Sabe-se que, anos atrás, acreditava-se que o clamor público poderia ser fundamento, inclusive, para decretação de prisão preventiva.
Ora, se, conforme preceitua a nossa Constituição, todo poder emana do povo, então por que ele não pode punir conforme o senso íntimo de Justiça da população? Simples, o homem mediano não sabe, de fato, o que é justiça e se deixa levar por qualquer manchete de jornal um pouco deturpada.
E é justamente para corrigir os excessos, para haver paz social que o homem aderiu ao contrato social.
Não se pode esquecer, ainda, que a prisão preventiva, apesar de seu caráter cautelar, acaba sendo, também, uma antecipação de pena.
Há quem fundamente com base na proteção ao próprio investigado ou acusado e decreta a sua prisão preventiva para salvaguardar a sua integridade física. Ou seja, para corrigir um erro do Estado que não consegue manter a ordem, retira do indivíduo a sua liberdade individual.
Definitivamente, este não é o caminho.
Punir alguém porque uma multidão, às vezes motivadas por programas sensacionalistas, resolveu enfatizar a notícia de que um SUSPEITO de estupro de vulnerável está sendo investigado é algo inaceitável para o ordenamento jurídico brasileiro.
Felizmente, o clamor social vem sendo extirpado – ao menos de forma explícita- das decisões judiciais.
Entretanto, é notório o poder dos meios de comunicação de massa, que podem fazer do bandido o mocinho e do herói o vilão.
Recente caso famoso que envolveu a progressão de regime de Suzane Von Richthofen foi bastante comentado e quase todos os comentários criticavam a decisão que concedeu à moça a progressão de regime.
Curiosamente, a reclusa já possuía o direito há algum tempo, mas o exame criminológico era um empecilho para a concessão.
Apesar da alegada total imparcialidade dos magistrados, é difícil negar as influências que um caso de grandes proporções toma e que isto não terá qualquer reflexo em sua decisão.
E não digo que tal influência possa ser somente contra acusado, também há aqueles que, para demonstrar sua “imparcialidade” e seu pulso, vão ao sentido contrário às manifestações e, até mesmo, em sentido diverso às provas aos autos.
Por mais justo que seja o magistrado, a grande maioria deles sofrerá alguma influência, mesmo que mínima, pois somos seres humanos e não temos como nos desvencilhar do mundo externo por completo.
Não há como negar que muito disto é fruto dos furos legislativos que dão brecha à impunidade que, por sua vez, faz com que a população tente pressionar o judiciário para que tome uma medida.
Outro grande exemplo é o dolo eventual, muito aplicado, a meu ver, de forma deturpada nos acidentes praticados na direção de veículo automotor, principalmente os praticados sob a influência de álcool ou por rachas.
É cediço que dolo eventual exige que o agente vislumbre o resultado, aceite-o como possível e seja indiferente quanto à sua produção.
O simples fato de o agente ingerir bebida alcoólica, sabendo-se dos efeitos que a substância gera, é um forte indício acerca da imprudência do indivíduo, que será demonstrada por meio de sua conduta.
Não é possível, no entanto, misturar as coisas a ponto de afirmar que ao agir desta forma o agente assumiu o risco de produzir o resultado. A interpretação é muito extensiva.
Equiparar a conduta de alguém que pega uma arma e mata uma pessoa, querendo fazê-lo, com a de alguém que toma uma latinha de cerveja depois de um churrasco e, por uma infelicidade, colide com um veículo e causa a morte do condutor é destruir o Direito Penal e toda a sua finalidade.
São aberrações que, volta e meia, vemos em algumas decisões.
O senso de justiça não está na punição individual, em usar um ou outro indivíduo como bode expiatório para demonstrar a efetividade do sistema penal, conforme defendia Günther Jakobs, o que é extremamente rigoroso.
Também não corroboro com o entendimento do ilustre Claus Roxin de que a pena somente deve ser aplicada se puder prevenir o cometimento de outros delitos, o que é brando demais.
Mas de nada adianta os casos famosos serem punidos com tanto rigor se os pequenos casos também não forem, como se isto fosse compensar toda a impunidade dos crimes de colarinho branco ou outros que entram na cifra negra – crimes sem solução-.
O que falta não são mais leis tipificando crimes, nem penas maiores, o que falta é fiscalização, aplicação, efetividade nas punições. A efetividade da punição, a certeza, é muito mais importante do que o seu rigor.
Revisão bibliográfica:
CAPEZ, Fernando - Curso de processo penal – 19. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 2003. V. II.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 18ª Ed., Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2011.
SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento de prisão preventiva. In: SHECARIA, Sérgio Salomão (Org.). Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (criminalista do século). São Paulo: Método, PP. 257-295, 2001; Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Notadez: PUCRS: ITEC, ano 3, nº 10, PP. 113-120, 2003.
JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. Tradução de André Luís Callegari. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Tradução de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madri: Thomson Civitas, 2006. T. 1: Fundamentos. La Estructura de la Teoría del Delito, tomo 1.