Necessidade de readequar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao cotidiano

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A legislação especial concernente, em especial, a parte da aplicação de medidas sócio-educativas à adolescentes desviantes se tornou ineficaz ante a reiteração deliberada do tráfico de entorpecentes. Nessa esteira, se debate e se apresenta proposta.

Considerações Iniciais

Uma pesquisa chamada de “Panorama Nacional, a Execução das Medidas Socioeducativas de Internação” foi realizada pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF) e pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) e apurou que ‘dos adolescentes internados em cumprimento de medidas socioeducativas no Brasil, 75% são usuários de entorpecentes.

O dado foi apresentado dia 10 de Abril de 2012 em um relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segundo notícia veiculada no site da globo. Com.

O levantamento foi realizado por uma equipe multidisciplinar que visitou, de julho de 2010 a outubro de 2011, os 320 estabelecimentos adequados de acompanhamento monitorado fechado existentes no Brasil, para analisar as condições de internação de 17.502 adolescentes que cumprem medidas socioeducativas de restrição de liberdade. Durante estas visitas, a equipe entrevistou 1.898 adolescentes internos.

Dos jovens entrevistados, 74,8% faziam uso de drogas ilícitas, sendo o percentual ainda mais expressivo na Região Centro-Oeste, onde 80,3% dos adolescentes afirmam ser usuários de drogas. Em seguida está a Região Sudeste, com 77,5% de usuários.

De acordo com o levantamento, 36% dos entrevistados afirmaram estar internados por roubo. Em seguida aparece o tráfico de drogas (24%).

Entre os adolescentes entrevistados em cumprimento de medida de internação, 43,3% já haviam sido internados ao menos uma outra vez. Há registros de reiteração na prática de ato infracional em 54% dos 14.613 processos analisados no território nacional.

O que se busca demonstrar com a citação da matéria acima é que, estatisticamente falando, o cometimento do ato ilícito de tráfico de drogas, ou ainda seu uso contínuo, é um fator absolutamente determinante na área da infância e juventude.

Desenvolvimento

Toda vez que aparece um caso de grande clamor midiático como o do garoto Victor (Victor Hugo Deppman, 19 anos, sofreu assalto a mão armada e veio a óbito, na porta do seu prédio, no bairro de Belém, Zona Leste de São Paulo, embora não houvesse esboçado qualquer indício de reação) o polêmico [e infame] debate sobre maioria penal retoma vigor.

Entretanto, casos de Latrocínio (roubo seguido de morte, art , [157]§ 3º do Código Penal), Homicídio doloso (art. [121] do CP) e outros de resultado morte, não são os de maior incidência na prática de ato infracional.

Aliás, longe de presunções levianas, os crimes graves como Roubo e Roubo Qualificado (quase sempre pelo uso de arma de fogo) são oriundos da violência inerente à verdadeira problemática da juventude infratora brasileira: o tráfico de entorpecentes.

Ora, é cediço que o Tráfico de Drogas é um verdadeiro câncer em estágio de metástase, pois, cada vez mais atinge os infanto-juvenis praticamente de forma fatal. Tanto é verdade, que a sociedade de hoje vive no chamado “boom do crack”, com áreas urbanas [das maiores capitais do país] dominadas por “hot spots”, estas repleta de marginalizados, excluídos, doentes; as vulgarmente chamadas de “cracolândias”.

Nessa esteira há de se destacar duas situações fáticas:

- A primeira diz respeito ao jovem traficante que não necessariamente é usuário. Apreendido, e sendo primário, não poderá ser aplicada a ele a medida de internação. Isto porque esta possibilidade não está prevista no art. [122] do Estatuto da Criança e do Adolescente que possui rol taxativo, portanto, no máximo sofrerá a medida sócio-educativa de semi-liberdade.

- A segunda se refere ao jovem que além de traficante é usuário, ou somente usuário que ‘caiu no sistema’ pela prática de outro ato infracional qualquer. Há aqui, antes de um menor infrator, um doente, dependente químico, que influenciado pelo uso contínuo de entorpecente praticou condutas ilícitas, muitas vezes, inclusive, para sustentar financeiramente o próprio vício. Mesmo assim, admitindo ainda a condição de primariedade, não pode ser imputada à ele a Internação em estabelecimento próprio, como a Fundação Casa.

É o entendimento do STJ:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO TRÁFICO DE DROGAS. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO ESTABELECIDA EM RAZÃO DA GRAVIDADE DO DELITO. PACIENTE SEM ANTECEDENTES INFRACIONAIS. MALFERIMENTO AO ART. [122] DA LEI N.º8.069/90. ROL TAXATIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. HABEAS CORPUS

CONCEDIDO.

1. A teor da Súmula n.º 492, do Superior Tribunal de Justiça, "o ato infracional análogo ao tráfico

de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente".

2. A medida socioeducativa extrema está autorizada nas hipóteses taxativamente elencadas no art. [122] do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que denota a ilegalidade da constrição determinada em desfavor do ora Paciente, primário e sem antecedentes infracionais, cujo ato infracional deu-se sem uso de violência ou grave ameaça à pessoa.

3. Habeas corpus concedido para, cassando o acórdão vergastado, restabelecer a decisão de primeiro grau que inseriu o Paciente em liberdade assistida, cumulada com inclusão em programa de auxílio, previsto no art. [101] da Lei n.º 8.069/90.

(HC 266079 SP 2013/0064619-0 - 14/05/2013 – STJ - 5ª turma - Ministra LAURITA VAZ)

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Logo, o que se defende no presente artigo é a mudança legislativa a fim de acrescentar mais um inciso no art. [122] do ECA, com alíneas, numa redação que ficaria aproximadamente nos seguintes termos:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

“IV – por cometimento de ato infracional equiparado ao crime de Tráfico de Entorpecentes, sendo que:

Alínea a: em se verificando, através de laudo pericial, ou, caso seja imprescindível, incidente de insanidade mental, dependência química e psíquica do menor, seja decretada medida de internação em casa de tratamento para drogadição por no mínimo 06 meses;

Alínea b: não sendo o caso de usuário, mas somente de conduta típica de tráfico, seja decretada internação em estabelecimento correcional correspondente por no mínimo 03 meses, se primário, e em caso de reiteração, no mínimo 01 ano”.

Desta forma, o ECA atingiria o verdadeiro cerne da questão da criminalidade juvenil; com esse tipo de medida preventiva e forte programa educacional há chances de modificar o cenário atual brasileiro, afinal, a verdadeira natureza jurídica da medida sócio-educativa é reeducar e reinserir no seio da comunidade, e não de simplesmente penalizar.
 

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Sobre a autora
Cristiane A. O. Murville Camps

Graduada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Direito - 2006-2011.Pós-Graduada em Direito e Processo Penal na Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2011-2013Pós-Graduada em Polícia Judiciária e Sistema de Justiça Criminal pela ACADEPOL - SP. 2013-2015.Advogada Criminalista até Abril de 2014.Atualmente Policial Civil no estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A questão do ato infracional consubstanciado no tráfico é preocupante em nível nacional. A "empresa da droga" está cada vez forte, e arrisco dizer que é a matriz do poder paralelo, de forma que se não cuidarmos da maneira correta dos menores, amanhã serão Maiores criminosos. Não se trata de uma questão de punição, a meu ver, mas sim uma abordagem terapêutica, drogas são, antes de tudo, um problema de saúde, e não se seara penal.

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