Conclusões
A lei eleitoral (Código Eleitoral e Lei n. 6.996/82), embora não primando por boa técnica legislativa, oferece uma definição clara de domicílio eleitoral, estabelecendo critérios objetivos.
A doutrina se mostra ainda escassa e pouco percuciente, não fornecendo uma definição precisa, objetiva e adequada sobre o domicílio político, aliando-se, entretanto, ao conceito jurisprudencial.
A interpretação judicial sobre o domicílio político, fixando uma definição elástica e flexível, com base em vínculos patrimoniais, afetivos, laborais, comerciais, funcionais, trabalhistas, ligação com o núcleo, raízes e terra natal não corresponde à intenção objetivada na lei.
O domicílio eleitoral deve ser fixado com base na residência, moradia, ou local de exercício de alguma atividade profissional do requerente.
O conceito de domicílio utilizado pela Justiça Eleitoral e fundado em vínculos políticos, patrimoniais, afetivos, familiares e laborais, sem exigência da fixação de residência ou moradia do requerente conforme determina a lei, produz implicações práticas em dois aspectos: primeiramente, no alistamento; em segundo lugar na revisão do eleitorado. Por ocasião do alistamento, à luz de tal exegese, deve o magistrado perquirir a prova de tais vínculos através de contas de água, luz, telefone, certidão de nascimento, título de propriedade ou posse, Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, certidão de filiação, título de crédito rural para fundamentar sua decisão, não se vinculando apenas à certidão do Oficial de Justiça, lançada no Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE), indicativa de que o eleitor não reside na localidade. No tocante à revisão do eleitorado, o principal efeito da exegese liberal é que obrigará a Justiça Eleitoral a promover constantes revisões do eleitorado, posto que existirá sempre uma grande diferença entre o contingente populacional e o número de eleitores, sugerindo evidências de fraude.
O estabelecimento de critérios objetivos e precisos na conceituação do citado instituto restringirá o elevado número de transferências de domicílio, muitas fraudulentas, que precedem principalmente eleições municipais. Tais transferências ocorrem, na maioria das vezes, apenas visando a interesses políticos pessoais de grupos ou famílias, com vistas à captação ilegal de votos do eleitor.
A legislação eleitoral fixou a noção de domicílio com base em critérios puramente objetivos, quais sejam, residência ou moradia, ao passo que a doutrina e a jurisprudência fizeram-no levando em conta critérios tanto objetivos como subjetivos, ou seja, através de vínculos, patrimoniais, laborais, trabalhistas, comerciais, funcionais, afetivos (terra natal), e políticos do requerente com a localidade.
É no domicílio eleitoral que o cidadão exerce o sufrágio, razão pela qual deverá votar na localidade que efetivamente comprove possuir um vínculo forte, uma razão de ser, um motivo que justifique o porquê de sua inscrição eleitoral pertencer àquela municipalidade.
O domicílio eleitoral não pode edificar-se através de uma conceituação extremamente permissiva como hoje tem ocorrido, ou mesmo a critério puramente subjetivo do eleitor, situação esta que concorre indiscutivelmente para comprometer a lisura dos pleitos eleitorais.
A grande mobilidade, ocorrida em relação aos domicílios eleitorais, está associada à elasticidade que a doutrina e os tribunais aplicaram ao tema. Na realidade, quando se busca na lei, tanto através da interpretação literal, como lógica e, principalmente teleológica, não se vislumbra nenhum elemento que justifique tamanha liberalidade concedida à sua interpretação.
A utilização por futura lei eleitoral do conceito civilista de domicílio não comprometeria a autonomia científica do Direito Eleitoral, pelo contrário, concorreria para consolidar a lisura dos pleitos eleitorais. Deve-se, entretanto, alcançar uma conceituação mais completa, até mesmo para evitar a perpetuação de interpretações distorcidas.
Impõe-se restringir a elasticidade ofertada pelo entendimento jurisprudencial acerca do conceito de domicílio político, a fim de que haja maior comprometimento do próprio eleitor com a legitimidade das eleições.
Na atual concepção elástica de domicílio eleitoral, o poder político poderá emanar de votos de eleitores que pouco ou nada sabem acerca da realidade local e suas prioridades. Há também, em função desse elastério, a possibilidade de um político totalmente estranho ao eleitorado eleger-se, com votos, igualmente, de eleitores estranhos àquele local, o que, indubitavelmente, comprometerá a legitimidade do poder, podendo causar sérios prejuízos à verdadeira população, vinculada à municipalidade, que é exatamente quem vai ser o público-alvo das ações políticas do grupo conduzido ao poder.
A correta definição para o tema pode ser obtida com a harmonização das definições, fornecidas tanto no âmbito legal, doutrinário e jurisprudencial. Havendo imprecisão na lei, não se pode simplesmente descartá-la com o fito de se criar conceitos diversos, como se não houvesse qualquer referência legal acerca da matéria. É preciso sim, harmonizarem-se interpretações no intuito de se definir de forma precisa o que de fato pode ser compreendido como domicílio eleitoral.
O Poder Judiciário não pode, sob alegação de imprecisão e lacuna na lei, invadir a competência legislativa, e, através de critérios próprios, criar definições para a aplicação do referido instituto.
Não se pode afastar da definição do citado instituto o conceito de residência que representa a moradia, o local no qual pode ser encontrado o eleitor, não só no dia da eleição, como também ser ele um ser presente na história da comunidade na qual exerce o direito de voto.
Em termos objetivos, domicílio eleitoral poderia ser conceituado como o local no qual o eleitor resida ou habitualmente se encontre. A conjunção alternativa ou, significa justamente a possibilidade de se aceitar como domicílio eleitoral, não só o local de residência do indivíduo, na qual estão fincados seus vínculos, inclusive, a presença física do mesmo, mas também aquele local em que possa ser encontrado com habitualidade, pois se existe habitualidade da presença, evidentemente existirão vínculos concretos e não meras manobras improvisadas de vinculação à localidade.
Considerando que a noção de domicílio assenta-se na idéia central de alguém poder, habitualmente, ser encontrado em determinado lugar, o conceito de domicílio eleitoral, edificado pela jurisprudência, flexível e liberal, fundado em vínculos com a localidade e não, exclusivamente, na residência, moradia ou o centro de ocupações habituais, afasta-se consideravelmente do conceito científico de domicílio civil construído pela teoria geral do direito.
A explicação para a disparidade entre a população e o eleitorado em elevado percentual, ou seja, mais eleitores do que habitantes decorre logicamente entre outros fatores do conceito extremamente liberal, construído pela própria jurisprudência, fundado em vínculos patrimoniais, políticos, sociais, afetivos, funcionais com a localidade, além de critérios decorrentes de raízes e terra natal, desvencilhado-se da idéia de residência ou moradia. Infere-se que a própria Justiça Eleitoral tem sua cota de responsabilidade na distorção entre população e eleitores por conta exclusivamente da exegese liberal, conferida ao conceito de domicílio político, o que ensejará constantes revisões do eleitorado numa verdadeira espiral rosca sem-fim.
Referências
APOSTILA DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO ELEITORAL. Disciplina: Alistamento Eleitoral - Prof. José Edísio Simões Souto. TRE-PB/C&E/Universidade Potiguar, 2002.
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 10. ed. São Paulo: Edipro, 2002.
COSTA, Adriano Soares da. Teoria da inelegibilidade e o direito processual eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2001.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Vol. 1. - Parte Geral – 39, São Paulo: Saraiva, 2003.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2002.
NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos políticos – Elegibilidade, inelegibilidade e ações eleitorais. 2. ed. Bauru, SP: EDIPRO, 2000.
NÓBREGA, Everaldo Dantas da. Direito eleitoral – Acórdãos – Inteiro teor . João Pessoa-PB: Gráfica JB, 2001.
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. Anotações e temas polêmicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
REVISTA DE JULGADOS. Ano III, n. 3, Volume único, João Pessoa: Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, 1999.
REVISTA DE JULGADOS. Ano IV, n. 4, Volume único. João Pessoa: Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, 2000.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Parte geral. Vol. I. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
RODRIGUES, Marcelo Guimarães; SILVA, Clarice Bourguignon Dias. Inteligência do Conceito de Domicílio Eleitoral. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 92, vol. 811, 2003.
RODRIGUES, Adriana Rodrigues. Revisão em 55 municípios aponta 30% de ‘fantasmas’ – TSE que reduzir pela metade o número de eleitores aptos nas próximas eleições. Jornal Correio da Paraíba, João Pessoa –PB, caderno de política, p. A-3, 4 jan. 2004.
SALOMON, Marta. Fantasmas podem votar em 56% das cidades brasileiras. – Corregedor do TSE, Barros Monteiro lamenta falta de revisão eleitoral. Jornal Correio da Paraíba, João Pessoa-PB, p. A-4, 29 dez. 2003.