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A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil

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CAPÍTULO IV – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL

4.1.Da superação da dicotomia “público-privado” – constitucionalização do direito privado

Conforme já restou comprovado, diversas foram as transformações decorrentes da Carta Magna de 1988 ao direito de família. Entidades familiares que há muito clamavam pelo devido reconhecimento jurídico foram privilegiadas pelo diploma supracitado, o qual considerou não apenas as mudanças sociais, mas a necessidade de regulá-las.

Diversos foram os princípios e direitos fundamentais que passaram a regular o direito, importando em uma verdadeira reconstrução axiológica do direito civil, em face dos valores constitucionais, culminando no chamado direito civil constitucionalizado. Em virtude de tal fato, afirma Pedro Lenza que:

(...) parece adequado não mais falarmos em ramos do direito (público e privado), e sim em um verdadeiro escalonamento verticalizado e hierárquico de normas, apresentando-se a Constituição como norma de validade de todo o sistema, situação decorrente do princípio da unidade do ordenamento e da supremacia da Constituição.[83]

Com isso, o direito civil, que tinha por norte a regulamentação da vida privada unicamente do ponto de vista patrimonial, passa a orientar a ordem jurídica para a realização de valores da pessoa humana como titular de interesses existenciais, para além dos meramente patrimoniais. O novo direito civil, portanto, passa a ser visto como uma regulação de interesses do homem que convive em sociedade; ocasionando uma verdadeira despatrimonialização do direito civil, como consequência de sua constitucionalização.[84]

Ademais, conforme anota Flávio Tartuce, três são os princípios básicos do direito civil constitucional. O primeiro deles corresponde à proteção da dignidade humana – estampado no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Tal princípio, frise-se, constitui o principal fundamento da personalização do direito civil, da valorização da pessoa humana em detrimento do patrimônio.[85]

O segundo princípio, por sua vez, visa a solidariedade social, também especificado na Carta Magna de 1988, em seu art. 3º, inciso I. Por fim, tem-se o princípio da isonomia ou igualdade, traduzido no art. 5º, caput, da atual Constituição Federal.[86]

Fruto dessa nova visão do direito civil, surge a denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, mecanismo que torna possível o direito civil constitucional. Essa horizontalização dos direitos fundamentais, frise-se, nada mais é do que o reconhecimento da existência e aplicação dos direitos que protegem a pessoa nas relações entre particulares. Ou seja, as normas constitucionais definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.[87]

Essa nova visão do direito, ressalte-se, orientado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e tendo como base o princípio da afetividade para a formação de entidades familiares, passou a regular um novo direito de família, mais abrangente e justo; contudo, em relação ao direito sucessório, pouco evoluiu, demonstrando uma postura retrógrada e preconceituosa.

4.2.Da união estável como direito fundamental: inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil

Atendendo às transformações sociais, a Constituição Federal de 1988, de modo exemplificativo, regulou, em seu art. 226, §§1º a 4º,[88] algumas das formas de entidades familiares já existentes em nossa sociedade, mas que permaneciam na obscuridade no âmbito jurídico. A união estável, com isso, passou a ser reconhecida juntamente com o casamento, não fazendo, inclusive, nenhuma diferenciação entre ambas as entidades.

Esse pluralismo das entidades familiares, contudo, ensejou numa interpretação equivocada por parte de alguns doutrinadores, em relação à existência de uma hierarquização axiológica entre as entidades familiares, tendo o casamento uma suposta primazia em relação às demais entidades. Eis a justificativa, por parte desse grupo, para que não seja dedicado tratamento igualitário entre os tipos de entidades, devendo as demais, que não o casamento, receberem tutela jurídica, não apenas diferente, mas também limitada em relação ao matrimônio. 

Acerca de tal pensamento, Paulo Lôbo dispõe que:

O principal argumento da tese I (tese supracitada), da desigualdade, reside no enunciado final do § 3o do art. 226, relativo à união estável: “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A interpretação literal e estrita enxerga regra de primazia do casamento, pois seria inútil, se de igualdade se cuidasse. Todavia, o isolamento de expressões contidas em determinada norma constitucional, para extrair o significado, não é a operação hermenêutica mais indicada. Impõe-se a harmonização da regra com o conjunto de princípios e regras em que ela se insere.

E continua:

Com efeito, a norma do § 3º do artigo 226 da Constituição não contém determinação de qualquer espécie. Não impõe requisito para que se considere existente união estável ou que subordine sua validade ou eficácia à conversão em casamento. Configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional para que remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que desejem casar-se, se quiserem, a exemplo da dispensa da solenidade de celebração. Em face dos companheiros, apresenta-se como norma de indução. Contudo, para os que desejarem permanecer em união estável, a tutela constitucional é completa, segundo o princípio de igualdade que se conferiu a todas as entidades familiares. Não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades ou requisitos onerosos para ser concebida a união estável, pois facilitar uma situação não significa dificultar outra.[89]

Felizmente, tal pensamento, hoje em dia, já não mais é aceito pela maioria dos doutrinadores e aplicadores do direito. Absurdo, na realidade, seria reconhecer tal pensamento, uma vez que este fere diversos princípios basilares do direito moderno, a saber: princípio da igualdade das entidades, da liberdade de escolha, dignidade da pessoa humana, isonomia, entre outros. Além disso, ressaltamos que o caput do art. 226 estabelece a proteção especial do Estado “à família”, ou seja, a todas as formas de entidades familiares, não sendo feita qualquer distinção entre elas.

É preciso, pois, que se faça uma interpretação do texto constitucional baseada no espaço e tempo, acompanhando as mudanças sociais e condizente com as necessidades sociais modernas.

Admitamos, contudo, ad argumentandum, que o dispositivo em questão, de fato, preconize uma hierarquia entre as formas de família. Nesse caso, estaríamos diante de grave incoerência no texto constitucional, uma vez que o Estado, não apenas reconhece, mas também protege constitucionalmente o direito do indivíduo de fazer escolhas para sua vida privada, sem ingerência externa, baseado no Princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana e da liberdade de escolha (inciso III, art. 1º e caput, art. 5º, respectivamente). Tal hierarquização, portanto, implicaria em um conflito de normas constitucionais. Uma vez presente tal conflito, há que se considerar que, pela própria disposição estrutural da Constituição, a qual enumerou em seu título I os princípios fundamentais, devem os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, se sobrepor a qualquer outra norma constitucional, conforme interpretação literal da Constituição Federal, de forma que a hierarquização das entidades familiares sempre seria relegada a segundo plano.

Ademais, ressalte-se que, conforme supracitado, os direitos fundamentais - tais como dignidade da pessoa humana e liberdade de escolha - possuem eficácia horizontal, devendo sua aplicação se sobrepor a qualquer norma de direito patrimonial.

A verdade, pois, é que a Carta Magna de 1988 resguardou, entre os direitos fundamentais, a forma de vida privada denominada união estável, uma vez que dentre os vários direitos que resultam da dignidade, está o de fazer escolhas na vida privada, sem ingerência externa ou imposição de casamento àqueles que não o desejem.[90]

Ou seja, a base da união estável encontra-se entre os direitos fundamentais, cuja origem consagra-se no princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que é exteriorização formal da livre escolha de condução na vida privada do homem e da mulher. Por tal motivo, não pode a mesma ser objeto de uma hierarquia no confronto com o casamento, sendo considerada entidade familiar como qualquer outra, decorrente de uma exigência natural do ser humano, e caracterizada como uma instituição jurídica que precede a organização estatal.[91]

Corroborando com tal pensamento e, por conseguinte, defendendo a inexistência de hierarquização, Maria Berenice afirma que:

O tratamento diferenciado não é somente perverso, é escancaradamente inconstitucional, afrontando de forma direta os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, sem falar na desequiparação preconizada entre as duas células familiares: união estável e casamento (CF, 1º, III; 5º, caput, I e XXX). No mesmo dispositivo em que assegura especial proteção à família, a Constituição reconhece a união estável como entidade familiar, não manifestando preferência por qualquer de suas formas (CF, 226, §3º). [92]

4.3.Das lacunas do Código Civil de 2002

O Código Civil, em seu livro IV, título III, reconhece a união estável como entidade familiar e indica seus elementos constituintes. Além disso, em 14 artigos equipara o casamento à união estável, o cônjuge ao companheiro. Dentre tais artigos destacam-se o 1.595, que trata do parentesco por afinidade; 1.694, referente aos direitos dos companheiros de pedirem, reciprocamente, alimentos de que careçam; 1.797, relativo à administração da herança, dentre outros.

Não se entende, portanto, o tratamento desigual emprestado pelo Código Civil ao cônjuge e companheiro supérstite, se o próprio Código, em diversos dispositivos, equipara ambas as entidades familiares.

Frise-se, inclusive, que diante desse recuo do legislador, reduzindo muitos dos direitos historicamente conquistados pelos companheiros após anos de formulação doutrinária e jurisprudencial, há juristas que consideram que tal tratamento viola, dentre outros, o princípio da proibição ou da vedação do retrocesso. Segundo tal princípio, os direitos sociais e econômicos, uma vez obtido determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia constitucional e um direito subjetivo. [93]

Não se pode admitir, portanto, a existência dessa discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e do companheiro sobrevivente, uma vez que na vida cotidiana, e no próprio texto constitucional, a união estável é reconhecida como entidade familiar e está equiparada a família matrimonializada. Essa desigualdade de tratamento, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere e maltrata, na letra e no espírito, os fundamentos constitucionais. 

4.4.Jurisprudência

Enquanto o legislador não iguala os direitos sucessórios do cônjuge e companheiro, fica a cargo do judiciário a interpretação dos casos concretos. Felizmente, cada vez mais o posicionamento do judiciário preconiza a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, contudo, com diversas variações de entendimento, conforme se infere das decisões abaixo elencadas:

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. sucessões. inventário. situação regida pelo código civil em vigor na data da abertura da sucessão. PEDIDO DE RECONHECIMENTO ao DIREITO à totalidade da herança, com a exclusão dos parentes colaterais da sucessão. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO, À LUZ DO REGRAMENTO DISPOSTO NO CÓDIGO CIVIL VIGENTE, APLICÁVEL À ESPÉCIE. NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO artigo 1.790, III, DO CCB, QUE CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO ao COMPANHEIRO E ao CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EQÜIDADE. pedido de alvará para Venda de automóvel de propriedade do falecido. Possibilidade. 1. Não se pode negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório. 2. A própria Constituição Federal não confere tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros, tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do novo Código Civil, não podendo, assim, prevalecer a interpretação literal do artigo em questão, sob pena de se incorrer na odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo com as formalidades da lei. 3. Reconhecimento da companheira supérstite como herdeira da totalidade dos bens deixados por seu companheiro que se impõe, já que inexistentes herdeiros ascendentes ou descendentes, com a conseqüente exclusão dos parentes colaterais da sucessão. 4. Venda de automóvel de propriedade do falecido que deve ser autorizada. (TJRS, Agravo de instrumento nº 70028139814, Porto Alegre, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel, julgado em 15/04/2009).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. DIREITO À TOTALIDADE DA HERANÇA. PARENTES COLATERAIS. EXCLUSÃO DOS IRMÃOS DA SUCESSÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1790, INC. III, DO CC/02. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 480 DO CPC. Não se aplica a regra contida no art. 1790, inc. III, do CC/02, por afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de igualdade, já que o art. 226, § 3º, da CF, deu tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Assim, devem ser excluídos da sucessão os parentes colaterais, tendo o companheiro o direito à totalidade da herança. Incidente de inconstitucionalidade argüido, de ofício, na forma do art. 480 do CPC. Incidente rejeitado, por maioria. Recurso desprovido, por maioria". (TJRS, Agravo de instrumento n. 70017169335, Porto Alegre, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 08/03/2007, DJERS 27/11/2009, pág. 38). Concluindo do mesmo modo: TJSP, Agravo de instrumento n. 654.999.4/7, Acórdão n. 4034200, São Paulo, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Teixeira Leite, julgado em 27/08/2009, DJESP 23/09/2009 e TJSP, Agravo de instrumento n. 609.024.4/4, Acórdão n. 3618121, São Paulo, Oitava Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Caetano Lagrasta, julgado em 06/05/2009, DJESP 17/06/2009.

Dentre os argumentos expedidos em ambas as decisões, destacam-se que tanto a família de direito, quanto aquela constituída por simples fato, há de se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao princípio constitucional da igualdade e dignidade da pessoa humana. Porém, conforme se verifica, os respectivos julgados defendem a inaplicabilidade apenas do inciso III do dispositivo em questão, afastando os parentes colaterais da sucessão; não emitindo opinião acerca dos demais incisos e caput do referido artigo.

Há ainda decisões que sustentam a inconstitucionalidade de todo o art. 1.790 do Código Civil, por trazer menos direitos sucessórios aos companheiros, se confrontando com os direitos sucessórios do cônjuge. Assim temos:

DIREITO SUCESSÓRIO. Bens adquiridos onerosamente durante a união estável Concorrência da companheira com filhos comuns e exclusivo do autor da herança. Omissão legislativa nessa hipótese. Irrelevância. Impossibilidade de se conferir à companheira mais do que teria se casada fosse. Proteção constitucional a amparar ambas as entidades familiares. Inaplicabilidade do art. 1.790 do Código Civil. Reconhecido direito de meação da companheira, afastado o direito de concorrência com os descendentes. Aplicação da regra do art. 1.829, inciso I do Código Civil. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP, Apelação n. 994.08.061243-8, Acórdão n. 4421651, Piracicaba, Sétima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Élcio Trujillo, julgado em 07/04/2010, DJESP 22/04/2010).

Segundo a respectiva decisão, a união estável é entidade familiar de estatura constitucional, tanto quanto o casamento, não havendo hierarquia entre elas, sendo ambas calcadas no afeto entre seus membros.

Por incrível que pareça, são também encontradas ementas que suspendem o processo até que o órgão Especial do Tribunal reconheça ou não a inconstitucionalidade da norma sob análise:

UNIÃO ESTÁVEL. ARGUIÇAO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. Interpretação sistemática e teleológica do artigo 226 da Constituição Federal. Equiparação constitucional das entidades familiares matrimoniais e extramatrimoniais, em razão de serem oriundas do mesmo vínculo, qual seja, a afeição, de que decorre a solidariedade e o respeito mútuo entre os familiares. Entidades destinatárias da mesma proteção especial do Estado, de modo que a disparidade de tratamento em matéria sucessória fere a ordem constitucional. Ponderação dos princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia e direito fundamental à herança. Proibição do retrocesso social. Remessa dos autos ao Órgão Especial, em atenção ao artigo 97 da Lei Maior. (TJSP, Apelação com revisão n. 587.852.4/4, Acórdão n. 4131706, Jundiaí, Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Piva Rodrigues, julgado em 25/08/2009, DJESP 25/11/2009).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACATADA PELO MAGISTRADO DE 1º GRAU. ARTIGO 1790, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO QUE VISA O RECONHECIMENTO DA CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA LEGAL. COMPETÊNCIA PARA JULGÁ-LA DO ÓRGÃO ESPECIAL. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DO RECURSO DE AGRAVO. REMESSA DOS AUTOS AO ÓRGÃO ESPECIAL.

1. Nos tribunais em que há órgão especial, a declaração de inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo do poder público, tanto a hipótese de controle concentrado como na de incidental, por força da norma contida no art. 97 da Constituição Federal, somente pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros que o compõem.

2. Se os integrantes do órgão fracionário - Câmara Cível - se inclinam em manter a argüição de inconstitucionalidade formulada pelos recorridos em 1º grau, o julgamento do recurso de agravo de instrumento deve ser suspenso, com a remessa dos autos ao órgão especial para que o incidente de inconstitucionalidade seja julgado, ficando a câmara, quando os autos lhe forem restituídos para que o julgamento do recurso tenha prosseguimento, vinculada, quanto à questão constitucional, à decisão do órgão especial". (TJPR. Agravo de instrumento n. 0536589-9, Curitiba, Décima Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Costa Barros, DJPR 29/06/2009).

Ademais, de forma totalmente inovadora, encontram-se decisões que defendem a inconstitucionalidade do dispositivo em questão por trazer mais direitos ao companheiro do que ao cônjuge, in verbis:

INVENTÁRIO. PARTILHA. MEAÇÃO DA COMPANHEIRA. DECISÃO QUE APLICA O ARTIGO 1790, II, DO CÓDIGO CIVIL. Determinação de concorrência entre a companheira e os filhos do de cujus quanto aos bens adquiridos na constância da união, afora a meação. Inconformismo. Alegação de ofensa ao artigo 226, § 3º, da CF. Concessão de direitos mais amplos à companheira que a esposa. Acolhimento da arguição de inconstitucionalidade. Questão submetida ao Órgão Especial. Incidência do art. 481, do CPC, e 97, da CF. Aplicação da Súmula Vinculante n.º 10, do STF. Recurso conhecido, sendo determinada a remessa dos autos ao Órgão Especial, nos termos do art. 657, do Regimento Interno desta Corte. (TJSP, Agravo de instrumento n. 598.268.4/4, Acórdão n. 3446085, Barueri, Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Grava Brasil, julgado em 20/01/2009, DJESP 10/03/2009).

Quanto aos tribunais superiores, apesar do STF ainda não ter emitido julgamento enfrentando diretamente o assunto, o STJ já reconheceu a necessidade de equiparação do cônjuge e companheiro no que diz respeito ao direito sucessório, conforme se verifica:

DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA. SITUAÇÃO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE.  EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. 1.- O Código Civil de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada, conferia ao cônjuge sobrevivente  direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que casado sob o regime da comunhão universal de bens. 2.- A Lei nº 9.278/96 conferiu direito equivalente aos companheiros e o Código Civil de 2002 abandonou a postura  restritiva do anterior, estendendo o benefício a todos os cônjuges sobreviventes, independentemente do regime de bens do casamento. 3.- A Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao incumbir o legislador de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o casamento, conduz também o intérprete da norma a concluir pela derrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação, em antecipação ao que foi finalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002. 4.- Recurso Especial improvido. (REsp 821660 / DF. STJ. Relator Ministro Sideni Beneti. j. 14.06.2011).

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 1.790, INCISOS III E IV DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. CONCORRÊNCIA COM PARENTES SUCESSÍVEIS. Preenchidos os requisitos legais e regimentais, cabível o incidente de inconstitucionalidade dos incisos, III e IV, do art. 1790, Código Civil, diante do intenso debate doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria tratada. (AI no REsp 1135354 / PB. STJ. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. j. 24.05.2011).

Resta evidenciado, pois, um posicionamento cada vez mais presente dos tribunais em reconhecer a inconstitucionalidade, no todo ou em parte do artigo 1.790 do Código Civil; defendendo-se, com isso, uma plena equiparação de direitos sucessórios entre ambas as entidades familiares – casamento e união estável – uma vez que ambas são calcadas no mesmo elemento: o afeto.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Hugo Vinícius Oliveira. A desigualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4267, 8 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31766. Acesso em: 29 mar. 2024.

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