A natureza jurídica da norma consumerista que prevê devolução em dobro

Exibindo página 1 de 2
Leia nesta página:

Qual a natureza jurídica da norma que prevê devolução em dobro.

Resumo: A questão do presente estudo é saber qual a natureza jurídica da norma que prevê devolução em dobro. Seu objetivo geral foi, portanto, identificá-la. O tema foi delimitado ao Direito Civil, concentrando-se no Direito do Consumidor, sem se desprender do estudo dos princípios gerais de direito. A escolha do assunto deve-se ao fato de esclarecer sobre cobrança indevida. O desenvolvimento do trabalho, ora exposto, deu-se por meio da análise das fontes diretas: Código Civil de 2002 (CC/2002) e Código de Defesa do Consumidor (CDC), e, ainda, por intermédio das fontes secundárias que são a doutrina e a jurisprudência. Foi desenvolvida uma pesquisa cuja vertente metodológica é de procedimento bibliográfico teórico-documental, com uma ótica dogmática, utilizada como forma de analisar os resultados. Para alcançar uma resposta buscou-se especificamente definir natureza jurídica, estudar o que é norma jurídica, pesquisar o que é indenização e descobrir o significado de devolução em dobro. Concluiu-se que a natureza jurídica da devolução em dobro é instituto punitives damages cuja indenização é forma de sanção civil punitiva e pedagógica situada na categoria de responsabilidade civil.

Palavras-chave: Natureza Jurídica; Norma; Devolução em Dobro. Consumidor.

1. INTRODUÇÃO

              Este artigo tem como questão central definir a natureza jurídica da norma que prevê devolução em dobro.             

              Seu objetivo geral será, portanto, identificar a natureza jurídica da norma que prevê devolução em dobro.

              Ressalta-se que o tema é pertinente ao Direito Civil, de forma que esta pesquisa está concentrada no Direito do Consumidor, sem se desprender do estudo dos princípios gerais de direito.

              A escolha de tal tema se deve ao fato de saber qual a intenção precípua do legislador em regular cobrança indevida, ou seja, se há finalidade sancionatória ou reparatória.

  O desenvolvimento do trabalho, ora exposto, se dará por meio da análise das fontes diretas: Código Civil de 2002 (CC/2002) e Código de Defesa do Consumidor (CDC), e, ainda, por intermédio das fontes secundárias que são a doutrina e a jurisprudência.

  Para tanto foi desenvolvida uma pesquisa cuja vertente metodológica é de procedimento bibliográfico teórico-documental, com uma ótica dogmática, utilizada como forma de analisar os resultados.

              Para alcançar uma resposta deve-se especificamente definir natureza jurídica, estudar o que é norma jurídica, pesquisar o que é indenização e descobrir o significado de devolução em dobro.

02. Da Natureza jurídica

              Ensina Alexandre Freitas Câmara (2004) que, para saber o que é natureza jurídica, primeiro deve-se entender que o Direito é uma “ciência formada por uma série de institutos, os quais podem ser agrupados em categorias jurídicas mais amplas, em uma relação de espécie e gênero.”

O mestre Câmara (2004),  leciona: Os institutos da fiança, da compra e venda e da locação podem ser agrupados na categoria dos contratos. Da mesma forma, penhor, usufruto e anticrese são institutos que podem ser incluídos na categoria dos direitos reais.”

Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010) o significado de natureza[3] é espécie, qualidade, essência.

Logo, pode-se deduzir que natureza jurídica é o local onde se enquadra determinado assunto do direito, em outras palavras, é descobrir a essência de determinado instituto e inseri-lo numa categoria.

Para se saber a natureza jurídica de um instituto deve-se primeiro definir seu cerne, seu espírito, para então encaixar este instituto em uma categoria. A finalidade disto é para assim poder aplicar as normas pertinentes ao instituto.

Às vezes, o instituto não consegue ser incluído em nenhuma categoria, ou seja, ele não é uma espécie de um gênero. Quando isto ocorre é chamado de categoria autônoma, sui generis[4] ou de per se[5]

Comum é a confusão entre natureza jurídica e conceito.

Conceito[6], explica Ferreira (2010) é a “ação de formular uma ideia por meio de palavras: definição, caracterização.”

Câmara (2010) diz ser facilmente perceptível a diferença entrenatureza jurídica e conceito. Dá como exemplo a locação, que tem natureza jurídica de contrato, já que entra em sua categoria e seu conceito é“o contrato através do qual uma pessoa (locador) cede à outra (locatário) o uso e fruição de um bem, mediante remuneração (aluguel).”

Ainda, na lição de Diniz (2004) a natureza jurídica é conceituada como o último significado dentre vários conferidos aos institutos jurídicos destacando “a afinidade que um instituto jurídico tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluída a título de classificação”.

Quando se propõe a estudar a natureza jurídica de alguma norma, o pesquisador deve abordar as concepções do direito natural e do direito positivo para sistematizar com exatidão os elementos conceituais genéricos.

O que se busca neste capítulo é dar um conceito para natureza jurídica e pode-se definir então que natureza jurídica édetectar o que determinado assunto significa para o Direito e colocá-lo dentro da área onde houver afinidade.

03. Da Norma Jurídica

Norma[7] é regra, padrão. Há vários tipos de normas, as sociais, morais, técnicas, religiosas e etc.

Segundo Bobbio (2001, p.26), “todas tem em comum a finalidade de influenciar o comportamento dos indivíduos e grupos, de dirigir as ações dos indivíduos e grupos rumo a certos objetivos ao invés de rumo a outros”.

Devido ao tema em questão, a norma a ser tratada será a jurídica, ou seja, as normas relativas ao Direito[8].

A norma jurídica[9] está inserta num ordenamento jurídico, que é o conjunto de princípios, regras e normas que regem uma sociedade numa determinada época e num determinado local. Em um Estado democráticoo ordenamento é formado pela Constituição (norma maior), leis, regulamentos, tratados, contratos e convenções.

O ordenamento jurídico é dividido em áreas e o conjunto de normas que regulam estas determinadas áreas é chamado de ordem jurídica.

               Siqueira Jr. (2011) com clareza explica que “a norma jurídica nada mais é do que o preceito de direito estabelecido pela sociedade e que num dado momento da dinâmica social transforma-se em conduta obrigatória”.

              A norma jurídica é o objeto de estudo central do Direito enquanto ciência dogmática, pois passar a regulamentar esta dinâmica social que se submete aos comandos de uma lei.

           É de ser observado que a norma que prevê a devolução em dobro da quantia cobrada indevidamente é dotada de coercibilidade que implica em uma coação por parte do Estado quando ocorre a transgressão desta regra.

           A coerção é o elemento psicológico contido na norma que limita a vontade livre humana, de forma que a conduta indesejada pela norma deverá ser punida em razão de um ato de coação.

           Pode-se dizer então que, norma é um dos elementos que regulam determinado assunto numa sociedade sendo um comando de observação obrigatória.

04. Da Devolução em dobro

            A matéria sobre a devolução em dobro quando ocorrer a cobrança indevida possui relevante interesse jurídico nas relações obrigacionais, principalmente pelo fato de imputar ao sujeito da obrigação, o devedor, que o mesmo não adimpliu a obrigação pactuada.

            A devolução em dobro, também chamada de repetição de indébito em dobro,era expressamente prevista no art.1531 do Código Civil de 1916sendo mantida no pelo art. 940 do Código Civil de 2002, como uma punição civil para o erro do credor, isto é, quando houver uma cobrança indevida de sua parte.Esta sanção corresponderá ao dobro do que houver sido cobrado,injustamente, na esfera judicial.

Art. 1.531 CC/16. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação.

Art. 940 CC/02. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. (grifo nosso).

              O Código de Defesa do Consumidor instituído pela Lei nº 8.078/90 também traz em suas normas[10] esta proteção de forma especial e direta ao consumidor que for obrigado a pagar indevidamente uma obrigação conforme dispõe o art. 42, parágrafo único.

Art. 42§ único CDC. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (grifo nosso).

              O equivocado entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o artigo 1531 do CC de 1916 que em sua súmula 159 diz: “Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do Art. 1.531 do Código Civil” é mantido ainda hoje pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que diz somente dever haver devolução em dobro para cobranças indevidamente feitas quando comprovada a má-fé ou culpa que pode vir em uma de suas três variantes: imprudência, imperícia e negligência. O fez tanto para cobranças cíveis quanto para sua derivada, a consumerista.

DIREITO CIVIL. REPETIÇÃO EM DOBRO DE INDÉBITO. PROVA DE MÁ-FÉ. EXIGÊNCIA. A aplicação da sanção prevista no art. 1.531 do CC/1916 (mantida pelo art. 940 do CC/2002) – pagamento em dobro por dívida já paga – pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor. Assim, em que pese o fato de a condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado prescindir de reconvenção ou propositura de ação própria, podendo ser formulado em qualquer via processual, torna-se imprescindível a demonstração da má-fé do credor. Precedentes citados: AgRg no REsp 601.004-SP, DJe 14/9/2012, e AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1.281.164-SP, DJe 4/6/2012. REsp 1.005.939-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/10/2012.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DEINDÉBITO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSOESPECIAL DA CASA BANCÁRIA, AFASTANDO A REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO ANTE A NÃO COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ. IRRESIGNAÇÃO DOS AUTORES.

1. Esta Corte de Justiça possui entendimento consolidado acerca da viabilidade da repetição em dobro de valores nos casos em que comprovada a má-fé da parte que realizou a cobrança indevida. Precedentes. Na hipótese, o Tribunal de origem apenas considerou a               repetição em dobro em razão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o que a toda evidência não basta para a aplicação da penalidade.

2. Agravo regimental não provido. AgRg no AREsp 102918 / RJ
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2011/0303603-1. Ministro MARCO BUZZI. Data do julgamento: 11/06/2013.

              Diz Almeida (2005) que pode existir certo receio de se chancelar o enriquecimento sem causa[11].

            Quanto a isso pode-se repetir as palavras do imortal Aristóteles em seu livro Ética a Nicômaco (2006):

Com efeito, é indiferente que um homem bom tenha lesado um homem mau, ou o contrário, e nem se é um homem bom ou mau que comete adultério; a lei considera apenas o caráter distintivo do delito e trata as partes como iguais, perguntando apenas se uma comete e a outra sofre injustiça, se uma é autora e a outra é vítima do delito. (ARISTÓTELES, 2006, p.110).

            A jurisprudência não está levando em consideração que há princípios[12] e deveres ali envolvidos.

            Ademais, o credor deveria ter contatado o devedor para esclarecer a dúvida antes de litigar. Se ao cobrar o suposto débito na esfera judicial descobriu que a cobrança era indevida, por que não o fez antes?

            Conforme Gomes (2010), a repetição de indébito em dobro pressupõe uma cobrança indevida. Um abuso. Fere o princípio da boa-fé nas relações.

            Sobre boa-fé ensina Pezzella apud Sousa (2004)

A boa-fé apresenta-se sob dois enfoques: o subjetivo e o objetivo. A boa-fé subjetiva é a consciência ou a convicção de se ter um comportamento conforme ao direito ou conforme à ignorância do sujeito acerca da existência do direito do outro. Já a boa-fé objetiva permite a concreção de normas impondo que os sujeitos de uma relação se conduzam de forma honesta, leal e correta.

            Quanto aos deveres contratuais fala Marques apud Almeida (2005) que “tratam-se de verdadeiras obrigações a indicar que a relação contratual obriga não somente ao cumprimento da obrigação principal, mas também ao cumprimento das várias obrigações acessórias ou dos deveres anexos aquele tipo de contrato”. O autor segue dizendo que tais deveres podem também ser classificados em deveres de informação, cooperação e cuidado.

            E é o dever de cuidado, o transgredido por aquele que cobra erradamente.

            Apesar do Código Civil, em regra geral, se pautar pela boa-fé subjetiva, o artigo 940 é bem claro em descrever a ação e aplicar a respectiva sanção, quer seja, invocando a boa-fé objetiva.

            A exigência de se comprovar a má-fé do credor para ser aplicado o artigo 940 do CC não pode ser estendida ao CDC, que neste ponto possui regra especial de aplicação, sob pena de flagrante ofensa ao artigo 5º, XXXII[13] da Constituição Federal que traduz um mandamento de tutelar de forma especial o consumidor.

            Referida exigência de comprovação da má-fé por parte do consumidor, além de afrontar a proteção constitucional ao consumidor, também viola diretamente o inciso VIII[14] do artigo 6º do CDC e o princípio da boa-fé exigido na relação contratual na realização e conclusão do contrato.

            Neste sentido, é ônus do fornecedor provar que não agiu com má-fé ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia) para afastar a aplicabilidade do parágrafo único do artigo 42 do CDC. Este é o posicionamento consolidado do Superior Tribunal de Justiça no voto do Ministro Francisco Falcão no Recurso Especial nº 1.085.947/SP.[15]

            Assim, o parágrafo único do artigo 42 do CDC é de aplicação direta às relações de consumo sendo o que o Código Civil possui aplicação subsidiária no que couber e desde que não contrarie a lei especial consumerista.

            Sendo a lei a fonte primária do Direito, e não sendo uma lei vigente legis sacer[16](como muitas vezes o judiciário parece pensar), aquele que demandar por dívida já paga, pagará o dobro do que cobrou, independente de intenção, pois há uma norma de regência coercitiva e de observância obrigatória pelo indivíduo.

05. Da natureza jurídica da devolução em dobro

            Pesquisado o conceito de natureza jurídica e descobrindo-se que ela serve para definir em qual categoria está um instituto e por consequência poder aplicar as regras pertinentes a um determinado assunto. Deve-se agora passar a estudar qual a natureza jurídica da devolução em dobro.

            O Código Civil (Lei 10.406 de 2002) em sua parte especial, Livro I que trata sobre o direito das obrigações, Título IX que é a respeito da responsabilidade civil, no capítulo Inormatiza sobre a obrigação de indenizar e sobre duas formas de sanção[17]através da indenização, por reparação e por penalidade.

            Demonstração de indenização por reparação é a do art. 927 do Codex[18]: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

            Sobre o que são atos lícitos e ilícitos, o grande mestre Molinero (2010, p.116) cita Orgaz “Si los actos están permitidos, son lícitos, y si la ley los prohíbe o estabelece una pena o sancíon para el caso de abstenerse de realizarlos; entonces, son ilícitos”.[19]

            Caio Mário da Silva Pereira (2007) aduz que “a iliceidade de conduta está no procedimento contrário a um dever preexistente. Sempre que alguém falta a um dever a que é adstrito, comete um ilícito.”

            E exemplo de indenização como pena é a dada pelo art. 941 do CC ao dispor que: “As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.”(grifo nosso). O art. 940 é o que regula a devolução em dobro paga por aquele que demandar dívida já paga, no todo ou em parte. Ou seja, diz o art. 941 que o art. 940 é sanção civil.

            Conforme já abordado, o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor possui expressa disposição legal com conteúdo normativo idêntico ao que dispõe o Código Civil.

            Este dispositivo normativo, utilizando a classificação das normas quanto à sanção de Siqueira Jr. (2011), se enquadra como uma norma mais que perfeita (leges plus quam perfectae), ou seja, norma “cuja violação acarreta duas consequências, ou seja, a nulidade do ato e o restabelecimento da situação anterior, e ainda uma imposição de pena ou restrição ao infrator”. 

            No entanto, o código consumerista possui sua aplicabilidade de forma especial na relação de consumo e dispõe claramente sobre o pagamento em dobro quando o consumidor for cobrado indevidamente por repetição de indébito.

            Tem-se que o ato da cobrança é de risco exclusivo do fornecedor que deverá fazê-lo de forma correta e sem violar a personalidade do consumidor, sob pena de ser responsabilizado pelos danos causados à vítima.

            O Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Professor Herman Benjamin (2004) ensina:

Se o engano é justificável, não cabe a repetição. No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição. O engano é justificável exatamente quando não decorre de dolo ou de culpa. É aquele que, não obstante todas as cautelas razoáveis exercidas pelo fornecedor-credor, manifesta-se.

            Diferente da indenização como forma de reparação, a repetição do indébito em dobro é a cuja finalidade é de penalidade, independentemente de dano.

            O objetivo da reparação é fazer com que o sujeito que tenha sofrido um dano, volte ao seu status[20] anterior ao dano. Tem caráter compensatório.

            O dano pode ser moral ou material. Gonçalves (2011) explica o dano moral como sendo:

O que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como: a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.”  (GONCALVES, 2011, p.359).

            Quanto ao dano material é conceituado por Cavalieri Filho (2010) como “aquele que importa em lesão de bem patrimonial, gerando prejuízo econômico passível de reparação.”

            Percebe-se que o instituto sendo agora estudado não é por motivo de reparação por dano, quer moral ou material.

            Almeida (2005), diz que a devolução em dobro é espécie de punitives damages[21], a qual indenização é “fixada com o intuito de punir o agente da conduta causadora do dano cujo ressarcimento é autorizado pela lei em favor da vítima.”

            A tradução da palavra inglesa punitive damages significa danos punitivos, contudo, já foi estudado acima que no caso do art.940 do Código Civil e também no art. 42 § único do CDC não existe dano. O que há é uma punição autorizada por lei para quem cobrar por quantia já paga no todo ou em parte.        Claudia Lima Marques (2003) atribui a esta punição o caráter “pedagógico-satisfativo”.

            Esta sanção civil então tem o caráter punitivo fazendo aquele que cometeu o ato ilícito perder parte de seu patrimônio, mas não somente isto, ela nasceu com a intenção de educar e desestimular a conduta praticada, por isso é também pedagógica.

            A função pedagógica da pena é causar uma satisfação a quem foi indevidamente cobrado, prevenir a reincidência e a prática do ato ilícito por outrem.

06. Considerações finais

            Conclui-se então que a função da natureza jurídica é saber em qual categoria (gênero) está um instituto (espécie) para que se possa aplicar as normas pertinentes ao tema.

            A norma jurídica, por sua vez, tem a finalidade de regular condutas em uma sociedade em razão do elemento coerção que faz com que os indivíduos devam respeitá-las sob pena de sofrerem uma punição por parte do Estado

            O Código de Defesa do Consumidor é a norma jurídica especial aplicada à relação de consumo devendo sempre ser aplicada na proteção ao consumidor, sendo o Código Civil aplicado de forma subsidiária.

            A norma do parágrafo único do artigo 42 é classificada como norma mais que perfeita (leges plus quam perfectae), pois acarreta duas consequências jurídicas que consistem na nulidade do ato com o restabelecimento da situação anterior, e ainda uma imposição de pena ao infrator que neste caso é a restituição do valor cobrado em dobro.

            Devolução em dobro (repetição de indébito em dobro) é a sanção civil aplicada de caráter “pedagógico-satisfativo” normatizada no código civil e de forma especial no código de defesa do consumidor, para aquele fornecedor que cobra indevidamente do consumidor o valor pago ou excedido.

            Não há que se falar em enriquecimento sem causa[22], caso fortuito[23], motivo de força maior ou fato do príncipe[24] pois o credor deve tomar o dever de cuidado e, no mínimo, comunicar-se com o devedor antes de ir à esfera judicial.

            Desta forma, verificou-se que em razão do princípio da inversão do ônus da prova na proteção do consumidor hipossuficiente contra o fornecedor somente se o fornecedor provar que não houve má-fé ou culpa (negligência, imprudência e imperícia) e que poderia ser afastada a punição da devolução dos valores em dobro.

            Conclui-se que a natureza jurídica da devolução em dobro é o instituto punitives damages cuja indenização é forma de sanção civil punitiva e pedagógica situada na categoria de responsabilidade civil e aplicada ao fornecedor transgressor da norma consumerista que veda a cobrança abusiva e indevida de valores já pagos.

Referências

AGAMBEN, G. Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua I, trd. Henrique Burigo, 2 ed., Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002 (Homo Sacer – Il Potere Sovrano e lanuda vita).

ALMEIDA, L. C. C. A repetição de indébito em dobro no caso de cobrança indevida de dívida oriunda de relação de consumo como hipótese de aplicação dos “punitives damages” no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 14, nº 54, p. 161-172, abr./jun. 2005.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Texto integral. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006.

BANDEIRA DE MELLO. C. A. Elementos de direito administrativo. 3 ed. rev., ampl. e atual. com a Constituição Federal de 1988.São Paulo: Malheiros, 1992. 370 p.

BENJAMIN, A. H. de V. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 396-397.

BOBBIO, N. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Baptista. 1. ed. Bauru, SP: Edipro, 2001.96p.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 jan. 2002. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 17 out 2008.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 set. 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm >. Acesso em: 17 mai. 2013.

CÂMARA. A. F. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I, 2 ed. 2004. rev. e atual. segundo o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 142.

CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010.

CONCEITO. In: FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. ver. E atual. Curitiba: Positivo, 2010. p. 547.

DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral do Direito Civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

FRANÇA, R. L. Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987. p.87.

GOMES, M. F.; SANTOS, M. C. O cabimento da consumerista repetição de indébito em dobro após a declaração da nulidade de cláusulas contratuais abusivas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8015>. Acesso em 01 de jul 2013.

GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. In: responsabilidade civil.  v. 4, 6º ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MARQUES, C. L.; BENJAMIN, A. H. V.; MIRAGEM, B. Comentários ao código de defesa do consumidor: Arts. 1º a 74: Aspectos materiais. São Paulo: Saraiva, 2003.

MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

MOLINERO, R. J. P. Abuso Del derecho. 1 ed. Buenos Aires: La Ley, 2010. p.480.

NATUREZA. In: FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. ver. E atual. Curitiba: Positivo, 2010. P. 1454.

NORMA. In: FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. ver. E atual. Curitiba: Positivo, 2010. P. 1476.

Norma juridica. IN: Soibelman L. Enciclopédia Jurídica Soibelman. Disponível em:

<http://www.elfez.com.br/elfez/Normajuridica.html>. Acesso em: 25 jun. 2013.

PEREIRA. C. M. S. Instituições do Direito Civil. 22. ed. rev. e atual. por MORAES. M. C. B. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1. p.718.

SANÇÃO. In: FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. ver. E atual. Curitiba: Positivo, 2010. P. 1884.

SIQUEIRA JR., P.. Teoria do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

SOUSA, S. E. M. O princípio da boa-fé no procedimento. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VII, n. 18, ago 2004. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4505>. Acesso em 01 de jul 2013.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Isa Omena Machado de Freitas

Pós-graduada em Direito Privado, Direito Civil e Processo Civil. Advogada. Professor Mestre da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP) e da Faculdade Serra do Carmo (FASEC). Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais. Universidad Del Museo Social Argentino- UMSA.

Murilo Braz Vieira

Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP) e da Faculdade Serra do Carmo (FASEC). Mestrando em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. Universidade Federal do Tocantins-UFT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Publicado no CONPEDI /UFSC 2014

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos