6. PROBLEMÁTICA OU IMPLICAÇÕES DO CONCEITO DE DOMICÍLIO ELEITORAL
6.1. Concernente a Pedido de Inscrição
Segundo a doutrina de Moraes (2002, p. 234), o alistamento eleitoral “consiste em procedimento administrativo instaurado perante os órgãos competentes da Justiça Eleitoral, visando a verificação dos requisitos constitucionais e das condições legais necessárias à inscrição como eleitor”.
Como sabido, o alistamento eleitoral, que se materializa na inscrição e transferência, além da revisão de dados e segunda via, ocorre no âmbito das Zonas Eleitorais, que são as unidades de base da Justiça Eleitoral.
No caso, tomando-se como cenário referencial a circunscrição eleitoral do Estado da Paraíba, verifica-se que, reiteradas e persistentes decisões dos Juízes Eleitorais de primeiro grau, são flagrantemente conflitantes com a jurisprudência predominante e pacífica do TRE/PB e da Corte Superior Eleitoral no tocante ao entendimento de domicílio. Tais sentenças, via de regra, se fundamentam exclusivamente na interpretação gramatical do instituto, previsto no parágrafo único do art. 42. do Código Eleitoral, que estabelece como domicílio o lugar de residência ou moradia do requerente.
Evidencia-se que, apesar da consolidada jurisprudência, local e nacional, sobre o conceito de domicílio político com base em vínculos com a localidade, inúmeras sentenças continuam sendo prolatadas com fundamento apenas na certidão do oficial de justiça que procede diligências por determinação judicial, de ofício, ou a requerimento de partido político, no endereço indicado no Requerimento de Alistamento Eleitoral - RAE.
De regra, só se diligencia uma única vez no citado endereço, declarado pelo eleitor, desconsiderando, entretanto, o aspecto dos vínculos patrimoniais, políticos, sociais, afetivos, familiares, comerciais, trabalhistas e profissionais do postulante com a comunidade.
Em determinados casos, observa-se curiosamente que a certidão indica que o eleitor não mora no endereço mencionado no RAE. Entretanto, de forma intrigante, na mesma diligência, consta indicação categórica de que o eleitor reside em outro município, este, situado geograficamente em ponto muito distante de onde ocorreu a citada pesquisa, (cf. Rec. Inominado n. 2446/03, cl. 15. 32ª Zona Eleitoral/Catingueira. Ac. n. 1952/03. Recte. Maria Aparecida de Morais. Relator. Des. Marcos Antonio Souto Maior. Julgado em 03/novembro/03. In: Arquivos do Gabinete da Vice-Presidência/TRE/PB – 2003. V. tb. STRE/PB/Secretaria Judiciária/Coordenadoria de Jurisprudência e Documentação/Seção de Jurisprudência). Tais situações, pelas peculiaridades óbvias impõem o questionamento natural se também o oficial de justiça efetivamente procedeu averiguações naquela localidade que indicou como sendo o verdadeiro domicílio do eleitor, deixando, portanto, de perscrutar sobre os tais vínculos, o que, sem sombra de dúvida, à luz do entendimento jurisprudencial, resultaria num elemento de convicção robusto e concludente para se deferir ou não o domicílio eleitoral pretendido.
Exemplo hipotético: Um oficial de justiça em Cajazeiras-PB certifica, para fins de alistamento eleitoral, seja inscrição ou transferência, que o requerente ao subscrever seu Requerimento de Alistamento Eleitoral na pré-falada Zona não reside precisamente naquele município e sim, na cidade de Cabedelo-PB.
Indaga-se, houve também diligência no Município de Cabedelo? Até o presente momento, a casuística não aponta um único exemplo que confirme tal hipótese, isto é, que também se procedeu diligência no outro local indicado.
Essa situação, é de se crer, decorre de graves problemas estruturais da Justiça Eleitoral principalmente nas Zonas interioranas, que não dispõem de recursos humanos que atendam às suas reais necessidades para prestar um serviço compatível com as exigências da nova ordem política instituída pela Carta Magna de 1988. Esse quadro é reflexo de um processo histórico que retrata a pouca experiência brasileira no exercício da democracia.
Muitas vezes nessas mencionadas unidades jurisdicionais de base não existe sequer um único servidor do quadro da própria Justiça Eleitoral, sendo todo o trabalho desenvolvido por servidores requisitados da Prefeitura local que, inobstante o esforço e a dedicação de muitos, não se pode desconsiderar o aspecto de situações que retrata precária qualificação profissional e completa falta de estímulo em decorrência da remuneração subumana tão típica da região nordestina.
Possivelmente, também entra nesse contexto, como força resultante desse quadro de deficiência estrutural, no que tange precisamente ao ponto referente à interpretação gramatical o fato do concurso para Juiz de Direito do Estado da Paraíba ainda não exigir conhecimentos de direito eleitoral, ensejando aos novos Juízes cheios de perspectivas e esperanças de dias melhores a aplicação rigorosa e fria da lei eleitoral, dentro da hermenêutica puramente literal, o que embora correto formalmente, todavia, à luz do entendimento jurisprudencial, é inaplicável em se tratando do instituto em comento.
Registre-se que o maior número de diligências sobre a comprovação de domicílio ocorrem em Zonas que compreendem as pequenas cidades interioranas onde as disputas eleitorais transcorrem em clima de muita exaltação de ânimos, emoção e ressentimentos.
São rivalidades seculares envolvendo famílias tradicionais cujos desentendimentos se iniciam desde o alistamento eleitoral, isto é, no momento da inscrição, na fila formada na porta do cartório para tirar o título, sobre quem está cooptando ou induzindo determinado eleitor a se alistar em certo e determinado local, município ou Zona para votar nos velhos e conhecidos líderes políticos locais que se revezam no poder em muitos casos por vocação hereditária que já vêm de antigas gerações.
Nessas regiões, os grupos políticos adversários e até inimigos figadais desenvolvem um intenso trabalho de arregimentação de eleitores, posto que nessas localidades um voto apenas pode decidir uma eleição.
São áreas rurais pobres e desassistidas, geralmente, sítios e roçados para os quais esses grupos direcionam suas “ações táticas”, visando cooptar o maior número possível de futuros eleitores, que na esmagadora maioria ou totalidade são pessoas excluídas dos mais elementares direitos da cidadania, quais sejam, moradia com as mínimas condições humanas, alimentação, saúde e educação. Daí, que os fiscais de partido exercem vigilância cerrada, visando evitar naquela zona a ocorrência de fraude no alistamento no tocante à declaração falsa de domicílio eleitoral.
Parte dessa fatia do eleitorado, denominada massa de manobra, face ao alto grau de alienação decorrente do elevadíssimo índice de analfabetismo, principalmente, na faixa etária da fase do alistamento, isto é, dos 16 (dezesseis) aos 18 (dezoito) anos, inacreditavelmente, pensa que tirar o título é simplesmente um grande favor que se faz aos políticos e candidatos.
Conseqüentemente, tais indivíduos só se deslocam para a Zona Eleitoral se houver quem os transporte para o referido órgão, não se importando, provavelmente por ignorância, sobre o aspecto da declaração do endereço, até por desconhecerem, obviamente, que a falsa informação, configura-se crime eleitoral, tipificado no art. 350. do Código Eleitoral, definido juridicamente como falsidade ideológica eleitoral.
Com efeito, as mencionadas sentenças, fundamentadas na interpretação literal, têm motivado um sem número de recursos inominados, ensejando, de regra, a reforma das decisões impugnadas.
Dessa forma, visando reverter esse quadro é imperioso que os magistrados, seguindo a linha de entendimento dos inúmeros precedentes jurisprudenciais, diligenciem no sentido de obter prova dos vínculos patrimoniais, políticos, familiares, laborais, afetivos, comerciais e funcionais através de exames em contas de água, energia elétrica, telefone, escritura de compra e venda de imóvel ou outro título aquisitivo de propriedade ou posse, contrato de crédito rural, de locação e etc e não apenas se fundamentarem na certidão do oficial de justiça que, absolutamente, não se constitui, é importante repisar, à luz do entendimento jurisprudencial, em prova única, plena e inconteste de comprovação de domicílio.
6.2. Na Casuística da Transferência
No que pertine à transferência do domicílio, o art. 55. do Código Eleitoral disciplina:
Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao Juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.
§ 1º. A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:
I – entrada do requerimento no Cartório Eleitoral do novo domicílio até 100 (cem) dias antes da data da eleição; (Legislação Complementar fixou o prazo em 150 dias – Lei nº 9.504/97, art. 91, caput)
II – transcorrência de pelo menos 1 (um) ano da inscrição primitiva;
III – residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada, pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes. (Legislação Complementar, Lei nº 6.996/1982, art. 8º, III, diz que a residência será declarada sob as penas da lei, pelo próprio eleitor)
§ 2º. O disposto nos incisos II e III do parágrafo anterior não se aplica quando se tratar de transferência de título eleitoral de servidor público civil, militar, autárquico, ou de membro de sua família, por motivo de remoção ou transferência. (Parágrafo com redação dada pelo art. 16. da Lei nº 4.961, de 4.5.66 – DO de 6.5.66).
Observa-se que o próprio Código Eleitoral delimitou exatamente os requisitos para que seja operada a mudança de domicílio eleitoral, através da transferência. Todavia, encontram-se decisões judiciais que admitem que a presença de vínculos afetivos, patrimoniais e familiares possam legitimar a transferência de domicílio sem levar em consideração nenhum dos requisitos presentes no art. 55. do CE.
Tal entendimento, sem dúvida, entra em conflito com as disposições legais atinentes à matéria. A elasticidade, admitida pela jurisprudência ao conceito de domicílio eleitoral, não pode, na sua plenitude, ser utilizada no caso de transferência, face à delimitação contida no art. 55, § 1º, inc. III do Código Eleitoral no que se refere, especificamente, à residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio. Como se sabe, a lei não possui palavras inúteis, do contrário, não teria sentido técnico-jurídico, o legislador fixar tal requisito.
Na realidade, o entendimento jurisprudencial elástico, acerca do domicílio eleitoral, poderá encontrar guarida apenas quando da inscrição originária, uma vez que o legislador expressamente estatuiu os requisitos para a transferência.
Interpretar um dispositivo de lei não pode significar abandono do que textualmente se encontra normatizado, ou seja, as interpretações jurisprudencial e doutrinária do conceito de domicílio eleitoral não se podem adequar quando da transferência, pois, nesse ponto, a lei é bastante clara e precisa, inclusive, prevendo até mesmo as situações excepcionais, como o caso dos servidores civis, militares, autárquicos, ou de membro de sua família, por motivo de nomeação, remoção ou transferência.
A questão da transferência encontra-se elucidada pelo próprio Código Eleitoral, tendo em vista que o mesmo se reporta à necessidade de residência no novo domicílio, no mínimo de 3 (três) meses. Impossível, nesse caso, não se fazer referência ao conceito civilista de domicílio.
É certo que pelo menos o elemento objetivo tem que estar presente, ou seja, a residência no local onde votará o eleitor. O outro elemento, o psicológico, encontra-se implicitamente presente, quando a lei exige que o eleitor resida na localidade pelo menos por 3 (três) meses. Assim, chega-se à conclusão que o ânimo de residir deva existir, ou seja, o eleitor precisa se fixar na localidade na qual deseja votar ao transferir sua inscrição, exceptuando-se, como se frisou acima, a categoria dos servidores públicos.
7. REPERCUSSÃO DO CONCEITO DE DOMICÍLIO ELEITORAL CONSTRUÍDO PELA JURISPRUDÊNCIA NA REVISÃO DO ELEITORADO
7.1. Conceito
Inicialmente, faz-se necessário definir em que consiste a Revisão do Eleitorado.
Trata-se de procedimento administrativo, realizado pela Justiça Eleitoral, que tem como objetivo maior depurar o cadastro eleitoral da respectiva Zona revisada, cancelando e excluindo as inscrições eleitorais (títulos) que não comprovem domicílio na localidade.
7.2. Fundamento Legal
Código Eleitoral
Art. 71. (Omissis)
§ 4º. Quando houver denuncia fundamentada de fraude no alistamento de uma Zona ou Município, o Tribunal Regional poderá determinar a realização de correição e, provada a fraude em proporção comprometedora, ordenará a revisão do eleitorado, obedecidas as instruções do Tribunal Superior e as recomendações que subsidiariamente, baixar, com o cancelamento de ofício das inscrições correspondentes aos títulos que não forem apresentados à revisão.
Lei 9.504/97 (Estabelece normas para as eleições)
Art. 92. O Tribunal Superior Eleitoral, ao conduzir o processamento dos títulos eleitorais, determinará de ofício a revisão ou correição das Zonas Eleitorais sempre que:
I – o total de transferência de eleitores ocorridas no ano em curso seja dez por cento superior ao do ano anterior;
II – o eleitorado for superior ao dobro da população entre dez e quinze anos, somada à de idade superior a setenta anos do território daquele Município;
III – o eleitorado for superior a sessenta e cinco por cento da população projetada para aquele ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os procedimentos revisionais são realizados, tendo em vista a disparidade existente entre o eleitorado de um determinado município e o seu contingente populacional. A preocupação maior, que norteia o processo de revisão eleitoral, deve-se ao fato de que tal disparidade pode estar intimamente associada à ocorrência de fraudes. Através desse procedimento, uma parcela de votantes que não mais deveria votar na localidade é expurgada do cadastro. É o caso, por exemplo, dos falecidos quando o cartório de registro civil se omite em informar à Zona a relação de óbitos, visando ao cancelamento das respectivas inscrições, ou na hipótese de o eleitor efetivamente não mais possuir vínculo com a localidade.
As revisões eleitorais desempenham papel importantíssimo na depuração dos cadastros eleitorais, principalmente, no tocante à sua atualização. Apesar da importância desse procedimento, apresenta-se vulnerável quanto ao seu fim colimado, uma vez que grande parte das decisões dos Juízos Monocráticos, cancelando inscrições não confirmadas na revisão são reformadas pelo TRE/PB, em função da consolidada interpretação jurisprudencial elástica e excessivamente liberal, atribuída ao conceito de domicílio político que não exige exclusivamente como requisito para manter a inscrição, a residência ou moradia ou ainda o exercício de atividade profissional na localidade. (cf. Recursos Inominados n. 2442/03 – julgado em 21/outubro/03; 2443/03; 2444/03; 2445/05; 2446/03; 2447/03; 2448/03; 2449/03; 2450/03; 2451/03 – cl. 15, 32ª Zona/Catingueira. Relator: Exmº Des. Marcos Antonio Souto Maior, julgados em 03/novembro/03. In: Arquivos do Gabinete da Vice-Presidência – 2003. V. tb. STRE/PB/Secretaria Judiciária/Coordenadoria de Jurisprudência e Documentação/Seção de Jurisprudência).
Um exemplo prático, do que ocorre, é o caso do eleitor que não comparece à revisão eleitoral, realizada no Município onde se encontra inscrito, em virtude de residir em localidade diversa, muitas vezes em outro Estado, região ou País. Na maioria das vezes, o eleitor sequer toma conhecimento do processo revisional, logicamente por não habitar na zona revisada. Entretanto, após ter sua inscrição cancelada, através de decisão judicial, intenta o recurso cabível e obtém, em decisão colegiada, a reforma do decisum de 1º grau, passando novamente a integrar o eleitorado do município revisado, posto que em linha de precedentes a ausência de moradia no local não determina a perda do domicílio político. Ressalte-se que, situações dessa natureza ocorrem com freqüência impressionante, o que, sem dúvida, chega a comprometer consideravelmente a finalidade da revisão.
Por conseguinte, em decorrência desse referido conceito de domicílio eleitoral flexível, edificado pela jurisprudência, que não exige efetivamente a presença física da pessoa no local através da habitação, obviamente sempre vai haver disparidade entre habitantes e eleitorado, ensejando sempre o respectivo processo de revisão com toda mobilização de mão de obra e gastos que a situação exige.
Nesse contexto, a revisão passa a ser um procedimento obrigatoriamente periódico, visando sanear o cadastro eleitoral, expurgando inscrições irregulares porque sempre haverá uma elevada margem diferencial entre a população e o eleitorado apesar de ser previsível tal diferença por conta como se disse da flexibilidade do conceito.
Outro problema, que surge como decorrência dessa situação, é o caso de eleitores que em idêntico e recente processo de revisão, realizado anteriormente na mesma localidade, tiveram seus domicílios confirmados exatamente em sede de recurso inominado com base nos tais vínculos, tendo o Tribunal reformado a decisão monocrática para conseqüentemente manter a inscrição no cadastro local. Nesse caso, em ocorrendo um novo processo de revisão, a questão que surge é: como fica a coisa julgada diante dessa hipótese? Novamente a Corte vai julgar o que por ela já fora decidido em anterior assentada? Por esse prisma, infere-se claramente que há uma forte mitigação da coisa julgada referente ao domicílio político em sede de processo de revisão eleitoral.
Tais aspectos são particularidades que ensejam uma gama de perguntas para as quais no momento não existem respostas precisas, impondo uma séria reflexão sobre o conceito de domicílio eleitoral como hoje está firmado pela jurisprudência.
Com efeito, é importante afirmar, no tocante à noção de domicílio político, fixado pela própria justiça eleitoral numa concepção bastante elástica, que sempre vai haver uma considerável margem diferencial entre população e eleitorado. Este vai ser sempre em número bastante superior à população, posto que vale repetir, não se exige precisamente a residência ou moradia do eleitor na localidade como estabelece corretamente a lei eleitoral.
O eleitor possui domicílio no município, mas ali não habita uma vez que o local não lhe oferece meios de sobrevivência. De regra, são lugares atrasados economicamente, sem perspectiva de crescimento que possam fixar o homem na terra e ali encontrar o seu destino. Pelo instinto de conservação, ele migra para os centros desenvolvidos em busca de emprego, moradia, saúde, e educação, prosperidade, enfim, o que todos almejam. Assim, conseqüentemente, sempre vai haver uma enorme diferença entre a população e o corpo de eleitores em decorrência única e exclusivamente do conceito de domicílio, firmado pela própria Justiça Eleitoral, atrelado a vínculos com a localidade, sem, entretanto, exigir a fixação permanente da pessoa no seu respectivo núcleo social.
A solução ou a minimização, para tais problemas, decorrerão única e exclusivamente através de uma profunda e eficiente reforma na legislação eleitoral, disciplinando o domicílio político de forma rigorosa, conceituando tal instituto mediante critérios objetivos, utilizando uma redação direta, exaustiva, clara, concisa e precisa, evitando-se ao máximo deixar lacunas que ensejem interpretações contrárias ao fim colimado. Associado a isso impõe-se uma mudança cultural na atual exegese do instituto no âmbito dos Tribunais.
Em artigo de Marta Salomon, intitulado “Fantasmas’ podem votar em 56% das cidades brasileiras – Corregedor do TSE, Barros Monteiro lamenta falta de revisão eleitoral ”, veiculado no jornal CORREIO DA PARAÍBA, pág. A-4 João Pessoa – Paraíba, Segunda-feira, 29 de dezembro de 2003, enfocando a temática da revisão eleitoral:
Por falta de tempo e dinheiro para recadastrar os eleitores, as eleições de 2004 serão realizadas com indícios de irregularidades no eleitorado em pelo menos 3.114 dos 5.565 municípios, quase 56 % do total de cidades do país.
Por determinação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a revisão do eleitorado ficou restrita a 1.030 municípios onde o número de eleitores supera 80% da população, incluindo as crianças. Desses municípios, 44 tinham mais eleitores do que habitantes, segundo dados da Secretaria de Informática.
O caso mais estranho foi registrado em Borá, cidade com o menor número de habitantes do Estado de São Paulo. Para 800 pessoas que moravam no município antes da revisão, havia 1.077 eleitores alistados. O número de aptos a votar para prefeito e vereador em 2004 cairá menos da metade, prevê o cartório eleitoral de Paraguaçu Paulista, responsável pela revisão eleitoral em Borá.
A Justiça eleitoral não tem uma explicação para o fenômeno que distorce o eleitorado, embora suspeite que interesses locais inchem o número de eleitores para favorecer alguns candidatos. Em algumas cidades, o eleitorado “fantasma” pode decidir uma eleição.
Outra hipótese lançada para justificar a distorção é a forma como é feito o alistamento eleitoral. Os cartórios exigem conta de luz ou telefone como prova da residência no município. “Os cartórios, que muitas vezes ficam em cidades vizinhas, não tem condições de conferir se o eleitor reside mesmo naquele endereço”, observa o corregedor-geral do TSE, ministro Barros Monteiro. (os grifos não são do original)
Recadastramento geral só em 2006
O ministro considera remotas as chances de recadastramento geral do eleitorado acontecer a tempo das próximas eleições presidenciais, em 2006. “O custo seria gigantesco”, alega. Com exceção das correções (feitas por amostragem) ou das revisões localizadas do eleitorado, o cadastro é o mesmo de 1986, ano em que foi implantado o sistema eletrônico de votação no país. (sic)
A lei eleitoral (9.504 de 1997) determina revisões no cadastro dos municípios em que o eleitorado supere 65% da população, que tenham registrado transferências de mais de 10% dos títulos em relação ao ano anterior e onde o número de eleitores supere o dobro da população entre dez e 15 anos somada aos maiores de 70 anos.
As três condições combinadas imporiam a revisão do eleitorado em exatos 4.144 municípios neste ano. Em setembro, o TSE chegou à conclusão de que não haveria dinheiro para cumprir à risca a determinação legal, como aliás aconteceu em anos anteriores.
Em reunião no início do mês, o tribunal determinou prioridade aos 44 municípios onde o eleitorado superava o número de habitantes, enquanto aguardava a resposta a um pedido de verba extra. Em novembro, ficou decidido que a revisão só alcançaria os municípios cujo eleitorado representava 80% ou mais da população. Era o que seria possível fazer com os R$ 6,2 milhões liberados para o trabalho de revisão eleitoral.
Em mais uma medida de caráter excepcional, o tribunal prorrogou até 31 de março de 2004 a homologação dos resultados da revisão eleitoral – ou seja, a sete meses da data da eleição municipal de 2004. As normas do TSE impedem esse tipo de procedimento em ano eleitoral. Sobre o risco de o resultado das próximas eleições para prefeitos e vereadores ficar sob suspeita, o ministro Barros Monteiro é otimista: “Acho que não”.
Noutro artigo, versando sobre o mesmo assunto, de autoria de Adriana Rodrigues, sob o título “Revisão em 55 municípios aponta 30% de ‘fantasmas’ – TSE quer reduzir pela metade o número de eleitores aptos nas próximas eleições ”, publicado no supramencionado veículo de comunicação no caderno de política, Domingo, 04 de janeiro de 2004, Paraíba, pág. A-3, lê-se textualmente:
A revisão eleitoral realizada nos municípios brasileiros está comprovando a existência de fantasmas no eleitorado do País. Durante o ano de 2003, dos 5.565 municípios do Brasil, apenas 1.030 passaram por uma revisão eleitoral. Na Paraíba, a revisão foi realizada em 55 municípios, dos 223 pertencentes ao Estado, resultando no cancelamento de mais de 30% dos títulos de eleitores que não se apresentaram para fazer o recadastramento eleitoral.
Por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a revisão eleitoral ficou restrita aos municípios onde o número de eleitores supera em 80% da população, incluindo as crianças.
A expectativa do TSE é que a revisão eleitoral contribua para a redução de quase a metade do número dos aptos a votar para prefeito e para vereador na eleição deste ano. No entanto, os resultados finais das revisões eleitorais podem ser homologados até 31 de março de 2004, ou seja, sete meses da data da eleição, conforme decisão recente do TSE.
Segundo informações do assessor especial da Corregedoria do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), Marcos Souto Maior Filho, a Paraíba apresentou o maior índice de ocorrência de revisões eleitorais dentre todas as unidades da Federação, atingindo o percentual de 25% dos municípios do Estado.
De acordo com o Assessor, uma equipe da Corregedoria do TRE inspecionou os locais relacionados para a revisão. Numa primeira etapa foram incluídos 36 municípios, depois 16 e no fim mais três. “A revisão serviu para depurar o cadastro de eleitores e saber efetivamente se o eleitor está no seu domicílio, para manter os cadastros atualizados, evitando fraudes nos processos eleitorais”, comentou.
O processo de apuração de dados terminou no dia 16 de dezembro nos municípios de Matinhas, Nova Olinda e Olho D’ Água. O resultado final de toda a revisão está em processamento final e será conhecido na segunda quinzena de janeiro. “Historicamente, depois de uma revisão, o eleitorado cai de 20 e 25%. Isso representa o índice de não comparecimento, de abstenção, o que comprova que muitos eleitores já não estavam em seus domicílios eleitorais. A revisão com o cadastro purificado já prepara para a lisura do próximo pleito”, disse o assessor da Corregedoria.
Ele adiantou que dos municípios revisados, dois lideram o número de eleitores faltosos ou inexistentes: Conde e Alhandra. No primeiro, dos 11.282 eleitores foram revisados 7.253, ou 64,29%. Deixaram de ser revisados 3.801 títulos, o que corresponde a 33,69%. Em Alhandra, dos 12.887 títulos, 10.108 foram revisados; 2.508 eleitores não compareceram.
O presidente do TRE, desembargador Júlio Aurélio Coutinho, destacou a importância da Revisão Eleitoral, ressaltando que é preciso saber onde estão esses eleitores. “A revisão foi necessária, para realmente se ter um quadro estatístico do eleitorado paraibano”, comentou.
Em suma, grande parte dessa distorção entre a população e eleitorado, que gera indícios de irregularidade no alistamento, não resta dúvida, decorre da interpretação extremamente liberal que a jurisprudência aplicou ao instituto do domicílio político, não exigindo o, que seria o ideal, que o eleitor realmente habite na localidade, podendo ali efetivamente ser encontrado, exatamente, dentro da idéia nuclear de domicílio, construída a partir de uma base científica, que é exatamente o lugar onde alguém possa ser encontrado para exercer seus direitos e responder pelas respectivas obrigações.
Assim, nesse norte, parece descabido o posicionamento da Justiça Eleitoral em não dispor de explicações, ignorar tal fator como também resultante ou causa principal para o fenômeno da distorção do eleitorado, quando ela própria, através dos tribunais, consolidou o conceito de domicílio político diferente do civil, numa concepção extremante liberal, não exigindo que o eleitor viva na localidade, o que de certo modo fragilizou consideravelmente o instituto.