Terrorismo no Brasil.

Uma análise jurídica

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Análise jurídica sobre o crime de terrorismo conceituado na Lei de Segurança Nacional

INTRODUÇÃO ................................................................................                                  03

  1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS........................................                             04

1.1 Princípio da Legalidade ...................................................                04

1.2 Princípio da Reserva Legal ..............................................               05

  1. TERRORISMO ......................................................................        .                       06

2.1 Conceito ...........................................................................                   06

2.2 Terrorismo no Mundo ......................................................      .                       08

2.3 Legislação Brasileira ........................................................                09

2.3.1 Constituição Federal ......................................................               09

2.3.2 Lei de Segurança Nacional ............................................             10

2.3.3 Lei n. 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos .................                       15

3.4 Posicionamento do STF ...................................................                16

3.5 A ONU e o terrorismo .......................................................                 17

CONCLUSÃO ...................................................................................                    18

REFERÊNCIAS .................................................................................                  19

INTRODUÇÃO

Desde os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, a comunidade internacional e a ONU ficaram mais alertas para os atentados terroristas. Uma das consequências foi o surgimento da teoria do Direito do Inimigo, de autoria de Jakobs e Meliá (2012), em que propõe uma nova forma de direito, onde o infrator tido como terrorista perderia seus direitos civis, autorizando ao Estado utilizar-se de toda força letal possível, mesmo que dela resulta na morte de civis inocentes, tidos como dano colateral.

Os autores defendem que deve se combater não o terrorista, mas o terrorismo, de modo semelhante à luta contra o analfabetismo, mas, obviamente, as penas são dirigidas ao terrorista.

O Brasil já havia legislado quanto à temática, em 1983, por meio da Lei de Segurança Nacional que permanece até hoje, portanto não sofreu influência dos referidos atentados de 11 de setembro, até mesmo por que não há registros de atividade terrorista no Brasil, mas isto também é questão de entendimento pessoal, pois alguns crimes cometidos na esfera nacional poderiam ser enquadrados como tal.

No âmbito internacional, bem como no Brasil, não há uma conceituação clara sobre o crime de terrorismo, embora seja uma preocupação constante da comunidade internacional, em especial a Organização das Nações Unidas.

O objetivo deste trabalho é suscitar o debate quanto à conceituação brasileira sobre o crime de terrorismo, que aceito por uns e rejeitado por outros, mas carece que a matéria seja vista com maior ênfase, face às necessidades hodiernas de que o ordenamento pátrio tenha uma legislação clara e inequívoca.

  1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

 

  1. Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade é basilar ao Estado Democrático de Direito e essencial ao Estado de Direito, onde a essência da democracia é a sujeição à constituição que se funda na legalidade democrática, sujeita ao império da lei, na busca pela justiça e nas condições de igualdade aos socialmente desiguais, sujeitando toda atividade à lei, entendida como expressão da vontade geral que só se materializa num regime de divisão de poderes, onde os representantes do povo são eleitos e criam-se órgãos de representação popular. Neste sentido, o Estado, ou o Poder Público, por meio de seus administradores não podem exigir, nem impor qualquer abstenção ou proibição, senão em virtude de lei. (SILVA, 2006)

Assim, este princípio está consagrado através do art. 5º, II, CF, segundo o qual, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” e tal princípio visa a combater o arbítrio do Estado. Segundo Moraes (2011, p. 45), “o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei”.

Decorre deste princípio que os órgãos incumbidos da persecução penal, não possuem poderes discricionários, ao contrário, têm o dever legal de agir, como no caso de autoridade policial que, em obediência ao princípio da oportunidade, nos crimes de ação pública, é obrigada a proceder às investigações preliminares e o Ministério Público obrigado a apresentar a denúncia. (CAPEZ, 2007)

1.2 O princípio da legalidade e da reserva legal

São comuns interpretações considerando os princípios da legalidade e o da reserva legal como sinônimos, mas trata-se de uma incorreção doutrinária, pois Moraes (2011) assevera que o primeiro é de abrangência mais ampla que o segundo. Para Silva (2006, p. 423), o Princípio da legalidade “significa a submissão e o respeito à lei, ou atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo, consiste em estatuir que a legislação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por meio de lei formal”. Pelo princípio da legalidade fica claro que impõe comportamentos à luz das espécies normativas criadas pelo legislativo. Já o da reserva legal, opera de maneira mais restrita e diversa, não sendo genérico, mas abstrato, de menor abrangência. Assim,

Tem-se, pois, reserva de lei, quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinada. (SILVA, 2006, p.425)

Veja-se como exemplo, o caso da tortura. A Constituição Federal, através do art. 5º, III, prevê que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, bem como no Inc XLIII, diz que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

A norma constitucional, por meio do princípio da legalidade, previu a impossibilidade e a ilegalidade da prática de tortura, no entanto a norma federal não conceituou o crime de tortura, até mesmo porque se crê que não é o instrumento adequado para tal conceituação, o que o legislador somente o fez com a Lei nº 9.455/97, a qual definiu e conceituou o crime de tortura, em seu art. 1º, quando se constrange alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental. (MORAES, 2011)

 

  1. TERRORISMO

 

2.1  Conceito

Segundo Capez (2014), há muito discute-se internacionalmente, o conceito de terrorismo, dada a complexidade e amplitude de condutas que o conceito pode abarcar e assinala, segundo Sarah Pellet:

Nenhuma convenção internacional definiu o termo ‘terrorismo’. Um estudo rápido destes diferentes textos permite afirmar que o terrorismo foi, frequentemente, abordado em função de suas consequências. Assim, as diferentes definições não chegaram a explicar as múltiplas facetas do fenômeno terrorista. A primeira Convenção de Genebra de 1937 previa, em seu art. 1º. Na presente Convenção, a expressão ‘atos terroristas’, quer dizer fatos criminosos dirigidos contra um Estado, e cujo objetivo ou natureza é de provocar o terror em pessoas determinadas, em grupos de pessoas ou no público. Em seguida, esta convenção enumerou, em seu art. 2º, os fatos criminosos em causa. Mas se a enumeração foi vivamente criticada por alguns, ela simplesmente não explica completamente a noção de terrorismo. As convenções internacionais ulteriores foram redigidas da mesma forma, sem procurar definir tal noção’ (Capez, 2014, p. 628 apud Sarah Pellet)

Conclui o autor, que embora ainda não exista em nível internacional uma definição clara de terrorismo, a Organização das Nações Unidas, tem procurado editar diversas resoluções sobre a temática, como a Resolução 1.373, do Conselho de Segurança da ONU, adotada em 29 de dezembro de 2001.

A legislação brasileira, por meio da Lei 7.170, de 14 de dezembro de 1983, a Lei de Segurança Nacional adotou a seguinte redação para conceituar terrorismo:

Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Nota-se que, mesmo o referido crime tendo adotado uma complexidade de condutas, o legislador optou em conceituar o crime de terrorismo nos verbos “devastar”, “saquear”, “roubar”, “sequestrar”, “manter em cárcere privado”, “incendiar”, “depredar”, “provocar explosão” e “praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo”. Quanto aos verbos que já caracterizam crimes, eles deverão ter conotação política para serem caracterizados como terrorismo, mas o verbo “praticar” não revela nada de ilicitude e mais ainda, conforme se verá adiante, praticar atos de terrorismo é redundante na sua classificação, o que é considerado como clausula geral, que a invalidaria.

Quanto aos verbos já citados no tipo, cabe ainda alguma observação: nota-se que “roubar” pode ser caracterizado como crime de terrorismo, mas “furtar” não, uma vez que tal crime não consta no rol do tipo citado. Da mesma maneira, o crime de homicídio ou genocídio não constam no rol e sabe-se que terroristas adotam este crime, pela comoção que causam, para atingir seus objetivos políticos.

A conceituação brasileira adota ainda em seu tipo penal, a expressão: “atentado pessoal”, mas afinal, o que é atentado pessoal? A legislação não explica, ficando novamente a cargo do legislador.

  1. Terrorismo no Mundo

O terrorismo é um crime que não se aplica somente ao Estado que foi vítima, mas afeta à comunidade internacional, pois extrapola às fronteiras nacionais. Na atualidade, a partir dos atentados de onze de setembro às torres gêmeas do Word Trade Center nos Estados Unidos, a comunidade internacional passou a analisar a questão com maior profundidade, mesmo aqueles países que, a exemplo do Brasil, não apresentam crimes desta natureza e, por conseguinte, não legislam sobre a temática do terrorismo.

Segundo Capez (2014), as vítimas podem estar em qualquer país, e os grupos terroristas não possuem uma base territorial, encontrando-se dispersos por vários países, dificultando a identificação dos referidos que aperfeiçoam seu modus operandis para ações com agentes químicos ou biológicos, ações na internet, etc.

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  1. Legislação Brasileira
  1. Constituição Federal Brasileira de 1988

A Constituição Federal Brasileira, de 05 de outubro de 1988, tida como a “Constituição Democrática”, um marco da cidadania, inovou em muitos aspectos a anterior, mas o que mais se destaca foram a positivação de direitos individuais na forma de cláusulas pétreas, conforme determina o art. 60, parágrafo 4º:

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e as garantias individuais.

 

Assim, o artigo 5º, inserido dentro do “Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS”, determina em seu Inciso XLIII:

A lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evita-los, se omitem;

Aqui cabem duas informações: a primeira é quanto ao crime de tortura. Até a promulgação do texto constitucional, não havia o crime de tortura, embora a constituição o citasse como tal, porém, em obediência ao princípio da reserva legal, não basta esta citação mesmo constitucional, há que se definir tal crime em lei infra, até mesmo por que a constituição federal não é documento para este fim. Tal conflito restou resolvido com a lei nº 9.459/97, que criou e definiu o crime de tortura, até então inexistente no ordenamento pátrio.

 Art. 1º Constitui crime de tortura:

        I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

        a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

        b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

        c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

        II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

        Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Com o crime de terrorismo não aconteceu a mesma coisa. A Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, citou em seu art. 20 o crime de terrorismo. Mas este é outro questionamento. Editada em plena ditadura militar, parece estar resolvido o impasse quanto ao princípio da reserva legal, mas em verdade, não há entendimento claro quanto a este assunto, que será debatido a seguir com maior ênfase.

2.3.2 Lei de Segurança Nacional

Conforme dito anteriormente, a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que “Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências”, trouxe no art. 20 a seguinte redação:

Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo

Parece estar resolvida a questão quanto ao princípio da reserva legal, uma vez que o referido artigo cita o crime de terrorismo, mas em verdade não há clareza quanto a criação e conceituação de tal crime, pois nestes casos a lei, claramente cria o crime referindo-se, inicialmente ao nome do crime e logo a seguir a conduta tipificada como criminosa. Não parece ser o caso da presente legislação que apenas cita “praticar atos de terrorismo”, tornando-se redundante em si mesma, quando não especifica o que são atos de terrorismo, ou seja, não há conceituação adequada, que fica a cargo do legislador.

A doutrina classifica tais questões como cláusulas gerais, que devem ser evitadas, pois não deixam clareza na definição. Mais ainda, Franco (1994, p. 109) alerta para estas questões, quando, mais especificamente neste caso, a expressão “praticar” “não possui carga alguma de ilicitude, como apresentam os outros verbos constantes do tipo”. Sendo assim, o verbo “praticar”, conforme o texto, fica na dependência do objeto direto: “atos de terrorismo”.

Mas o texto não define o que são “atos de terrorismo” e pior diz que crime de terrorismo são “atos de terrorismo”, havendo redundância, permitindo certa elasticidade interpretativa, ou seja: cláusula geral

[...} que permite ao julgador, por ausência de uma adequada descrição do conteúdo fático desses atos, enquadrar, a seu bel-prazer, qualquer modalidade de conduta humana. Isso fere, sem dúvida, o princípio constitucional da legalidade. Com razão, Mir Puig chamou a atenção para “cláusulas gerais” que “dificultam a precisão dos confins do pressuposto do fato legal, e, por conseguinte, a clara delimitação do âmbito do punível. (Franco, 1994, p. 109)

Conclui o autor que falta assim, um tipo penal na legislação brasileira, que “atenda a denominação especial de “terrorismo”, uma vez que a lei supra, o fez por meio de cláusula geral, tornando-a inócua.

Mas este entendimento do autor não é unânime. Renomados doutrinadores discordam, como Gonçalves (2001, p. 82), uma vez que o tipo previsto “esse art. 20 contém um tipo misto alternativo em que as várias condutas típicas se equivalem pela mesma finalidade – inconformismo político ou obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”.

O autor cita ainda, a conceituação de terrorismo, pelo clássico Dicionário Aurélio para a língua portuguesa como “toda forma de ação política que combate o poder estabelecido por meio de violência”, de maneira que todas as condutas previstas no artigo 20 da lei, se enquadram nesta conceituação.

Ora, a finalidade aqui é trazer à baila o questionamento jurídico da questão suscitada que é a definição do crime de terrorismo, em respeito aos princípios da legalidade e da reserva legal. Mas o respeitável doutrinador Gonçalves (1994) se vale de conceituação do Dicionário Aurélio para “conceituar” o crime de terrorismo, numa tentativa de justificar seu posicionamento frente ao embate jurídico. Mas respeitavelmente, é de se estranhar, no mínimo, tal argumento, uma vez que o Dicionário não é fonte de direito, bem como não é lei que possa justificar e embasar a criação e conceituação de tal crime.

Insistindo nesta linha, o autor afirma que o bem jurídico tutelado é a segurança nacional e tem como sujeito passivo o Estado e a coletividade.

Pactua deste pensamento o renomado doutrinador Capez (2014, p. 631), o qual afirma que

Com efeito, não existe nenhuma ofensa ao princípio da reserva legal nessa previsão normativa. É que, embora o seu tipo definidor seja aberto, isso se justifica plenamente diante da imensa variedade operacional com que essa conduta pode se revestir, sendo impossível ao legislador antever todas as formas de cometimento de ações terroristas. Considerando que o bem jurídico não pode ficar sem proteção, já que a própria Constituição Federal tutela o direito à vida, à segurança, ao patrimônio, entre outros (art. 5º, caput), o largo alcance da elementar questão é perfeitamente aceitável. Por consequência, incide a Lei dos Crimes Hediondos sobre a conduta tipificada no art. 20 da Lei n. 7.170/83, sem que esta padeça de qualquer vício de inconstitucionalidade.

Sustenta a sua teoria o autor, fazendo citação a Heleno Cláudio Fragoso, em sua análise ao art. 28 de lei revogada n. 6.620, afirmando que: “não existe uma ação delituosa específica denominada terrorismo. Essa expressão se aplica a várias figuras de ilícito penal, que se caracterizam por causar dano considerável a pessoas e coisas, na perspectiva do perigo comum [...]”. (Capez, 2014, p.631).

Mesmo aceitando o crime tipificado pela Lei de Segurança Nacional, Capez (2014, p. 632) aceita que a expressão “praticar terrorismo” viola a Carta Magna, por ser “bastante genérica, inviabilizando a aplicação prática do dispositivo legal nesse aspecto, de outro lado, em consonância com o nosso posicionamento, entende que os demais verbos do tipo penal já constituíram o crime em estudo”.

Inclui-se neste caráter indefinido e vago a expressão “segurança nacional”, que também fica à inteira disposição do legislador, mesmo assim, Capez (2014) defende que

Segurança nacional envolve toda matéria pertinente à defesa da integridade do território, independência, sobrevivência e paz do país, suas instituições e valores materiais ou morais contra ameaças externas e internas sejam elas atuais ou imediatas ou ainda em estado potencial próximo ou remoto. (Capez, 2014, p. 633, apud Brant)

Pela objetividade política, para o autor, torna-se claro que o crime em pauta tem que ser considerado “político”, sendo necessários motivação, objetivos políticos pelo agente causador, bem como que tenha havido lesão real ou potencial aos bens jurídicos indicados pela referida lei.

Para Capez (2014, p. 634) o Sujeito Ativo é qualquer pessoa, pois trata-se de crime comum e o Sujeito Passivo é o Estado que estaria interessado na “preservação de suas instituições, seu arcabouço constitucional e a convivência pacífica e harmônica da população assentada em seu espaço territorial”, constituindo assim, o terrorismo, em um “atentado à República Federativa do Brasil e à autodeterminação da sociedade [...]”.

O delito é imprescritível quando for praticado por grupo armado, civil ou militar e que vise a abalar a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito (CF, art. 5º, XLIV), bem como sua ação é Pública Incondicionada, deve ser proposta pelo Ministério Público.

  1. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990 – Lei dos Crimes Hediondos

Em obediência ao texto maior, a presente legislação apresentou extenso rol de crimes considerados como crime hediondo, bem como alterou o Código Penal Brasileiro e a Lei de Execução Penal, no que tange à progressão de regime para os crimes considerados como tal.

Capez (2014) aponta que a Constituição Federal Brasileira, por meio do seu art. 5º, Inc XLIV, exigiu tratamento penal mais severo para o terrorismo, alçando-o à condição de crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, proibindo a fiança, apelação em liberdade e exigiu maior requisito temporal para a concessão da progressão de regime.

Curiosamente a lei, ao arrolar os crimes equiparados à tal condição, não citou a Lei n. 7.170, a Lei de Segurança Nacional, no entanto citou a expressão “terrorismo” em seu art. 8º, a saber:

Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Aviva-se aqui, mais uma vez o conflito suscitado, quando Capez reconhece a aplicação da Lei dos Crimes Hediondos para os crimes de Terrorismo, mesmo a referida lei não tendo arrolado a Lei de Segurança Nacional em seu art. 20, fazendo apenas uma citação de “terrorismo”, sem, no entanto, citá-la no rol de crimes considerados como tal.

  1. Posicionamento do STF

Apontados os presentes argumentos, houve caso concreto no Brasil, em que estrangeiro foi acusado de praticar crime de terrorismo, até mesmo por que, mesmo consciente da conceituação não muito clara acerca do crime proposto, o Ministério Público propôs a Ação Penal e in casu, foi parar no Superior Tribunal Federal, estando nas mãos do Ministro Celso Bandeira de Mello, a decisão.

Para o Ministro

A insuficiência descritiva do fato delituoso não me permite verificar se, a despeito do homem iuris dado pela legislação penal do Estado requerente, o fato delituoso poderia, eventualmente, subsumir-se a tipo penal previsto no ordenamento positivo do Brasil, assim satisfazendo a exigência da dupla tipicidade. (Dourados Agora, consulta em 13 de agosto de 2014: http://www.douradosagora.com.br/noticias/brasil/supremo-tribunal-federal-decidira-se-terrorismo-e-crime-no-brasil)

Conclui o Ministro que não há uma definição muito clara no tipo penal brasileiro quanto ao crime de terrorismo.

2.5 A ONU e o terrorismo

Os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos alarmaram a comunidade internacional e a ONU, pela clara demonstração do perigo a que todas as nações estão expostas, frente a atos deste tipo, aumentando a preocupação quanto à proliferação de armas nucleares e os perigos de outras armas não convencionais.

A ONU mobilizou-se rapidamente, e o Conselho de Segurança, adotou a Resolução 1373, com vistas à impedir o financiamento do terrorismo, criminalizando a coleta de fundos, procurando congelar imediatamente os bens financeiros dos terroristas e estabeleceu um Comitê Antiterrorismo visando a supervisionar a implementação da resolução.

Também a ONU preocupou-se quanto às armas de destruição em massa, armas químicas e biológicas e as armas nucleares, tendo a Assembleia Geral, adotado em 2002, a Resolução 57/83, primeiro texto contendo medidas para impedir terroristas de conseguirem armas e seus meios de lançamento.

Em 2004, o Conselho de Segurança adotou a Resolução 1540, que obriga os Estados a interromperem qualquer apoio a agente não-estatal para o desenvolvimento, aquisição, posse, transporte, transferência ou uso de armas nucleares, biológicas e químicas e seus meios de entrega e em 2005, a Assembleia adotou a Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo Nuclear.

Em 2002, o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) lançou o Projeto Global contra o Terrorismo, contendo 122 instrumentos contra o terrorismo, que incluem convenções sobre crimes cometidos a bordo de aeronaves, atos contra segurança de civis, proteção de materiais nucleares, entre outros.

A Assembleia Geral concluiu ainda, cinco convenções, a saber: Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns; Convenção sobre a Segurança das Nações Unidas e Pessoal Associado; Convenção Internacional para a Supressão de Atentados Terroristas; Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo e a Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo Nuclear.

Ainda como parte do esforço internacional para combater o terrorismo, a Assembleia Geral adotou por unanimidade a Estratégia Antiterrorista Global da ONU, que define uma série de medidas para combater o terrorismo em todas as suas vertentes. (Consulta em 13 de agosto de 2014: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-terrorismo/)

CONCLUSÃO

Findo o presente, atinge-se o objetivo traçado inicialmente quando se propunha uma discussão jurídica acerca da conceituação do crime de terrorismo proposto pela Lei nº 7.170/83, a Lei de Segurança Nacional, que adotou em seu artigo 20, cláusula geral.

Constatou-se que não há clareza quanto à definição da legislação supra, justamente por adotar cláusula geral na conceituação utilizando a expressão redundante “atos de terrorismo”, bem como quando cita “segurança nacional”, expressões que ficam ao critério do legislador.

A indefinição sugerida foi parar no Superior Tribunal Federal ao cargo do Ministro Celso Bandeira de Mello, fato que, por si só já justifica a abordagem. O Ministério Público reconhece a existência da cláusula geral, mas entende que os demais crimes do tipo penal estão plenamente conceituados, devendo a legislação ser utilizada na ação penal, pelo argumento de que a segurança nacional não pode deixar de valer desta legislação que induziria à impunidade.

Entende-se que a proposição do Ministério Público é respeitável, mas os argumentos dos garantistas não podem ser deixados de lado, pois o ordenamento pátrio não pode deixar de legislar a temática, pelo perigo a que a população brasileira se expõe pela falta de uma legislação que contemple o crime de terrorismo, mas também não pode se valer de uma legislação fraca que venha a sucumbir perante um argumento que venha a ser derrubado facilmente como a cláusula geral do tipo penal em questão.

Entende-se ainda, que o tipo deva ser derrogado, para que se adeque aos princípios da legalidade e da reserva legal, de modo a que se atenda a tais pressupostos, bem como a população brasileira não fique desamparada.

REFERÊNCIAS

- BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil;

- CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial, volume 4/ 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014;

______. Curso de Processo Penal, 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007;

- FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos – anotações sistemáticas à Lei 8.072/90. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 1994;

- GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes Hediondos, tóxicos, terrorismo, tortura. São Paulo: Saraiva, 2001;

- JACOBS, Günther e MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e Críticas. Porto Alegre: 2012;

- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2011;

- SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 27 ed. São Paulo: Malheiros 2006.

- (Dourados Agora, consulta em 13 de agosto de 2014: http://www.douradosagora.com.br/noticias/brasil/supremo-tribunal-federal-decidira-se-terrorismo-e-crime-no-brasil)

- Organizações das Nações Unidas (Consulta em 13 de agosto de 2014: http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-terrorismo/)

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Sobre o autor
Paulo Rogério Farias Medeiros

Coronel da BM/RS, formado pela Academia de Polícia Militar/BMRS em 1985 e em Direito pela Univates, pós-graduado pela Universidade Federal do RS em segurança cidadã, criminalidade, violência e polícia, bem como em Direito Penal, Constitucional e Direitos Humanos; doutorando pela Universidade Nacional Lomas de Zamora, Lomas de Zamora, Argentina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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