A falta do instituto medida de segurança na justiça juvenil

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Casos emblemáticos envolvendo menores infratores com psicopatia são uma realidade cada vez mais em voga, principalmente nos veículos midiáticos, porém não há previsão legal de medida adequada ante a seara juvenil.

Considerações Iniciais

A Lei 8.069/1990 introduziu no direito pátrio o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sistema de proteção aos direitos da criança e do adolescente (direitos fundamentais), mas que também criou normas preventivas onde se instituiu deveres (obrigações e normas proibitivas com relação ao comportamento em sociedade, face a figura especial da criança e do adolescente). Não osbtante, a referida lei cuidou de estabelecer às medidas protetivas, e dos atos juridicamente tuteláveis no âmbito penal (ato infracional) fazendo uma comparação de condutas criminalizadas existentes no Código Penal, entretanto cometidas pelos menores de 18 anos, considerados inimputáveis pela legislação citada.

Embora no Código Penal haja previsão expressa do instituto da Medida de Segurança, em casos onde seja comprovada doença mental, de tal forma que o agente responsável pela prática de ato definido como crime não possa ser responsabilizado criminalmente, mas sim tratado em hospital de custódia judicial, não há no Estatuto da Criança e do Adolescente esta mesma previsão análoga, mesmo porque é proibido a utilização de Analogia no Direito Processual Penal, de forma que, se um menor infrator é dado como doente mental, não poderá ele receber tratamento ambulatorial ou internação em hospital de custódia, posto que não há, hoje, essa previsão legal na Lei 8.069/1990.

 O que fazer quando um adolescente que cometeu um ato infracional é diagnosticado como inimputável mental? Cita-se, a título exemplificativo, caso relativamente recente, e deveras famoso, e que ilustra corretamente esta situação: o assassino conhecido pelo vulgo de “Champinha”.

A época dos crimes, “Champinha” era menor de idade, de modo que, por força do Estatuto da Criança e do Adolescente, o tempo máximo que ele poderia permanecer internado na Fundação Casa, é de 3 anos, na medida sócio-educativa internação, ou até sua maioridade do ECA, qual seja, 21 anos. Entretanto constatou-se o alto nível de periculosidade que este indivíduo possuía, de tal forma que três anos seriam insuficientes para que cessasse seu desvio psicossocial.

Atualmente encontra-se internado na Unidade Experimental de Saúde. A saída encontrada nesse caso foi a interdição civil, medida “protetiva” compulsória, em que o jovem deve ser submetido a tratamento psiquiátrico em regime de contenção. O que se questiona é que espécie de tratamento médico este paciente vem recebendo, qual a proficiência das técnicas utilizadas.

Há alguns anos, as polícias de São José do Rio Preto (SP) e de Aparecida do Taboado (MS) investigaram uma adolescente de 17 anos que confessou ter praticado, desde 2006, cerca de 30 homicídios, todos a facadas. Onze deles foram relatados com detalhes. 1A investigação também procurou apurar se tratava-se de uma serial killer. É possível afirmar, categoricamente, que essa jovem, ao sair compulsoriamente da Fundação Casa aos 21 anos, não será mais um risco iminente a sociedade?

Desenvolvimento

Pode-se dividir as perturbações psíquicas dos menores em três grupos:

1º) Por parada do desenvolvimento (oligofrenias);

2º) Por desorganização ou destruição (doenças cerebrais crônicas) que, etiologicamente, não se distingue dos processos nos adultos;

3º) Por desvios das estruturas da personalidade, afetivos, amoralidade, vícios, delinquência habitual, perversões por má educação ou aberrações das funções intelectuais e instintivas (psicopatas).

Adotar-se-á a classificação de Collin1 para os menores infratores:

Tipo Social -> Influência predominante de causas ambientais (família, escola, abandonados, pobreza, trabalho inadequado ou de natureza amoral, más companhias, o mau cinema, etc.)

Tipo Patológico -> Falso anormal psíquico – Devido a retardamento pedagógico, debilidade somática, defeitos sensoriais, perturbações evolutivas, vegetações adenoides, etc.

-> Anormal verdadeiro – Esquizofrenia (herbefrenia), perturbações psíquicas adquiridas, endocrinopatias; epilepsia; degeneração caracterológica metaencefalítica; - Psicopatias (personalidades psicopáticas) por desvios dos instintos.

Em contrapartida, também há autores que defendem a classificação em: O menino histérico e fabulador corresponde ao mitômano de Dupré1: trata-se de uma criança que se torna hábil na arte de fingir, é intrigante, arbitrária, mentirosa, ficcionista. A criança teimosa e obstinada constitui um tipo bem definido que embirra em fazer coisas que não deve e em omitir o que lhe compete; entrega-se a hábitos viciosos, comumente se trata de oligofrênicos, de esquizoides ou de futuros psicopatas fanáticos ou inseguros. A criança explosiva, ou epileptoide, é um pequeno psicopata afim, dada a raptos e à prática de atos impulsivos e de disparates. O respondão é um contestador nato, aprende esse hábito com ascendente de igual têmpera; a sua reeducação é fácil, desde que seja feita em ambiente renovado e favorável. A criança acanhada, tímida ou medrosa, é obediente, submissa e pundonorosa, e sofre um excesso de inibições e foge a toda situação que requeira iniciativa, independência ou responsabilidade. Há também as crianças distraídas e desatentas, de difícil educabilidade; geralmente trata-se de oligofrênicos ou com defeitos endócrinos, vegetação adenoide, etc., e que apresentam também a disritmia lúdica que se deve compensar ou corrigir adequadamente. Por último, os meninos boêmios e aventureiros, os que são inquietos, travessos. Escapam a desoras de casa ou da escola e põem-se a deambular, em orgias, à procura de bebidas, de tóxicos, de vícios, de jogos, e, eventualmente, caem na delinquência. A correção psicagógica desse tipo é imprescindível.

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Ainda, pode-se considerar três principais grupos diagnósticos na psiquiatria infantil, segundo a Organização Mundial de Saúde: a) desordens emocionais (também descritas como problemas internalizantes), a exemplo da depressão, ansiedade, desordens obsessivo-compulsivas e somatização, em que os sinais estão, especialmente, interiorizados nos indivíduos; b) desordens de comportamento disruptivo, (nomeadas também como problemas externalizantes), tais como conduta desafiadora excessiva e transtornos de conduta-agressividade a pessoas e animais e comportamento transgressor, em que as condutas estão mais dirigidas para o outro; c) transtornos do desenvolvimento, como, por exemplo, problemas de aprendizagem, desordens autistas, enurese e encoprese. O DSM-IV28 organiza cada diagnóstico psiquiátrico em cinco níveis (eixos multiaxiais) relacionando diferentes aspectos das desordens ou desabilidades:

Eixo I: desordens clínicas incluindo, principalmente, desordens mentais, bem como desordens do desenvolvimento e aprendizado;

Eixo II: distúrbios de personalidade ou invasivos, bem como retardo mental;

Eixo III: condições médicas agudas ou desordens físicas;

Eixo IV: fatores ambientais ou psicossociais contribuindo para desordens;

Eixo V: Avaliação Global das Funções (Global Assessment of Functioning) ou Escala de Avaliação Global para Crianças (Children's Global Assessment Scale) para jovens abaixo de 18 anos numa escala de 0 a 100.

A CID-1027 identifica duas grandes categorias específicas em Psiquiatria da Infância e da Adolescência: Perturbações do Desenvolvimento Psicológico e Perturbações do Comportamento e Emocionais. Este último grupo de perturbações constitui cerca de 90% de todas as perturbações psiquiátricas na idade escolar. Problemas relacionados à saúde mental são muito prevalentes e causam impacto em todas as áreas da medicina de crianças e adolescentes, constituindo um tema transversal, obrigatório da avaliação de todos os pacientes. Constitui assunto complexo na avaliação com demanda de tempo e disponibilidade pessoal do examinador para que um quadro completo da situação de saúde mental da criança e da família seja construído. Compreender o assunto e constituir-se sentinela dos direitos da criança em assuntos de saúde mental fortalece os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente e humaniza a atenção de saúde.

Como se percebe, é um assunto complexo, tanto do ponto de vista jurídico, quanto médico. É cada vez mais recorrente a manifestação de distúrbios de ordem psicopatológica, o que evidencia a necessidade de tratamento diferenciado a tais delinquentes-doentes-juvenis. Porém, inexiste o instituto medida de segurança no ECA. A única letra de lei presente no ECA quanto ao menor infrator portador de deficiência ou doença mental, fala, in verbis:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Como se nota, a lei é omissa quanto a que local especializado seria o adequado para tratamento individual, também é omisso quanto à quem comporá o corpo de médicos e demais agentes responsáveis pela sanidade e desenvolvimento do menor, bem como é silente na questão do prazo de duração mínima, e demais condições. Ora, hoje, o adolescente infrator, doente mental, é apenas segregado dos demais adolescente da Fundação Casa, ou deveria ser ao menos. Paralelamente foi desenvolvida uma Unidade Experimental de Saúde1, para abrigar menores com doença mental, mas não atende os moldes de um hospital psiquiátrico. Em São Paulo, por exemplo, fica na Vila Mariana, porém passa por enormes problemas de ordem legal e ética.

Na realidade, na falta do instituto Medida de Segurança na justiça juvenil faz com que os menores infratores portadores de doença mental, permanecem num impasse jurídico ainda sem solução. Quando atingido 21 anos, o infrator têm de ser solto, por força do próprio ECA, e então, para evitar que tais portadores de distúrbios de personalidade com alto potencial de periculosidade regressem às ruas, a “saída” encontrada pelo Ministério Público é no sentido de interditar civilmente o doente, saindo, portanto, da seara penal e do âmbito da execução penal.

 

O que se faz necessário é a criação de Medida de Segurança no Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo a estabelecer regras claras, completas eficazes, estabelecimento como serão tais hospitais psiquiátricos, o caráter especial desse tipo de medida incluindo aqui tempo mínimo de internação compulsória, bem como tempo mínimo entre cada nova perícia para laudo psiquiátrico, e todas as outras características necessárias para cuidar de fato desses jovens.

1 Cit. Pág. 533 – Psicopatologia Forense – 1º parágrafo, 2ª linha.

1 Cit. Pág. 526 – Psicopatologia Forense – 1ª linha.

http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI3861286-EI5030,00 Policia+apura+se+jovem+que+diz+ter+matado+e+serial+killer. Html

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Sobre a autora
Cristiane A. O. Murville Camps

Graduada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Direito - 2006-2011.Pós-Graduada em Direito e Processo Penal na Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2011-2013Pós-Graduada em Polícia Judiciária e Sistema de Justiça Criminal pela ACADEPOL - SP. 2013-2015.Advogada Criminalista até Abril de 2014.Atualmente Policial Civil no estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A necessidade de cumprimento legislativo dar-ser-à em paralelo com a mudança do quadro social. O que se denota é que há tempos vem se desenvolvendo doenças crônicas em menores infratores e a legislação segue silente a este respeito. Direito penal é "ultima ratio", é o momento de admitir as falhas nos sistema jurídico e de execução de medida sócio-educativa e tratar de verdade quem é doente.

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