos complementares, mas singulares: O que é Governo? O que é Estado? Esta lição elementar – que deveriam saber de coração e salteada – é do primeiro ano de qualquer curso de Direito.
 O (e)leitor sabe, em todo caso, vamos lá. O Estado Moderno é a instituição por excelência – é uma criação do Renascimento europeu, a partir de um adensamento cultural e da centralização do poder na figura do Estado-Nação. Dessa organização da força centrípeta (para dentro) vieram, por exemplo, as expedições ultramarinas e o Brasil. Assim, o Estado é a forma privilegiada do Poder Político; por isso, são confundidos entre si, em decorrência de sua atual significação. Contudo, um conselho de anciãos indígenas também aglutina o Poder Político daquela aldeia.
 O Estado é permanente, reúne para si a tarefa de sustentar a Razão de Estado, qual seja, a própria razão desse Poder Político existir é representar/defender o povo (sujeito político primário), a soberania e a integridade territorial (conforme o jurista francês Hauriou). Há longa discussão ideológica quanto aos fins do Estado (teleologia). Por exemplo, fala-se da soberania profunda do Estado Democrático de Direito Internacional, pois a Razão de Estado deve ser/estar de acordo com a prevalência do direito internacional público; consorte o conjunto complexo dos direitos humanos. Também estaria suplementada a soberania do clássico francês Jean Bodin.
 De outro modo, o governo é transitório, dependente dos chamados sujeitos políticos secundários: partidos políticos, sindicatos, lobbies e demais organizações sociais. Desde a Carta do Rei João sem Terra, de 1215, na Inglaterra, o governo revela origem na aceitação/obrigação jurídica de que houvesse oposição política, seguida da ideia da representação partidária: Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns. Essa experiência resultou no Parlamentarismo e no fortalecimento do direito consuetudinário (costumeiro), baseado na cultura, nas tradições e nas reiterações judiciais.
 No Brasil, por força da Constituição Federal de 1988, o governo é obrigatoriamente partidário, uma vez que, todo candidato precisa se filiar a um partido político. Também sabemos que Presidencialismo e Parlamentarismo são formas de governo. Portanto, o governo, trata da gestão do Estado. O Estado, por sua vez, cuida da domesticação do poder; auxilia-se da divisão e da interdependência desse mesmo poder institucional em três poderes/funções auxiliares: Legislativo, Executivo, Judiciário. O governo pode até alterar a estrutura dos três poderes, nunca aboli-los.
 Veja-se no bom dicionário:  ROJAS, A. S. Diccionario de Ciencia Política. México D.F.: Fondo de Cultura Económica; Facultad de Derecho/UNAM, 2001. Estado é o “poder monopolizado territorialmente, a existência de uma ordem jurídica e administrativa organizada como sistema, que descansa sobre disposições fundamentais, e a existência do corpo administrativo consagrado a seu cumprimento” (p. 437-8). Governo coletivo: “Instituição em que o chefe do Estado está composto por várias pessoas eleitas por um período determinado. Nos países em que existe, como na Suíça, este corpo está sujeito à Assembleia Federal (Parlamento) que é a que exerce o poder supremo. O Conselho Federal (governo coletivo) tem funções somente executivas” (p. 541).
 Todavia, há definição ainda mais fácil para nossos gestores públicos: “Uma sociedade organizada com um governo autônomo e que representa o papel de uma pessoa moral distinta em relação às outras sociedades análogas com as quais está relacionada [...] Neste sentido, o Estado opõe-se ao departamento, à província, à comunidade” (LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo : Martins Fontes, 1999, p. 341).
 A dificuldade em se compreender os vocábulos está na incapacidade das autoridades em se ajustar à figura político-jurídica descrita como “pessoa moral”. Pois, sem moral, não há pessoa jurídica ou governo e muito menos Estado. Já pensou quando, no Brasil, o Estado for um conjunto de instituições a serviço da República?
 

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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