O Direito Penal no Brasil em tempo de constitucionalismo contemporâneo: onde fica a moral?

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A relação tensa entre direito, moral e constitucionalismo constitucionalismo contemporâneo.

Já se passam quase 25 anos da inauguração do estado (social) democrático de direito brasileiro, e o processo de constitucionalização dos direitos, amplamente discutido na década de 90 perdeu-se no tempo. Tanto os valores quanto os princípios constitucionais não conseguiram cumprir sua função de nortear o direito posto, uma vez que pouco ou nada foi alterado no sentido de alinhar-se aos princípios constitucionais.

Quando falamos em princípios constitucionais chamamos um conceito novo a partir do qual a norma jurídica justifica sua existência e permite alinhar seu sentido aos valores constitucionalmente vigentes. Assim como nos lembra constantemente Lenio Streck, não há norma sem princípio e não há princípio sem norma. Seria necessário, insuficiente, cremos, mas necessário um movimento legislativo que promovesse uma releitura sistemática dos diplomas legais para verificar a sua adequação ao novo modelo social que se implanta no Brasil pela constituição de 1988.

O direito é mecanismo de gestão de conflitos, de criação/preservação/manutenção de equilíbrio, e agora, mais que nunca de promoção de valores sociais, reconhecidos na constituição que é (ainda) compromissória[1], já que suas promessas (reedição de boa parte das promessas da modernidade na verdade) continuam incumprida[2].

O fato é que a busca dos caminhos da efetividade dos projetos constitucionais tem sido bem mais complexa do que as escolhas que nos levaram a eles. É que o momento da contradição, da falta de sintonia entre o discurso (promessas) e a prática (benesses) chega a um grau de visibilidade que não suporta mais as máscaras dos discursos. As coisas que deveriam acontecer não aconteceram e a promoção daquele tão bem falado estado de bem estar social claudica. Não acontece, e se acontece é de maneira tão lenta e tão pouco sólida que não sacia a sede de quem por tanto tempo, tanto esperou e tão pouco tem colhido.

É este o panorama jurídico. Reconhecemo-nos como indivíduos, mais do que isso, como indivíduos plurais, estamos (pelo menos formalmente) inseridos em um estado social e senhores que somos, de direito, fazemos o que era de se esperar: sindicamos o que é nosso. As respostas não vem, se vem, vem de forma ambígua, incerta, aleatória. A cada dia que passa nos sentimos mais dependentes da bondade dos bons, da justiça dos justos. Apelamos para a caridade dos caridosos e aos argumentos das mais diversas vertentes das teorias argumentativas que nos levam de volta à filosofia da consciência, ao solipsismo moderno onde o homem, senhor da razão racional tudo pode a partir dela, e a partir dela tudo faz. Como deuses, decidimos à nossa imagem e semelhança. São os passos incertos que damos em busca do maior dos mitos da modernidade: o mito da segurança. A qual segurança nos referimos? A qualquer uma, a todas elas, tanto faz, o mito nos leva ao mesmo lugar. Ao sindicarmos saúde, educação, previdência, segurança (no sentido estrito – seja ela policial preventiva, policial repressiva ou judicial) pretendemos a mesma coisa. Garantias, certezas.

O tema precisa ser posto de maneira mais alongada, como fizemos, para que efetivemos a crítica proposta aqui: possuímos o vício recorrente de apostar muitas de nossas fichas no direito penal. Por várias vezes nos surpreendemos dizendo: isso deveria ser crime, ou aquele indivíduo deveria estar preso. Em suma, os que são diferentes de nós deveriam ser excluídos, de forma drástica e exemplar, para que todos fossem iguais a nós. A idéia não é estranha, imaginem todos compartilhando dos mesmos valores, respeitando aos mesmos bens e desprezando outros de menor importância. Não é estranha, mas é incorreta.

O direito penal não é e nem pode ser o guardião da moral perdida. Não é? Bem, acho que era, e continua sendo. E, agora nossa tristeza ao debruçar-mo-nos sobre o anteprojeto do novo código penal, parece ter a mesma pretensão.

O projeto do novo código se aproxima, se adéqua e seria mais coerente se protegesse os valores defendidos pelas constituições revolucionárias. Da parte geral à parte especial notamos claramente que a “Comissão de juristas gosta do Direito Penal do Risco”[3].

A crítica vem do fato de que o projeto não se preocupa em alinhar-se com o modelo sancionatório e com as razões de punir construídas pelo legislador constitucional. A constituição foi abandonada, não serve de norte nem encontra no projeto a busca da coerência e integridade de Dworkin. A título de exemplo: O “domínio da vontade” ampara estrategicamente o “domínio do fato” no artigo 38. Nele ainda não só o que devia, mas o que podia (o projeto não explicita circunstancias) agir para impedir o delito concorre para a sua prática: é a inação sem nexo como causa de responsabilização penal. Dolo e culpa insuficientes para determinar a vontade, ganham um parceiro: o dolo eventual “tertio genus” de vontade – o legislador esqueceu-se da culpa consciente, por que não uma quarta subdivisão da vontade? Seriamos ainda fiéis à teoria finalistica?

Bem, tanto mais há para falarmos, pena que o espaço é curto. Bem encerro este pequeno ensaio com três questões: a primeira, a mais complexa, quando conseguiremos nos livrar do modelo individual e alcançar os criminosos que ofendem aos bens supra individuais como meio ambiente, grandes fraudes, crimes fiscais e outros? Precisamos nos lembrar que os que furtam galhinhas estão cansados (será?) de ser a clientela preferencial do direito penal.

A segunda é: por que recuperamos a figura do dirigir sem habilitação, da lei de contravenções penais[4], não recepcionada pela CF de 1988, em pleno vigor, apenando o condutor com prisão de um a dois anos, e ao mesmo tempo pretendemos punir o homicídio culposo no transito com pena de um a quatro anos? O primeiro é crime de risco, de risco abstrato, é a abstenção de mera formalidade que, diga-se de passagem, rende grandes somas de recursos aos cofres públicos. Qual é o referencial bem jurídico que nos permite traçar proporção tão absurda?

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E, por fim e mais que isso, por hábito, onde fica o princípio da subsidiariedade quando insistimos em punir crimes contra a honra, tão bem e eficientemente resguardados pelo direito civil? É necessário reaprendermos direito penal para tentarmos fazer algo melhor. Caso contrário, que fique o velho código de 1944, reedição de tantos outros e mais tolerante que o novo projeto.


[1] Apesar de Canotilho falar da morte da constituição dirigente ressalta que seu caráter histórico (o da constituição) ainda a faz seu modelo dirigente vivo eonde historicamente ele se faz necessário.

[2] Expressão de Lenio Streck

[3] http://www.conjur.com.br/2012-mai-08/lenio-luiz-streck-comissao-juristas-gosta-direito-penal-risco

[4] Artigo 204.

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Sobre os autores
Edson Vieira da Silva Filho

Pós Doutor em Direito pela Unisinos (2012). Doutor em Direito pela Unesa (2012), na linha Direitos Fundamentais e Novos Direitos. Mestre pela Universidade São Francisco (2002). Mestre pela Universidade Federal do Paraná (2006). Graduado em Direito pela PUC Belo Horizonte – MG (1986). Delegado de Polícia Classe Geral, aposentado – Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. Gestor do Núcleo de Atividades Complementares da Faculdade de Direito do Sul de Minas, professor auxiliar da Faculdade de Direito do Sul de Minas e membro do Núcleo Docente Estruturante. Vice-presidente da Fundação Sul Mineira de Ensino.

Leandro Correia Oliveira

Mestre em Direito pela UFPR. Doutor em Direito pela UNESA/RJ. Professor do PPGD da Faculdade de Direito do Sul de Minas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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