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Teorias sobre as relações entre Direito e Moral

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4. A problemática da ética como ordem objetiva e a politização da moral

Atualmente, tem-se verificado uma forte tendência internacional à moralização da ordem constitucional, mediante o esforço coletivo para a inclusão, no texto de constituições escritas, de princípios garantidores de “direitos humanos” ou “inerentes à pessoa humana”. Conforme observa Erhard Denninger, “trata-se de uma nova tendência a desformalizar o direito e a propiciar uma nova síntese dos princípios de direito com os valores morais.“ [26] Além dos valores éticos reiterados no constitucionalismo comparado, verifica-se a guarida da tutela ecológica, tendo em vista a responsabilidade com as gerações futuras, complexos direitos de família e questões relativas à homoafetividade.

Esse tipo de formulação conduz a um dilema: caso se pretenda que todas as demandas éticas que hoje se verificam sejam indiscriminadamente inscritas nas constituições, correr-se-á o risco de chegar-se a um estado de completa indefinição jurídica. No dizer de Denninger, é preciso ter em mente que uma sociedade necessita de “constituições de juristas e não de sacerdotes”. [27] Se, por outro lado, forem afastadas todas as tendências moralizadoras do direito, estar-se-á desatendendo uma das demandas mais urgentes das sociedades atuais. [28]

Um enfoque adequado para a problemática da ética como ordem objetiva seria a positivação de critérios morais apenas quando estritamente necessário. Significa dizer: deve-se evitar a ingerência jurídica nos comportamentos morais que não afetem ou prejudiquem terceiros. Obviamente, exige-se cautela e equilíbrio, pois é igualmente indesejável à sociedade a completa relatividade moral ou o niilismo decorrente de uma total abstinência de valores.

O cuidado na positivação de valores éticos se faz necessário para que se evite o perigo de uma politização da moral, como ocorre frequentemente em regimes autoritários. Pérez Luño coloca, como exemplo, a ordem jurídica espanhola sob o domínio de Franco, no período de 1939 a 1975. Apresenta uma série de decisões do Tribunal Supremo espanhol que revelam a imposição da moral católica aos casos sub judice. A conclusão apresentada pelo autor é que, em determinados “estados de necessidade moral” (Habermas), algumas considerações delicadas são necessárias por parte do Judiciário. Apesar disso, o caráter fragmentário dessas considerações não autoriza a formulação de juízos concludentes. Assim sendo, a remissão, por parte do direito, a categorias morais deve realizar-se com propriedade, respondendo a critérios verificáveis pela Antropologia, Sociologia e Psicologia. Dessa forma, tenderá a debilitar-se a componente ideológica do direito, entendida pejorativamente como a manifestação normativa dos interesses dos que manejam a ordem jurídica. [29]


5. Conclusão

Os critérios da localização do foro, da unilateralidade e da autonomia não são suficientes para uma completa distinção da moral frente ao direito. O elemento específico da coercibilidade, contudo, marca o jurídico como ordem autêntica, passível de implementação pela força organizada pelo Estado.

A atual conjuntura jusfilosófica contempla quatro diferentes modelos para a explicação das relações entre direito, moral e política. Uma primeira tese perfilha a separação absoluta, noção inadequada por negar a interferência de componentes éticos na normatividade jurídica. A segunda propõe a fundamentação de toda a política no direito e de todo o direito na moral, modelo que não leva em conta o fato de que a validade de uma norma jurídica, por vezes, não é reconhecida por sua identidade com um preceito moral, bem como muitos institutos do regramento político não encontram guarida no jurídico. Terceira hipótese propõe integração total entre moral, direito e política, sendo a moral tida como ethos universal, abrangendo o direito que, por sua vez, abarca a política. Tal noção desconsidera o fato de que há normas jurídicas que não apresentam conteúdo axiológico, como regras técnicas ou meras definições do legislador, bem como que há normas de direito manifestamente imorais. Um último critério concebe direito, moral e política como ordens distintas, mas interferentes entre si, porquanto coincidentes em determinados pontos. Mostra-se teoria bastante refinada, pecando apenas quando sugere a identidade entre os conceitos quando a hipótese normativa é semelhante, o que se mostra incorreto, porquanto o fenômeno que sucede quando do inteiro ciclo da subsunção da norma, incluindo a motivação interna do agente para a prática do ato, permanece distinto.

Percebe-se, assim, que uma concepção razoável das relações entre direito e moral deve levar em conta que se trata de fenômenos sociais distintos, apesar de a hipótese normativa prevista em um poder repetir-se em outro em determinados casos. Há direito que não comporta conteúdo moral e há moral não implementada pelo direito.

A crescente demanda pela positivação de valores morais no ordenamento jurídico deve ser atendida com cautela pelos operadores do direito. Um estado de indefinição e insegurança jurídica decorrente da multiplicidade de valores positivados é tão indesejável quanto a completa relatividade ética que advém de uma total carência axiológico-normativa. Com o fim de garantir a segurança jurídica, faz-se necessária crescente cautela quanto à positivação da moral, conduzindo-se à normatividade jurídica tão somente os comportamentos que possam prejudicar terceiros.

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Mais que regramento positivo, deve a moral ser compreendida como critério integrador do direito, o qual, estruturado cada vez mais na forma de princípios, comportará definição completa exclusivamente diante do caso concreto, por atividade hermenêutica do aplicador da norma jurídica. Entendida dessa forma, a relação entre direito e moral mostrar-se não somente razoável e inteligível, mas, sobretudo, prática, porquanto estruturante de um direito apto a concretizar-se de forma pluralista e justa.


Notas

[1] LUÑO, 2009, p. 125.

[2] LUÑO, 2009, p. 125.

[3] WIKIPEDIA, 2010, p. 1

[4] LUÑO, 2009, p. 126.

[5] BILLIER; MARYIOLI, 2005, p. 154.

[6] LUÑO, 2009, p. 126.

[7] LUÑO, 2009, p. 127.

[8] LUÑO, 2009, p. 127.

[9] KELSEN, 1999, p. 69.

[10] LUÑO, 2009, p. 129.

[11] HUSAK apud LUÑO, 2009, p. 128.

[12] LUÑO, 2009, p. 128.

[13] LUÑO, 2009, p. 129.

[14] LUÑO, 2009, p. 130.

[15] LUÑO, 2009, p. 133.

[16] SILVA apud LENZA, 2008, p. 19.

[17] KELSEN, 1999, p. 25.

[18] LUÑO, 2009, p. 134.

[19] WIKIPÉDIA, 2010, p. 1.

[20] LUÑO, 2009, p. 135.

[21] REALE, 2002, p. 42-43.

[22] LUÑO, 2009, p. 136.

[23] LUÑO, 2009, p. 137.

[24] LUÑO, 2009, p. 138.

[25] REALE, 2002, p. 43-44.

[26] DENNINGER apud LUÑO, 2009, p. 140.

[27] LUÑO, 2009, p. 141.

[28] LUÑO, 2009, p. 141.

[29] LUÑO, 2009, p. 148.


REFERÊNCIAS

BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Tradução de Maurício de Andrade. Barueri, SP: Manole, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

LUÑO, Antonio-Enrique Perez et al. Teoría del Derecho: una concepción de la experiencia jurídica. 8. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2009.

MONARQUIA ABSOLUTA. In: WIKIPEDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2010, 13:28:52.

POLÍTICA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: . Acesso em 04 abr. 2010, 16:57:02.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

 

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Sobre o autor
Cláudio Ricardo Silva Lima Júnior

Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - dupla diplomação. Ex-Assessor da Justiça Federal de Primeira Instância na 5ª Região. Ex-Assessor do Ministério Público Federal na 1ª Região. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, Cláudio Ricardo Silva. Teorias sobre as relações entre Direito e Moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4082, 4 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31560. Acesso em: 28 abr. 2024.

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