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Representação popular e Justiça do Trabalho

26/01/2015 às 16:15
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Este pequeno texto propõe a democratização do Poder Judiciário Trabalhista pela eleição de 2/3 dos juízes por parte do povo.

Há alguns anos foi extinta a representação classista junto à justiça do trabalho. Decisão esta festejada pela magistratura, com apoio incondicional de Antônio Carlos Magalhães, ele mesmo, os juízes indicados pelos sindicatos passaram, a partir de 2000, a ser cargos em extinção. Cheguei, como juiz do trabalho substituto, a trabalhar com alguns juízes classistas. Confesso, também, que fui um dos primeiros a festejar a extinção desta forma de representação.

Consagramos, com a extinção da representação classista, o princípio constitucional da eficiência, artigo 37, cabeça, da CF/88 e, com isso, perdemos humanidade, contato com as mais váriadas profissões e ocupações, com trabalhadores, suas realidades e sua mazelas. Trocamos eficiência econômica por vida e realidade material da parte mais fraca da sociedade. Jogamos as demandas judiciais dos trabalhadores unicamente nas mãos dos técnicos, técnicos estes gestados muito longe da realidade material da classe trabalhadora.

Hoje, contudo, quanto aos classistas, penso um pouco diferente. Não acho que deveriam ser indicados pelos sindicatos, mas sim pelo povo, eleitos de forma direta por ele e exercendo mandado[1]. Acho que deveria haver representação técnica e popular dentro da justiça do trabalho, com decisões pautadas na lei evidentemnte[2], mas temperadas de humanidade e de conhecimento prático da vida laboral. Dois terços de seus membros magistrados deveriam ser indicados pelo povo, eleitos pelo povo por mandatos de quatro anos[3]. Não vou defender isso com relação às demais justiças porque não as conheço e seria, no mínimo, irresponsável de minha parte escrever sobre elas. Falo daquela que conheço um pouco.

Mas por que faço esta proposta?

De uns anos para cá venho observando que nós, juízes do trabalho, nos distanciamos do povo. Nos afastamos por demais das pessoas que trabalham e que, dia a dia, acabam nas nossas salas de audiência. Nossa vida material hoje é pequeno burguesa, mais próxima, quem sabe, da classe que admite trabalhadores, ou seja, da minoria do que da maioria. Somos o menos 1% da população com mais de dez anos de idade[4] e não refletimos e não temos o mínimo contato com o ambiente de trabalho subordinado.

Somos hoje advogados, economistas, micro, médios e até, em poucos casos claro, grandes empresários, administradores (todos estes, salvo advogados claro, com faculdade de direito também). Não somos, na grande maioria das vezes, operários, jornalistas, enfermeiros, professores (à exceção para complementar renda), entregadores de pizza, propagandistas vendedores, impressores, operadores de fotocopiadoras, domésticos. Não estamos próximos da realidade daqueles que julgados. Não somos próximos do povo e das pessoas. E é por isso que devemos, agora, nos reunir e repensar nosso papel na sociedade e, em razão disso, admitir que o povo participe de nossos conselhos, comissões, burocracias úteis e inúteis e de nossas decisões judiciais, neste último caso como juízes.

O operário tem direito de escolher quem vai dizer se ele trabalha ou trabalhou em condições insalubres... Se é possível, no mundo prático claro, propor ação judicial enquanto empregado da empresa. E vai votar em quem vai dizer isso! E a regra (em tese) é que vá escolher alguém que como ele trabalha ou trabalhou exposto a agentes insalubres, ou que pôde (ou não) ajuizar demanda judicial enquanto empregado da empresa. A regra, atualmente, é que a magistratura não sabe o que é insalubridade. Não sabe o que é insegurança no trabalho!

De outro lado, é bom que o povo se aproxime de nós juízes para que possamos aprender o que é trabalhar de forma subordinada. Estar subordinado não é apenas estar sujeito a ordens. É recebê-las pela lógica operacional da empresa que depende, mesmo que de forma indireta, do trabalho a ser prestado, como aliás, consta hoje expressamente dos arttigos 3o e 6o da CLT. Devemos nos aproximar do povo para saber o que é assédio moral. O que é assédio sexual e o sofrimento que isso causa. O que é perder um dedo, um olho ou a mobilidade do quadril. Necessitamos que a população, que o povo, que as pessoas, nos digam e ensinem isso.

Necessitamos que o povo nos mostre, também, o que é viver com R$2.000,00 de média salarial por mês[5] ou, no caso dos terceirizados, aqueles mesmos que trabalham dentro da justiça do trabalho, o que é receber em média R$903,00 mensais. É para podermos julgar quem está nestas condições  devemos estar próximos delas.

Ainda, não podemos esquecer dos pequenos empresários. Aqueles que, contrariamente aos grandes, são muitas vezes escravizados por uma legislação tributária e fiscal desproporcional e desigual. A eles devemos dar condições de apresentar recursos de nossas decisões. Ora, está mais do que na hora de se declarar a inconstitucionalidade do depósito recursal que não é progressivo: é idêntico para o enorme e o pequenino! Aqui nos equecemos do artigo 5o da CF/88. Este empresário também tem direito de escolher seus representantes e de fazer valer sua realidade perante a nós juízes do trabalho.

Por fim, não me esqueci do grande capital. Este generosamente representado dentro da justiça do trabalho pla ideologia da lei. Ora quem condiciona e elabora as leis é o grande capital com apoio dos economistas e empresários representantes dos grandes conglomerados. E são eles que, pela dominação da imprensa (jornais, televisões e rádios), condicionam nossa (juízes) forma de pensar. Sua ética é a nossa ética, justamente porque estamos afastados do povo e não conseguimos ver, de forma nítida, a realidade da maioria da população. Suas angústias embora à nossa frente, não são percebidas. Não vemos ou ouvimos mais o povo. Vemos apenas a televisão e ouvimos apenas o rádio. Ahh, lemos o jornal (os mesmos, de norte a sul), e que dão as mesmas notícias, boa parte das vezes tendenciosas, e sem qualquer contraponto. O contraponto que está na linha de produção das metalúrgicas, nas farmácias atrás do balcão, fazendo entrevistas de campo sem liberdade de pauta, correndo o Estado (e em alguns casos o país) para dar aulas em várias faculdades para ganhar um salário digno... digno de poder comprar o que os grandes impérios econômicos impõem, não é ouvido.

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Digo tudo isso para mostrar que a nós juízes do trabalho falta povo. E essa falta se resolve com representação dele dentro das estruturas da justiça do trabalho. A "reconexão", se permitem, da justiça do trabalho com o mundo da vida passa necessariamente por isso. Tomara que um dia seja possível!


Notas

[1] Em não sendo possível a eleição direta poder-se-ia voltar à realidade dos juízes classistas.

[2] Sei perfeitamente que as leis são escritas conforme a lógica e os desejos dos mais abastados. A “ideologia” da lei é a ideologia da classe dominante, nada mais. Reformar esta estrutura é um outro passo que não me cabe aqui discutir.

[3] Também sei que o sistema eleitoral brasileiro é problemático e que os eleitos muitas vezes o são em razão do poder econômico que possuem. O que me faz ainda acreditar na forma representativa é a sua transferência apenas ao poder judiciário, com a eleição de 2/3 dos magistrados, deixando a forma direta (e apenas esta) para o legislativo, para a edição das leis, através dos sistemas modernos de informática.

[4] http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT279240-16357,00.html - acesso 10 de setembro de 2014, às 14h52min.

[5] http://economia.uol.com.br/noticias/valor-online/2014/05/28/ibge-salario-do-brasileiro-foi-de-r-1943-em-media-por-mes-em-2012.htm - acesso 10 de setembro de 2014, às 14h48min. Note-se que a média salarial dos trabalhadores sem curso superior completo cai para R$1.400,00 mensais. São estes, na maioria, os trabalhadores que ajuzam ação na justiça do trabalho.

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Sobre o autor
Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul;<br>Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc;<br>Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha;<br>Membro da Associação Juízes para a Democracia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Rafael Silva. Representação popular e Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4226, 26 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31857. Acesso em: 28 mar. 2024.

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