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O grupo econômico frente à execução trabalhista

01/08/2002 às 00:00
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"O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução". (Enunciado n. 205 do TST)

Em recente estudo acerca do posicionamento jurídico adotado pela uniformização de jurisprudência epigrafada, tivemos a oportunidade de observar que ela sobrevive e continua forte, após exatos 12 anos desde sua inclusão no rol de Súmulas de nosso Pretório Trabalhista.

Contudo, cinge-nos reconhecer que referida matéria é afeta à questão não apenas de direito processual, como pode parecer de início, mas sobretudo de direito material, tendo como ponto de partida a solidariedade passiva estabelecida por lei (§ 2º do art. 2º da CLT), e o regramento compatível do art. 904 e ss. do Código Civil.

Segundo o entendimento sumulado, o único meio de o reclamante evitar o desprazer de ser surpreendido, já na fase de execução, com a quebra da empresa-reclamada, é acautelar-se, e mover sua ação trabalhista contra TODAS as empresas do grupo econômico a que pertence sua empregadora. Somente assim estará totalmente garantido e sem qualquer possibilidade de ser-lhe oposta a Súmula n. 205 do TST.

Porém, tal solução está muito distante de ser viável na prática, pois chega a parecer ridícula em determinadas hipóteses, em razão da existência de grupos econômicos verdadeiramente gigantes, com centenas de empresas coligadas ou controladas por uma única sociedade acionária. Ora, ao rigor do § 2º do art. 2º da CLT, serão solidárias todas essas empresas, e, portanto, nada impede que o reclamante acione a todas elas, para uma maior garantia de que receberá seu crédito ao final de, talvez... uns dez anos, quem sabe?

Afinal, quem pode garantir que todas as empresas de um grupo econômico estarão "bem das pernas" daqui a uma década? Talvez o próprio grupo inteiro venha a quebrar, nosso passado e presente político-econômico demonstram que isso é até muito comum. Então, face ao disposto no E.205, a hipótese de um operário voltar-se contra 200 empresas de um mesmo grupo, não é tão absurda assim.

É verdade que se criaria uma situação caótica na - já sobrecarregada - Justiça do Trabalho, com 200 contestações e 199 pedidos de exclusão do pólo passivo, e ainda assim, não poderia o juiz, "por medida de economia processual" determinar a exclusão de qualquer das reclamadas, sem ferir o direito constitucional de ação, "in casu", amparado em face da solidariedade legal, e principalmente pelo risco de não se saber "se" e "quais" as empresas que chegarão "inteiras" até os derradeiros atos de execução, daí porque não se poderia obstruir nem impedir a cautela do obreiro em querer evitar qualquer possibilidade de, no futuro, vir a ser detentor de um título executivo judicial que de nada lhe sirva – evitando, assim, que sua vitória processual se transforme em uma triste "vitória de Pyrro".

O posicionamento adotado pelo enunciado sob estudo, tem como ponto de origem o regramento processual do artigo 472 do Código de Processo Civil, que consagra os limites subjetivos da coisa julgada, de modo que a sentença obrigue apenas às pessoas para as quais foi prolatada, não prejudicando e nem beneficiando terceiros. E é justamente esse o ponto nevrálgico da questão e onde, ao nosso ver, sucede o equívoco da Súmula sob comento: considerar as demais empresas do mesmo grupo econômico como "terceiros". De fato, se analisarmos o entrave sob a premissa de que as empresas de um mesmo grupo econômico são entidades distintas e independentes entre si, cuja sorte de uma delas em nada influi no grupo, então realmente teremos por correto o posicionamento adotado. Contudo, não é isso que deflui de nosso sistema jurídico, e sequer é a essa conclusão que chegamos ao nos deparar com a estrutura econômica desses grupos de empresas.

Atualmente, vige pacificamente na doutrina, e titubeantemente na jurisprudência, que o conceito de "empregador" deve ser o mais amplo possível, em um sistema político capitalista que possibilita as mais diversas formas estruturais de exploração particular de atividade econômica, inclusive com fusões de empresas dominadoras de mercado, desestatização acelerada, etc, são todos fatores que dificultam ao empregado saber para quem, de fato, ele trabalha. Ora, muitas das denominações de empresas brasileiras, atualmente adquiridas por grupos multi-nacionais, foram alteradas para denominações diferentes, que representam muitas vezes o emblema de outras empresas que sequer possuem sede no Brasil. Como se nota, o sistema, como um todo, favorece a exploração econômica da forma que o empresário quiser. A isso, deve ser dado um preço. E o preço é o risco a que se submete ao adquirir ou associar-se a outras empresas, formando o tal "grupo".

Vejo como sendo absolutamente contrária ao sistema jurídico-trabalhista brasileiro, a presunção de que o trabalhador tenha conhecimentos específicos sobre a estrutura e composição do grupo econômico ao qual pertence seu empregador. Não nos esqueçamos que ainda vige nos dias de hoje o "jus postulandi" na Justiça do Trabalho, o que é um fator a mais a ser considerado, para não se quedar no ridículo de se exigir de um simples operário, as informações necessárias para saber quem e quantas são as empresas que compõem o grupo econômico, "sob pena de não poder executar as outras empresas que não participaram da relação processual" – isso significa o que? Que o reclamante deverá acionar novamente outra empresa para obter outro título executivo, levando outros tantos anos para se obter aquilo que ironicamente é chamado de "crédito de caráter alimentar".

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Melhor não seria, então, retirarmos a venda dos olhos, e enxergar aquilo que se põe diante de nós ? Ora, "data máxima vênia", se o empregado trabalhou para uma empresa, e esta pertence a um grupo econômico, então ele trabalhou para o grupo todo. Se o conjunto empresarial foi erigido, seja através de controle acionário ou outra forma de coligação societária, significa que essa "estrutura" é lucrativa para quem a criou, e se ela existe, é porque suas viabilidades foram previamente estudadas, discutidas e votadas, diante daquilo que melhor atenderia aos interesses do empresariado responsável. O risco, portanto, foi assumido.

Logo, pergunta-se: para que tamanho protecionismo dirigido a quem dele não necessita? Do mesmo jeito que aplaudimos as boas investidas da Justiça do Trabalho a favor do sistema no qual foi implantada, hemos de nos levantar contra as injustiças, em especial quando se mostram tão evidentes, como é o caso da Súmula 129 em confronto com a 205, objeto de nosso estudo. Salta aos olhos a contradição entre as mesmas! a primeira afirma haver um único contrato de trabalho, ainda que o obreiro preste serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, ou seja, para efeitos de se limitar os direitos do trabalhador em face do grupo, este é considerado empregador único "para efeito de relação empregatícia". Mas quando se trata de garantir ao empregado o recebimento por execução, do crédito trabalhista em face de uma empresa solvente do grupo, para suprir a insolvência de sua coligada, então nesta hipótese são consideradas empresas distintas, "para efeito de relação processual". Acertado, ao nosso ver, foi o julgado pelo Acórdãon.2990275422, do TRT da 2ª Região, segundo o qual a devedora solidária "...encontra-se geneticamente vinculada à obrigação reconhecida pelo título executivo judicial...". Infelizmente, são grandes as chances desse julgado vir a ser modificado no âmbito do TST.

De qualquer forma, a semente foi plantada.

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Sobre o autor
Alexandre Chedid Rossi

advogado em Sorocaba (SP), atuando na área de Direito do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSI, Alexandre Chedid. O grupo econômico frente à execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3095. Acesso em: 19 abr. 2024.

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