O Mercador de Veneza.

Um olhar jurídico

20/09/2014 às 14:35
Leia nesta página:

Apontamentos Jurídicos quanto ao romance de William Shaeskpeare

Shylock era um judeu que vivia em Veneza praticando o empréstimo a juros, ato proibido porem aceito de forma velada pela sociedade devido a real necessidade social.

Antonio era um comerciante em Veneza que praticava o mercantilismo internacional que estava passando por uma situação de limitação financeira, com um horizonte de possibilidades que teoricamente, lhe permitia a visualização de um futuro breve melhor.

Bassânio, amigo íntimo de Antonio, passava por grandes dificuldades financeiras, e por este motivo, busca em Antonio auxilio. Este devido a sua situação acaba por não ter como lhe auxiliar de forma autônoma. Devido a relacionamento que possuía com Bassânio, Antonio lhe cede uma procuração para o levantamento de valores junto à sociedade.

Por algum motivo não explicito no enredo, Bassânio busca diretamente Shylock para solicitar empréstimo. Shylock ao ser compelido a ceder a quantia a Antonio realiza o firmamento de um contrato. Este contrato previa que Shylock cedia a Antonio 3.000 ducados sem custo de juros pelo prazo de 03 (três) meses, e no caso de não cumprimento da devolução dos 3.000 ducados a Shylock, caberia ao mesmo a execução da pena estipulada no contrato: a retirada de 01 (uma) libra de carne de Antonio.

Ao assumir tal compromisso Antonio desconsidera a possibilidade de não cumprir o acordo, por qualquer motivo que o seja, subjuga de igual forma a possibilidade de que Shylock viesse a executar tal pena prevista.

É visível no contexto geral do filme que Shylock por integrar um determinado grupo racial sofria todo tipo de agressão a sua dignidade, alem de em um passado próximo ter sofrido agressão física/moral por Antonio. Também é verdade que Shylock era uma pessoa com alta afeição a bens materiais, fator este provável pela condição de agressão que sua etnia vivia no período, onde não era permitido que judeus fossem proprietários de qualquer bem, com a exceção de valores monetários.

Após a realização do acordo, Shylock pede (mesmo que de forma não natural) para que passe a ter um relacionamento mais próximo de Antonio o que devido a sua cultura e valores acaba por lhe trazer frustração.

Lancelot, um empregado de confiança de Shylock o deixa para ir servir Bassânio, devido aos abusos que sofria na casa de Shylock.

Logo após certa confraternização na habitação de Antonio, ao chegar a sua casa toma conhecimento de que sua filha havia o abandonado e roubado por sua filha que possuía atração por Lorenzo, pessoa ligada à casa de Antonio.

Após o desenrolar do enredo principal do filme, é chegado o momento do julgamento.

A argumentação principal do advogado que surge com a missão de livrar Antonio junto à corte de Veneza utiliza como ponto principal a concessão de clemência por parte de Shylock, que refuta qualquer possibilidade de aceitação.

A exigência de Shylock era somente a execução da pena prevista no contrato de empréstimo, fato este previsto nas leis de Veneza a todo cidadão, incluindo os estrangeiros e forasteiros.

O advogado utiliza-se da necessidade da execução da lei para que esta seja cumprida e respeitada sob pena de que brechas sejam abertas e desta forma, permitir a vulnerabilidade da estrutura do Estado, o que levaria a um caos e possível ruína do mesmo.

É solicitado pelo advogado de defesa que a lei seja cumprida, permitindo assim a execução da pena prevista no contrato e o único objetivo de Shylock. A vontade de Shylock era somente a vingança por todas as violações que ele e sua etnia sofreram ate então.

É visível que a posição de Antonio durante todo o julgamento era de submissão, talvez pela crença e consciência de que ele havia realizado um ato jurídico onde havia subjugado a possibilidade do não cumprimento do acordo por sua parte, ou talvez pela consciência de todo o contexto que havia praticado contra Shylock.

No momento da execução da pena, o advogado de defesa lembra que Shylock devera cumprir a pena sem derramamento de sangue, já que o derramamento de sangue de um cristão inocente na época era previsto em lei com pena de morte para o executor. É lembrado ainda que caso Shylock não cumpra a pena será condenado já que o mesmo havia convocado o julgamento (uma espada não pode voltar à bainha sem sangue). Ao tomar consciência da impossibilidade da execução da pena sem o derramamento de sangue, Shylock refuta da execução e aceita o pagamento do acordo em duas vezes conforme proposto por Bassânio. Neste ponto o advogado intervém refutando esta possibilidade levantando o fato de que Shylock estava praticando perjúrio.

Shylock é condenado a destinar 50% de seus bens a Antonio e 50% ao Estado.

Antonio lhe concede clemência permitindo que o mesmo seja o depositário fiel dos 50% que lhe caberiam e que após a sua morte os 50% restantes de seus bens sejam destinados a Lorenzo, aquele que tomou sua filha sem consentimento. Tudo isso, com a exigência de que Shylock se converta ao cristianismo.

Pontos “jurídicos” encontrados na analise do filme:

  • Segregação racial;
  • Humilhação;
  • Condescendência social ante o fato condenável em legislação;
  • Empréstimo mediante remuneração – juros;
  • Roubo;
  • Firmamento de contrato com clausulas abusivas;
  • Firmamento de contrato e não cumprimento das clausulas;
  • Discriminação religiosa;
  • Imposição de vontade;
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Sobre o autor
Rafael Antonio Pinto Ribeiro

Amante da (boa) política. <br>Membro do Observatório de Direito Penal Econômico da Universidade Positivo.<br>Membro integrante do Conselho de Ética e Pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais Econômicas do Paraná

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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