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A execução das contribuições sociais na Justiça do Trabalho

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01/08/2002 às 00:00
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IV – O título executivo das contribuições sociais executáveis pela Justiça do Trabalho

Se a sentença trabalhista não é o título executivo das contribuições sociais, qual o respaldo para a execução (de ofício, vale frisar) promovida pela Justiça do Trabalho?

Ensaiaram-se algumas respostas. Entre elas a de que o INSS surgiria na execução como terceiro interessado (CASTRO; LAZZARI, 1999:179). Todavia, o órgão previdenciário é credor (titular da relação jurídica) da contribuição previdenciária e, portanto, não pode, na execução, ser considerado terceiro interessado. Sua condição de terceiro interessado está relacionada ao processo de conhecimento (até este momento é mero interessado na questão que se discute no processo), podendo, por isto, interpor recurso (art. 499, caput, CPC; art. 832, §4º, CLT). Ademais, o terceiro interessado não figura entre aqueles que podem promover a execução (arts. 566 e 567, CPC).

Neste ponto repisamos (Cf. subtítulo II):

"Acrescentamos [...] a possibilidade da formação do título executivo também em outro momento processual ou, mais precisamente, para a situação em comento, no procedimento preparatório da execução propriamente dita, isto é, na liquidação de sentença. Se até aqui o INSS não se fez parte na lide trabalhista sendo mero terceiro interessado (com legitimidade para interpor recursos – arts. 832, §4º, CLT; art. 499, CPC), neste momento passa irremediavelmente à condição (art. 879, § 3º, CLT). O título executivo se forma, pois, com a participação do credor previdenciário"

E o título executivo que se forma no procedimento preparatório da execução é judicial.

Edilton MEIRELES (1998:86-89), porém, argumenta que o título executivo seria de natureza administrativa, exatamente porque a própria decisão do juiz, no caso, seria de natureza administrativa. O entendimento do autor é assim manifestado:

"Em princípio, poder-se-ia alegar que o título é judicial, pois decorrente de uma decisão proferida por órgão judicante, pelo magistrado. Porém, é preciso lembrar que, para o título judicial ser formado, é indispensável a presença do credor e do devedor da obrigação na relação jurídica processual. [...] A decisão do magistrado que institui o título respaldador da execução previdenciária [...] se equipara à decisão do juiz que, numa ação trabalhista, condena o vencido a pagar custas processuais [...] o juiz não está sentenciando, isto é, exercendo sua função jurisdicional, mas, sim, apenas cumprindo uma de suas muitas funções anômalas, de cunho administrativo. Está, em outras palavras, cumprindo uma das etapas necessárias ao lançamento tributário, isto é, ´o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível´ (art. 142 do CTN). O juiz, em verdade, age como se fosse um agente fiscal que, diante do fato gerador, lança o tributo, para ser cobrado a quem de direito."

E finaliza:

"O juiz trabalhista, verificado o fato gerador da obrigação tributária previdenciária, deverá proceder ao lançamento do crédito previdencial. Deverá expedir um título executivo administrativo equiparado à certidão da dívida ativa."

No nosso entender, porém, a natureza do procedimento de liquidação, especialmente depois das alterações introduzidas pelas Leis nº 8.432/1992 e 10.035/2000, é jurisdicional. E o fazemos com respaldo em José Roberto Freire PIMENTA (1998:545) que cita Cândido Rangel DINAMARCO (1993:559-560):

"Pronunciando-se sobre a natureza da liquidação, Dinamarco também a define como ‘a atividade jurisdicional cognitiva destinada a produzir a declaração do quantum debeatur ainda não revelado quanto à obrigação a que o título executivo se refere.’ Acentua ser indiscutível sua natureza jurisdicional, pois também visa à pacificação dos conflitos intersubjetivos de interesses submetidos à apreciação judicial e assegura a efetividade da futura atuação do direito em cada caso concreto. Sua finalidade sempre é a integração da eficácia executiva da sentença condenatória genérica, pois o que esta contém não basta para a fixação da natureza e da amplitude das medidas executivas a serem desencadeadas pelo órgão jurisdicional contra o devedor (em termos mais simples, o objeto do direito declarado não foi ainda dimensionado e isso impede a execução, que deve sempre acarretar a invasão da esfera jurídica do devedor de forma proporcional à sua obrigação)."

Por força da Emenda Constitucional nº 20/98, a atuação do juiz no procedimento de liquidação de sentença, de natureza jurisdicional, agora também abrange a formação do título executivo das contribuições sociais incidentes sobre as parcelas remuneratórias contempladas na sentença exeqüenda e, por isto, "decorrentes das sentenças que proferir".

E a idéia não é nova. O artigo 644 do CPC, de acordo com a redação da Lei nº 8.953/94, prevê a possibilidade de fixação de multa diária (astreintes) na omissão da sentença prolatada no processo de conhecimento. A constituição do título executivo, portanto, dar-se-á, obviamente, fora do típico processo de conhecimento e, mais uma vez, a atuação (na aplicação da multa) do juiz não depende da provocação da parte. Hoje, até quem não possui um título executivo, pode se valer de uma ação sumária para obtê-lo – através da ação monitória. Não há uma sentença prévia "criando" o título, até o silêncio o constituiu (Lei nº 9.079/95).


V – Conclusão

A idéia principal que se pode assentar a guisa de conclusão é a de que a Emenda Constitucional nº 20/98, ao contrário do que muitos vêm pregando, não atribuiu ao juiz do trabalho a competência para executar (e o destaque é importante, conforme visto), portanto, sem a prévia submissão a um processo cognitivo, toda e qualquer contribuição social que tenha origem na relação de trabalho. Antes, somente são executáveis, sem violação ao Princípio do Devido Processo Legal, aquelas contribuições sociais cujo fato gerador é o próprio pagamento determinado pela sentença trabalhista e, mais uma vez, pois, "decorrentes das sentenças que proferir" (o juiz do trabalho). Pode-se afirmar, enfim, que a contribuição social é acessória ao crédito trabalhista, nunca à sentença trabalhista. Se da sentença resultar a obrigação de pagar o crédito trabalhista, sobre este incidirá a contribuição social (no que tange às verbas remuneratórias). A disciplina contida na Lei nº 10.035/2000 veio apenas consolidar este entendimento, especialmente ao introduzir o parágrafo único do artigo 876 da CLT. Agiu, bem, por conseguinte, o legislador infraconstitucional.

E não somos avessos à ampliação da competência da Justiça do Trabalho (na verdade, até a esperamos ansiosamente).

Ipanema, 15 de maio de 2002.


Bibliografia citada, consultada ou referenciada

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Contribuição à Seguridade Social em Razão das Decisões Proferidas pela Justiça do Trabalho e sua Execução. Revista LTr. São Paulo, nº 63-02, p. 173/182, 1999.

CREDÍDIO, Georgius Luís Argentini Príncipe. A Emenda nº 20/98 à Constituição da República e o Princípio do Juiz Natural, Informativo Jurídico Eletrônico. [on line]. Disponível em <www.infojus.com.br/area3/georgius.html>. Acesso em: 06 maio 2002.

DALAZEN, João Orestes. Competência Material da Justiça do Trabalho. São Paulo:LTr, 1994.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. [s.l.n], 1993.

ESCANFELLA, Carlos Augusto; TOLOY, Renato David. Execução das Contribuições Previdenciárias – Inconstitucionalidade da Emenda Constitucional no. 20/98 – Impossibilidade de Execução de Ofício pela Justiça do Trabalho. Página do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Terceira Região (Revista do Tribunal nº 07). [on line]. Disponível em <www.trt13.gov.br/revista/7doutrin.htm>. Acesso em: 11 maio 2002.

GONÇALES, Odonel Urbano. Seguridade Social Comentada. São Paulo:LTr, 1997.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

MATTOS E SILVA, Bruno. Da Prescrição das Contribuições Previdenciárias. Espaço Jurídico (Página Pessoal). [on line]. Disponível em <www.brunosilva.adv.br/prescri.htm>. Acesso em 11 maio 2002.

MEIRELES, Edilton. Temas da Execução Trabalhista. São Paulo:LTr, 1998.

MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Jurisdição e Competência. Síntese Trabalhista. nº 120, p. 15, jun. 1999.

PIMENTA, José Roberto Freire. Liquidação de Sentença no Processo do Trabalho. In: BARROS, Alice Monteiro (Org.). Compêndio de Direito Processual do Trabalho. São Paulo:LTr, 1998.

SANDIM, Emerson Odilon. Justiça Laboral e Execução de Contribuições Previdenciárias: Exegese Sistêmica e Operativa da Lei Mater. Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP. [on line]. Disponível em <www.ibap.org/artigos/eos_jt99.htm>. Acesso em: 07 maio 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª edição revista e ampliada (2ª tiragem). São Paulo:Malheiros, 1993.

________, Curso de Direito Constitucional Positivo. [s.l]:Revista dos Tribunais, 1990.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Medida Cautelar – Multa Diária – Exeqüibilidade. Revista de Estudos Tributários. nº 08, p. 5, jul-ago 1999.

________, Execuções das Medidas Cautelares e Antecipatórias. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº08, p.5, nov-dez 2000.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A Sentença no Processo do Trabalho. 2ª edição. São Paulo:LTr, 1996.

VALE, Vander Zambelli. Inconstitucionalidades da Proposta de Emenda Constitucional que Altera o Regime Previdenciário da Magistratura. Jornal Síntese, nº 10, p. 4, dez. 1997.


Notas:

1 Em dissenso doutrinário chegou-se a cogitar da inconstitucionalidade do artigo 43 da Lei nº 8.212/91, de acordo com a nova redação atribuída pela Lei nº 8.620/93, especialmente no que toca à expressão "sob pena de responsabilidade" (do juiz). Neste sentido, o escólio de Odonel Urbano GONÇALES (1997:55). Outros, como João Orestes DALAZEN (1994:146) preferiram adotar a interpretação restritiva, afastando, destarte, a inconstitucionalidade vislumbrada. Assim pode ser resumido, em suas palavras, o pensamento deste doutrinador: "Insofismável que não se atritam com a competência material do Judiciário Trabalhista os arts. 43 e 44 da Lei n º 8.212/91, se interpretados e aplicados estritamente, como mera determinação de comprovação nos autos do processo trabalhista do recolhimento de contribuição previdenciária incidente sobre parcelas ali reconhecidas, ou como decorrente exteriorização do dissídio individual obreiro-patronal."

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2 Entre as questões omissas, porém não menos importantes, estão aquelas vinculadas ao debate sobre a natureza jurídica das contribuições sociais. Este importante tema encontra interesse prático para aqueles que defendem a competência da Justiça do Trabalho abrangendo, inclusive, aquelas contribuições sonegadas no curso do contrato de trabalho. Sobre o tema, recomenda-se a leitura de artigo do procurador do INSS, Bruno MATTOS E SILVA (2002).

3 Para Georgius Luis Argentini Príncipe CREDIDIO (2002), tecendo considerações sobre o Princípio do Juiz Natural e a garantia de imparcialidade, "é mister inferir que a locução ‘de ofício’ contida no parágrafo 3º, do art. 114, da Carta de 1988, revela-se manifestamente inconstitucional e contrária às normas que garantem às partes a decisão por um juiz imparcial (art.5º, incs. XXXVII e LIII)". No parágrafo seguinte explica: "De efeito, cometer aos juízes e Tribunais do Trabalho a iniciativa da demanda de execução para pagamento das contribuições previdenciárias, transformando-os em sujeitos parciais da relação processual, importa em afronta ao princípio do juiz natural, que foi elevado a ‘cláusula pétrea’ na Carta de 1988, e, por conseguinte, não é passível de emenda (art. 60, § 4º)."

4 Resumem Carlos Augusto ESCANFELLA e Renato David TOLOY (2002): "É inconstitucional a Emenda 20 da Constituição Federal, no que pertine a execução ‘de ofício’ pela Justiça do Trabalho de supostas obrigações sociais, porque viola as cláusulas pétreas da mesma Constituição relativas a separação dos Poderes, ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa".

5 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região (Terceira Turma). Agravo de Petição nº 1708/00. Relator Juiz José Roberto Freire Pimenta. Ementa 28 nov. 2000. "DJ/MG".

6 Amílcar de CASTRO (1963:130) esclarece que a liquidação ocorre no "processo preparatório em que se determina o objeto da condenação, a fim de se dar ao vencido possibilidade de cumprir o julgado e ao vencedor possibilidade de executá-lo depois de verificado o inadimplemento".

7 A competência legislativa concorrente compreende dois elementos, na visão de José Afonso da SILVA (1993:421):"d.1) possibilidade de disposição sobre o mesmo assunto ou matéria por mais de uma entidade federativa; d.2) primazia da União no que tange à fixação de normas gerais (art. 23 e seus parágrafos)". Entretanto, uma vez editada a lei federal, as normas estaduais em conflito ficariam com a eficácia suspensa. Transportando estes elementos para o campo da competência jurisdicional, forçoso seria concluir que o juiz do trabalho tão-somente atuaria na inatividade do juiz federal que, de qualquer forma, ao agir obstaria a ação daquele, prejudicando, pelo menos, a eficácia dos atos judiciais praticados na Justiça do Trabalho.

8 A doutrina atual acrescenta os efeitos mandamental e executivo, o que, para Humberto THEODORO JÚNIOR (2000:5) é criticável: "a força mandamental não importa necessariamente em afastar a sentença que a tenha do rol das condenatórias. O que se dá é uma diversidade da forma com que ela se faz cumprir. Se assim é, a diferença está no plano da execução e não no plano do ato de decidir. Tanto a condenatória como a que se diz mandamental contêm um comando no sentido de impor ao vencido a realização de uma prestação em favor do vencedor. A maneira de forçar a parte aos efeitos do mandamento sentencial é que varia. Logo, não há ontologicamente necessidade de classificar ditos atos sentenciais em categorias distintas. No campo da execução, sim, é que o título se apresentará como submetido à actio iudicati ou à execução de plano. A diferença, assim, está no campo do procedimento executivo pós-sentença, o que me parece não deva influir no ato de vontade que no decisório se contém. O juiz sempre declara, constitui ou condena, conforme usa a sentença para alcançar a certeza, a criação e situação jurídica nova ou a definição de um facere (uma prestação) a ser necessariamente cumprido por um dos litigantes. As sentenças executivas lato sensu e as mandamentais passam pelo iter das condenatórias e apenas permitem a simplificação do procedimento ulterior de execução. Em essência, todavia, não diferem das condenatórias". Mas o próprio autor conclui: "Deixando de lado esta divergência doutrinária, que não é relevante, porque, com ou sem a categoria das mandamentais, dentre as que cominam prestações ao demandado ninguém duvida da existência daquelas que autorizam execução imediata, sem passar pelos percalços da actio judicati ordinária"

9 Há, ainda, os denominados efeitos secundários, acessórios ou reflexos da sentença. Todavia, em nosso ordenamento jurídico, entre eles não se insere a virtual condenação em favor de quem não é parte na demanda. A título exemplificativo são citados: "a) a constituição da hipoteca judiciária (CPC, art. 466); b) dissolução da comunhão de bens, quando decretada a separação judicial, o divórcio, ou anulado o casamento (CC, art. 267, II a IV); c) perda do direito de usar o nome do marido, sendo a mulher condenada na ação de separação ou de divórcio (Lei n. 6.515/77, art. 17); d) cessação da tutela, se o filho obtiver êxito na ação de filiação (CC, art. 442, II); e) dissolução da sociedade, pela decretação da falência; f) perempção do direito de ajuizar ação, quando o autor der causa a três extinções do processo, por abandono da causa (CPC, art. 268, parágrafo único); g) enunciação da declaração de vontade daquele que foi condenado a emiti-la (CPC, art. 641)." (TEIXEIRA FILHO, 1996: 326)

10 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região (Quinta Turma). Agravo de Petição nº 5419/00. Relator Juiz Ricardo Antônio Mohallen. Ementa 17 fev. 2001. "DJ/MG".

11 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região (Segunda Turma). Agravo de Petição nº 3900/00. Relator Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira. Ementa 18 abril 2001. "DJ/MG".

12 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região (Segunda Turma). Agravo de Petição nº 633/02. Relator Juiz Antônio Fernando Guimarães. Ementa 08 maio 2002. "DJ/MG".

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Sobre o autor
Jonatas Rodrigues de Freitas

juiz do Trabalho substituto em Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Jonatas Rodrigues. A execução das contribuições sociais na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3152. Acesso em: 25 abr. 2024.

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