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Sanção e coação: a organização da sanção e o papel do Estado

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Cláusula de não indenizar

São válidas as cláusulas que, por excluírem o dever de indenizar nos contratos, privam a obrigação de sanção jurídica?

Alguns, com base no princípio da autonomia da vontade, admitem-nas com amplitude. Se as partes são capazes e lícito o objeto do contrato, válida a avença.

A outros parece que a cláusula fomenta a desídia, imprudência e negligência daquele que dela se beneficiará.

Há variadas posições intermediárias na lei, na doutrina e na jurisprudência. Ora se admite a cláusula em alguns contratos, ora é negada noutros. Em algumas situações, mesmo admitida, sofre maiores ou menores restrições.

O STF, na Súmula nº 161, negou-a: "Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar."

Há os que a repelem nos contratos de adesão, conforme RT 759/142: "O pré-estabelecimento dos danos por meio das cláusulas limitativas de responsabilidade viola o princípio da reparação integral, pois impede que sejam ressarcidos todos os prejuízos sofridos pela vítima. (...) Se é verdade que as cláusulas que excluem o dever de indenizar aparecem nos contratos em geral, nos contratos por adesão ganham elas relevo particular. Exprimem nesses contratos a posição de supremacia de uma das partes. O objetivo visado é conferir legitimidade jurídica ao poder de que dispõe o predisponente. Não há dúvida de que as cláusulas de não indenização trazem prejuízos aos consumidores. Quando não provocam a completa imunidade do fornecedor, impõem drástica limitação do dever de indenizar ou a transferência desse dever a terceiros. Tais cláusulas privam a obrigação de qualquer sanção jurídica, fator que a transforma em obrigação moral, destituída de garantia. Desaparece a faculdade de o credor exigir que o devedor cumpra a obrigação. Atentam contra o princípio da força obrigatória dos contratos porque não há risco a suportar quando o fornecedor exclui a obrigação que sobreviria como resultado de um fato a ele imputável."


A organização da sanção

Perda da vida, privação da liberdade pessoal, expropriação do patrimônio, constrição de bens por meio da penhora, arresto, seqüestro, arrolamento, constrangimento através de protesto extrajudicial etc., eis algumas medidas jurídicas de coação exercida pelo Estado, que o faz por ter ele se organizado em uma unidade de poder, disciplinado o exercício dessa coação, com o objetivo de aplicar as sanções por ele mesmo criadas e, enfim, atribui-se o monopólio da coação.

Destarte, o Estado, ao ordenar o poder, disciplinou a coação em suas formas, conteúdos e intensidades. O poder originário se impõe e deve ser obedecido. Neste passo, Bobbio, identificando o poder originário com o poder constituinte, define-o como o conjunto das forças políticas que num determinado momento histórico tomaram o domínio e instauraram um novo ordenamento jurídico. Ante a possibilidade de raciocínio errôneo na singeleza de reduzir o direito à força, sustenta não se dever confundir o poder com a força física, e deixa claro ser possível que se instale o poder por meio do consenso e não ser verdade de termos que nos submeter à violência, e normalmente nos submetemos sim aos que têm o poder coercitivo. Se o poder foi obtido pelo consenso, os detentores do poder são os que têm a força necessária para fazer respeitar as normas que deles emanam. Em tal sentido, a força é instrumento necessário do poder.

Sendo a força, nesse sentido, instrumento necessário do poder, seria também o fundamento? Responde Bobbio que a força é necessária para exercer o poder, mas não para fundamentá-lo, não para justificá-lo.

Poder-se-ia indagar: para existir um ordenamento jurídico se faz imprescindível o exercício da força ou do poder? Se entender-se, com Bobbio, que poder significa "poder coercitivo", ou o poder de fazer respeitar, chega-se à mesma resposta fornecida por ele: um ordenamento jurídico é impensável sem o exercício da força, isto é, sem o poder. É coerente com o conceito que dá de Direito: ordenamento com eficácia reforçada.

O mesmo Bobbio demonstra que os temem a redução do Direito à força física estão preocupados, não propriamente com o Direito, mas com a justiça. O equívoco deles está na confusão do Direito positivo, que é, com o que deveria ser, o Direito justo. Por ser o Direito a expressão dos mais fortes, não dos mais justos, a norma fundamental autoriza os detentores do poder ao uso da força, legitimando apenas juridicamente esse uso, esse poder, mas não moralmente. A situação ideal, embora rara, é o de serem os mais fortes também os mais justos.


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Sobre o autor
Teófilo Marcelo de Arêa Leão Júnior

advogado, professor universitário na Faculdade de Direito de Marília, mestre em Direito pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO JÚNIOR, Teófilo Marcelo Arêa. Sanção e coação: a organização da sanção e o papel do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3117. Acesso em: 22 nov. 2024.

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