Aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas: é possível?

25/08/2014 às 15:47
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A aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas nasceu como uma forma de defesa de uma esfera de liberdade dos particulares em face do Estado.

RESUMO: A aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas nasceu como uma forma de defesa de uma esfera de liberdade dos particulares em face do Estado. Isto porque, com o desenvolvimento da sociedade, há uma participação mais ativa desta no exercício do poder, antes adstrito ao Estado. Assim, com o presente artigo, busca-se compreender que os direitos ditos fundamentais aplicam-se também às relações privadas, comprovando-se através de pesquisas bibliográficas e documentais, além de pesquisas em sites de artigos jurídicos relacionados ao tema. Observa-se o problema da “liberdade individual” estar ameaçada não só pela ingerência estatal, mas também pelos entes privados detentores de uma parcela deste poder. Enfim, não se pode olvidar que os direitos fundamentais, em sua dimensão objetiva, são a ordem fundamental de valores de uma dada época, devendo ser por todos respeitados, sejam entes púbicos ou privados.

Palavras-chave: direitos fundamentais, relações privadas, liberdade, Estado.

1. INTRODUÇÃO

O tema proposto é comum aos mais diversos ramos jurídicos, pois nas diversificadas relações jurídicas, sejam entre particular e ente público, sejam entre particulares, os direitos fundamentais são constantemente objeto de violação. Nasce, assim, um direito subjetivo para seu titular, ou poderão ser utilizados como direito objetivo, servindo de paradigma para a solução das mais diversas questões surgidas entre os sujeitos.

A doutrina sustenta que os direitos fundamentais, além do seu ponto de vista subjetivo, possuem uma função autônoma, constituindo-se valores que a sociedade deve respeitar e concretizar. Servem, com base nesta última premissa, como parâmetro para o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos estatais.

Quanto à sua eficácia na esfera privada, tema principal do presente trabalho, é também chamada eficácia horizontal, constituindo-se em um desdobramento desta dimensão ou perspectiva objetiva apontada pela doutrina, sobretudo nos casos em que há uma desigualdade de forças dos sujeitos envolvidos em dada relação jurídica, onde tais direitos fundamentais exercem papel essencial para o deslinde da situação, devolvendo ao sujeito ofendido a integridade de seus princípios, como por exemplo o da dignidade da pessoa humana.

Assim, o principal objetivo do presente trabalho será verificar a abordagem doutrinária mais relevante sobre a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, com a caracterização dos possíveis sujeitos passivos desses direitos, mormente à luz das jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho.

2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os Direitos ditos Fundamentais são aqueles inerentes à própria condição humana, com previsão no ordenamento jurídico.

Com base na Carta Magna de 1998, os Direitos Fundamentais estão classificados e divididos em: Direitos Individuais (art. 5º); Direitos Coletivos (art. 5º); Direitos Sociais (arts. 6º e 193); Direitos à Nacionalidade (art. 12) e Direitos Políticos (arts. 14 a 17). A Constituição não inclui os Direitos fundados nas relações econômicas, entre os Direitos Fundamentais, mas eles existem e estão estabelecidos nos arts. 170 a 192.

O artigo 5º da Constituição arrola direitos e deveres individuais e coletivos. Mas qual a diferença entre eles? Cabe, aqui também, fazer uma breve consideração a respeito da diferenciação entre direitos individuais e direitos coletivos. Sarlet (2002, p. 173 e 174) diz que: (...) para que os direitos individuais constituem "direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado", ao passo que os direitos coletivos podem ser conceituados como "direitos fundamentais do homem-membro de uma coletividade", ressaltando, que boa parte dos direitos coletivos mencionados sob está rubrica na Constituição (no rol do artigo 5º) são, na verdade, "direitos individuais de expressão coletiva, como as liberdades de reunião e associação", ao passo que outros se encontram dispersos no texto Constitucional.

Para alguns autores, há mais de um tipo de direito individual. Existem os chamados direitos individuais expressos, que são aqueles explicitamente enunciados no art. 5º da CF, direitos individuais implícitos que são aqueles que estão subentendidos nas regras de garantias, como o direito a identidade pessoal, certos desdobramentos do direito à vida, o direito a atuação geral (art.5º, II) e os direitos individuais decorrentes do regime de tratados internacionais subscritos pelo Brasil, aqueles que não são nem explícita nem implicitamente enumerados, mas provêm ou pode vir a provir do regime adotado, como direito de resistência entre outros de difícil caracterização a priori.

Os direitos individuais se classificam, conforme consta na nossa Constituição de 1988 como: direito à vida, direito à intimidade, direito de igualdade, direitos de liberdade e por último direito de propriedade.

A respeito dos direitos fundamentais coletivos,  conforme a Carta Magna vigente são classificados como direitos sociais, liberdade de associação profissional e sindical (art. 8º e seus incisos da  CF/88.

As dimensões dos direitos fundamentais estão estabelecidas, como gerações de direitos   humanos. Sendo assim, classificá-los como direitos de primeira, segunda e terceira geração de direitos e alguns doutrinadores que entendem que existe uma quarta que seria a engenharia genética, e até mesmo uma quinta geração, que  seria o direito à democracia e à informática.

As gerações de direitos, conforme sustenta o ilustre doutrinador Sarlet (2002, p. 50) surgiram "como direitos dos indivíduos frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de  não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face do seu  poder".

3. A DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

É de suma importância a delimitação do sentido e do alcance da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, pois somente a partir daí é que se desdobra sua eficácia sobre as relações privadas, mormente no tocante às situações de eminente desigualdade material entre os sujeitos.

Para Ingo Sarlet (2007, pag. 168), a doutrina e a jurisprudência evocam como paradigma sobre como se considera a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, o famoso caso Lüth. Neste caso, restou reconhecido que os direitos fundamentais não possuem apenas a função de constituírem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder público, mas, também, consistem em decisões valorativas de natureza objetiva da Constituição, produzindo eficácia em relação a todo o ordenamento jurídico, fornecendo diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos.

Assim, nos direitos ditos fundamentais são os próprios valores objetivos básicos que se direcionam para os fins da ação dos poderes públicos, e não apenas garantias dos interesses dos particulares.

Além disso, completa Sarlet que na perspectiva jurídico-objetiva dos direitos fundamentais, todas as normas de direitos fundamentais, quer consagrem direitos subjetivos individuais, quer imponham obrigações aos poderes públicos, podem ostentar a natureza de princípios ou de regras. Deve haver um paralelo entre as regras e a dimensão subjetiva, por um lado, e, por outro, entre os princípios e a dimensão objetiva.

Na verdade, o que importa é que tais direitos devem ser valorados não apenas sob um aspecto individualista, ou seja, do ponto de vista do indivíduo perante o Estado, mas também do ponto de vista da sociedade, já que se trata de valores que ela deve respeitar e concretizar.

Por fim, Sarlet afirma que todos os direitos fundamentais, por sua dimensão objetiva, são, também, direitos transindividuais. Assim, legitimam não apenas restrições aos direitos subjetivos individuais com base na prevalência do interesse social, mas também contribuem, por essa perspectiva objetiva, para a limitação do alcance e do conteúdo dos próprios direitos fundamentais, ainda que preservado seu núcleo essencial.

4. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES PRIVADAS

Os direitos fundamentais apresentam-se como limites ao poder do Estado, e, consequentemente, passam a vincular o Estado ao cidadão.

Há uma cizânia doutrinária quanto ao tema em questão. Há aqueles que contestam a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas sob o argumento de que o objetivo foi proteger os cidadãos somente dos abusos cometidos pelo Estado. Esse entendimento não mais prevalece.

O Estado anteriormente foi identificado como o maior agressor dos direitos naturais do homem. Hoje, contudo, sabemos que não só o Estado representa uma ameaça aos direitos fundamentais, mas também outras instituições privadas. Assim, nada mais natural que exigir respeito aos direitos fundamentais de todos aqueles que possam vir a ameaçá-los.

Um outro argumento utilizado é o de que sua aplicação nas relações privadas fere a autonomia privada, já sujeita a outras leis do Direito Privado. Porém, verificamos que a estrita observância dos direitos fundamentais é uma necessidade do Estado Democrático de Direito. Caso nas relações privadas não houvesse a observância dos direitos fundamentais, isso poderia gerar a obrigação do Estado de agir para garantir sua efetividade.

Ocorreria, assim, uma verdadeira cisão na ordem jurídica, na medida em que “não há razão para que se faça diferenciação entre a aplicação destes direitos, já que o que se está a proteger é a dignidade da pessoa humana, como bem maior a se proteger”.

Por outro lado, sustenta-se tal eficácia dos direitos sociais no âmbito das relações privadas, especialmente no que concerne ao seu conteúdo em dignidade humana, no contexto do que se designou de “mínimo existencial”.

Assim, há hipóteses de direitos fundamentais que, claramente, vinculam os particulares, como o direito à indenização por dano moral ou material em caso de abuso do direito de livre manifestação do pensamento (art. 5º, incisos IV e V, da Constituição), o direito à inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI, da Carta), o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas (art. 5º, XII), além, é claro, o dos direitos dos trabalhadores, elencados no art. 7º, da Carta Magna.

Por sua vez, reconhece-se que o Estado Social de Direito, ao contrário do Estado Liberal clássico, ampliou suas atividades e funções. A sociedade participa cada vez mais ativamente do exercício do poder, de forma que a liberdade individual necessita de proteção não mais apenas contra o poder público, mas também contra os que detêm o poder social e econômico, já que as liberdades individuais também aqui se encontram sob constante ameaça de serem afetadas.

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Surge, assim, a chamada “dimensão objetiva dos direitos fundamentais”, onde o Estado deve respeitar determinados valores, bem como promover e zelar pelo seu respeito, por meio de uma postura ativa de proteção global dos direitos fundamentais.

Por isso, observamos duas situações bem distintas no ordenamento jurídico. A primeira ocorre quando as partes da relação jurídica se encontram em condições de relativa igualdade. Neste caso, somente na hipótese em que a dignidade da pessoa humana estiver sob ameaça ou diante de uma ingerência indevida na esfera da intimidade pessoal é que será possível a eficácia direta dos direitos fundamentais. Garante-se, portanto, o direito à liberdade. Por outro lado, caso haja uma relação entre um particular e detentor de poder econômico ou social, aplica-se os direitos fundamentais na esfera privada, uma vez que se trata de relações desiguais de poder, semelhantes às que se estabelecem entre os particulares e o poder público.

A doutrina aponta, por sua vez, diversas formas de se proteger os direitos fundamentais nas relações entre particulares. Pode ser por meio de intervenções legislativas, também por meio da interpretação e aplicação de cláusulas gerais de direito privado, ou ainda, através de suscitação direta do direito fundamental para a solução de conflitos entre particulares.

5. DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Há duas teorias referentes à aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas: a eficácia indireta e mediata e a eficácia direta e imediata.

5.1. Eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais

Tal teoria foi desenvolvida pela doutrina alemã e acolhida pelo Tribunal Constitucional da Alemanha. Caracteriza-se por negar a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Seus defensores sustentam que o objetivo dos direitos fundamentais não é dirimir conflitos nas relações privadas, além do fato de que a eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas iria suprimir a autonomia da vontade. Assim, acreditam que os direitos fundamentais somente poderiam ser aplicados às relações privadas após a adaptação da legislação do Direito Privado através da criação de normas específicas pelos legisladores.  Na ausência dessas normas específicas, o juiz deveria interpretar os direitos fundamentais à luz de cláusulas e conceitos indeterminados do direito privado.

  

5.2. Eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais

Por sua vez, tal teoria defende a incidência direta e imediata dos direitos fundamentais no âmbito privado sem a mediação dos legisladores. Advertem, porém, que, embora a aplicação seja imediata, é preciso uma análise do caso concreto para determinar em que medida deve haver a composição dos direitos na relação privada. A existência de desigualdade entre as partes deverá ser considerada e poderá resultar na limitação da autonomia privada para a proteção de um direito fundamental

5.3. A Eficácia dos Direitos Fundamentais na Jurisprudência

Apresenta-se de forma farta a jurisprudência acerca da incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Observemos o Recurso Extraordinário n. 158215/RS, cuja ementa encontra-se assim vazada:

DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. (g.n.)

Decisão semelhante e mais recente se deu no Recurso Extraordinário n. 201819/RJ, relatado pelo Min. Gilmar Mendes, pela Segunda Turma, encontrando-se a ementa com o seguinte teor:

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (g.n).

Já o Recurso Extraordinário n. 160222/RJ, encontra-se assim ementado:

I – Recurso Extraordinário: legitimação da ofendida – ainda que equivocadamente arrolada como testemunha -, não habilitada anteriormente, o que, porém, não a inibe de interpor o recurso, nos quinze dias seguintes ao términi do prazo do Ministério Público (STF, Súms. 210 e 448).

II – Constrangimento ilegal: submissão das operárias de indústria de vestuário à revista íntima, sob ameaça de dispensa; sentença condenatória de primeiro grau fundada na garantia constitucional da intimidade e acórdão absolutório do Tribunal de Justiça, porque o constrangimento questionado à intimidade das trabalhadoras, embora existente, fora admitido por sua adesão ao contrato de trabalho, questão que, malgrado a sua relevância constitucional, já não pode ser solvida neste processo, dada a prescrição superveniente, contada desde a sentença de primeira instância, e jamais interrompida desde então. (g.n.).

Outro julgado do Supremo Tribunal Federal de destaque neste tema é o do Recurso Extraordinário n. 161243/DF, relatado pelo Min. Carlos Velloso, pela Segunda Turma, cuja ementa se transcreve:

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO empregado DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido. (g.n.).

 

5.4. Os Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho

Torna-se de suma importância a incidência das normas de direitos fundamentais na seara das relações de trabalho, sobretudo nas condutas discriminatórias adotadas por empresas empregadoras com relação a seus trabalhadores. Isto porque é flagrante a desigualdade entre as partes envolvidas. O empregador é dotado de um maior poder econômico e o empregado adere às clausulas contratuais, que estão limitadas pelos direitos constitucionais dos trabalhadores como a segurança, saúde, informação, intimidade e a privacidade.

Há também uma irradiação dos direitos fundamentais no direito coletivo. As negociações coletivas não podem desconsiderar direitos constitucionais sob o argumento que representam a vontade das partes ou que evitam mal maior, mesmo em situações de crise. 

Os empregadores, normalmente nas situações de crise, buscam estabelecer acordos coletivos com os sindicatos dos empregados com o objetivo de reduzir o impacto das dificuldades para a empresa e para os trabalhadores. A desigualdade econômica entre empregador e empregados, contudo, continua existindo e também a função social da empresa.

Assim, o respeito a direitos fundamentais do trabalhador, como por exemplo, o direito à informação, representa um limite à possibilidade de redução de direitos nas negociações pactuadas entre empregados e empregadores.

Por sua vez, há que serem observados estritamente os princípios norteadores das relações trabalhistas como o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade. O princípio da igualdade é aquele onde o Direito atua de forma positiva produzindo regras que imputam direitos em favor de seus titulares, e atua de forma negativa através de normas que têm como objetivo proibir práticas lesivas aos indivíduos. Busca-se, portanto, o tratamento desigual dos desiguais em prol da igualdade de oportunidades.

Neste diapasão, o empregador, dotado do poder diretivo que lhe permitir organizar, dirigir e fiscalizar a atividade econômica do seu empregado, não possui um poder absoluto, mas sim limitado pelos direitos fundamentais do empregado. O conflito deve ser dirimido com razoabilidade e proporcionalidade no caso concreto.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo foi de suma importância para que restasse demonstrada a incidência das normas jusfundamentais nas relações privadas. Foi exposto o alcance da aplicação dos direitos fundamentais em tais relações, bem como a caracterização dos sujeitos passivos desses direitos e, em especial, da vinculação dos particulares a essas normas. Por fim, ainda foram apresentados casos jurisprudenciais paradigmáticos, através das jurisprudências do STF e TST, retratando a eficácia dos direitos fundamentais, em especial, naquelas situações em que os particulares em questão se encontram em flagrante desigualdade substancial.

Observou-se que a incidência de tais normas ocorre de forma mais intensa nas relações de maior desigualdade entre o indivíduo que tem seu direito fundamental violado e o ente privado agente desta violação. Assim, constatou-se que em hipóteses de afronta aos princípios constitucionais fundamentais será necessária a aplicação do princípio da proporcionalidade, na tentativa de afastar a aparente tensão de valores, frente ao princípio da autonomia da vontade.

Nas hipóteses de valores aparentemente conflitantes, há a predominância da teoria da ponderação de interesses, onde somente a análise do caso específico poderá dizer qual direito deverá prevalecer sobre outro, sem que isso ocasione a sua anulação.

Portanto, pode-se afirmar que, segundo a doutrina majoritária, bem como a jurisprudência, através dos acórdãos colacionados, a oponibilidade aberta dos direitos fundamentais aplica-se não só na relação individuo/Estado, mas também, nas relações entre particulares. Isto porque cabe ao Estado assegurar a observância do regular cumprimento das normas de direitos fundamentais por todos aqueles potencialmente capazes de violar tais direitos, uma vez que, nos dias atuais, não só o Estado, mas também algumas entidades podem igualmente, como detentores do poder social, violam a esfera de liberdade dos indivíduos.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho,. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 3. ed. São Paulo: LTr, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus Efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989.

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HESSE, Konrad. Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991.

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

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REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007.

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SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

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SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr, 2000.

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TORRES, Ricardo Lobo. "A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos", in TORRES, Ricardo Lobo. (Org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

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Sobre o autor
Danilo Chaves Lima

Procurador Federal. Pós-graduado em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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