Poder público e poder privado

20/09/2014 às 14:33

Resumo:


  • O debate político contemporâneo tem se concentrado na distribuição da riqueza, desviando-se do tema central que é a distribuição do poder.

  • A divisão entre esfera privada e esfera pública da cidadania é essencial para compreender a codificação dos poderes privado e público.

  • A estratégia de desqualificar o funcionalismo público e desvalorizar a lealdade à república pode transformar os regimes republicanos em monarquias disfarçadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente trabalho foi realizado utilizando como base de pesquisa o livro de David Marquand, Decline of the Public - The Hollowing-out of Citizenship.

O debate político na atualidade como um todo tem se desviado do tema principal: A distribuição do Poder. Toda discussão centra-se quase que na totalidade na distribuição da riqueza. Não que a riqueza não tenha a sua relevância, ou ate mesmo determinante na discussão publica, nem que seja facilmente possível discutir o poder sem discutir a riqueza a exemplo da Teoria Pura do Direito de Kelsen, mas com certeza não conseguimos discutir a riqueza ou a sua divisão (distribuição) sem discutirmos o poder e quem é detentor desse poder.

É muito provável que todo o processo que a historia moderna (XVII – atual) tenha nos deixado certo legado de confusão onde por muitas vezes deixamos de lado a política do debate político. Ao afirmarmos que algo é publico ou privado, genericamente é compreendido que estão em discussão determinados setores da economia, e não como deveria ser natural, dos limites entre o individual e o social, e todo aquele que ousar insistir neste embate de idéias (tão necessário para a elevação da coisa social) poderá ser considerado uma pessoa ultrapassada, que vive preso a um passado romântico, distante.

A tensão entre a esfera privada dos pensamentos individuais, das emoções, das ações e a esfera publica da cidadania é o ponto esmiuçado da codificação dos poderes privado e publico. Podemos desmembrar a questão social dos dois domínios tradicionais (publico e privado) em três, sendo:

  • O domínio privado, que não se iguala com a terminologia corrente chamada simplesmente de setor privado; este domínio privado define-se por referência às pessoas reais, seus pensamentos e emoções, suas relações de amizade, de família, os valores subjetivos, a moral individual e seus interesses individuais econômicos ou não;
  • O domínio do mercado e da troca, que se ocupa apenas do que é possível realizar transações e conseqüentemente não coincide com o domínio privado, embora possa este possa ser inserido naquele;
  • e o domínio público (da política) propriamente dita, que pode incluir o setor público da economia e seus poderes, e igualmente ao domínio anterior, não coincide inteiramente com ele. O domínio público pode ser considerado "o domínio da cidadania, da igualdade e do serviço público. A sua integridade é indispensável ao governo democrático e ao bem estar social. Tem a sua própria cultura e os seus próprios métodos de decisão. Nele, a cidadania prevalece tanto sobre o poder do mercado como sobre os laços de família. [... ] Só pode tomar forma numa sociedade em que a noção de interesse público, distinto dos interesses privados, se tenha enraizado."

A republica pode ser considerada um artefato. Então quem é o artífice? Podemos compreender através da historia que a coisa publica foi construída pela elite intelectual e política (Iluminados) ao longo do século XIX e principio do XX com grande paciência, hoje sofrendo golpes para sua destruição destes outros Iluminados, herdeiros políticos da guerra fria, mas que não possuem a mesma paciência e pensamento de igualdades.

Na questão do poder, a monarquia fez uso abusado do poder ate o século XVIII, onde o poder político era essencialmente privado. A monarquia residia nas diferenças das pessoas sem que fosse necessária a imposição de uma distinção: ou você nascia nobre ou não.

Com a Revolução, houve uma modificação na forma como se conquistaria esta distinção. Em 1840 alguns lúcidos (Gladstone, e tantos outros antes e depois dele), reconhecendo que o economicamente possível e o politicamente possível só são conciliáveis no âmbito de uma polis, e assim trataram de projetá-la e a construir. A polis para ser funcional deve possuir igualdade e ser elitista. Igualitária porque todos devem ser iguais na cidadania; elitista porque as diversas formas de autoridade exigem legitimações diferentes.

Hoje, temos a republica instalada e em processo de auto-afirmação, e o que ocorre de forma ampla na atualidade é a demonização do funcionalismo público; a sujeição dos seus quadros superiores a um dever de lealdade pessoal aos governantes enquanto pessoas privadas em detrimento das pessoas públicas que eles também são - e em detrimento, sobretudo, da lealdade que devem à república; a desautorização das classes profissionais; a obsessão com tudo o que seja objetivos quantificáveis e a destruição irresponsável e bárbara de tudo o que o não é.

Toda esta estratégia conduz à transformação dos regimes republicanos em monarquias disfarçadas ao serviço de detentores de poder não oficializado, não publico que visam única e exclusivamente beneficiar determinados grupos.

A única forma de evitar toda esta multiplicidade de efeitos negativos sobre os regimes republicanos modernos seria competir exclusivamente ao governo definir o que é o bem público e como o poder outorgado ao Estado deveria agir, porem este mesmo Estado encontra-se viciado na mesma rotina doente, não permitindo que o sonho real da republica seja realizado, e este é mais do mesmo problema. 

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Sobre o autor
Rafael Antonio Pinto Ribeiro

Amante da (boa) política. <br>Membro do Observatório de Direito Penal Econômico da Universidade Positivo.<br>Membro integrante do Conselho de Ética e Pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais Econômicas do Paraná

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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