Artigo Destaque dos editores

A constitucionalização dos direitos sociais

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

4 - O ônus de nossa redemocratização tardia

4.1 - Foi no apogeu da expansão econômica que se configurou na década de 60 e projetou-se nos anos 70, que países como Portugal e Espanha emergiram do totalitarismo de direita para uma experiência democrática, marcada, decisivamente, pela necessidade de associar-se a liberdade, tão malferida antes, com exigências de justiça social, objetivo já alcançado, de modo significativo, pelas sociais democracias européias, permanecendo, entretanto, a ambigüidade de um sistema econômico capitalista, subjacente a uma organização política com marcada vocação "redentora" de matiz socialista, compromisso provisório entre forças que se conjugaram em nome de um benefício imediato, importante para ambas, mas que permaneceram olhando para lados diferentes em termos de futuro. Dessa ambigüidade resultaram constituições marcadamente "dirigentes", um "fazer assim para ver como fica" viabilizador da convivência entre mundos que se contrapunham radicalmente naquele momento histórico. Apostava-se forte na esperança de que alguma coisa "nova" poderia surgir, fruto desse consórcio com separação de bens.

Essa crença e essa contingência levaram à formulação prolixa e quase casuística dos direitos sociais merecedores de constitucionalização. A compulsão que todos temos de acreditar que o futuro é previsível e, mais que isso, aprisionável, fez-se, aí, paroxismo. O nosso amanhã já estaria definido agora. A história estava sendo feita com antecedência, porque já predeterminados e constitucionalmente institucionalizados os "fins" a serem alcançados.

Nossa redemocratização também se consumou sob essa influência, ainda quando já bem abaladas as convicções de antes, mas, em compensação, bem robustecidas, aqui, pela fragilidade política da sociedade. E isso nos fez mais casuistas e mais prolixos, porque mais subdesenvolvidos e por força disso mais confiantes em discursos (enfáticos) que na "praxis" (raquítica).

Como já acentuei em outra oportunidade, nossa Constituição cidadã foi generosa no enunciar direitos fundamentais mas demasiadamente mesquinha, cautelosa e astuta no "assegurar" esses direitos. E isso porque o exercício do poder político, no Brasil, é algo que escapa a todo e qualquer controle social pelos governados. Não só em suas manifestações mais eminentes, de cúpula, como por igual na prática dos agentes situados nos últimos degraus da hierarquia dos que, na terra de Macunaíma, são "autoridades". Mais grave, ainda: por força da fragilidade política do povo de natureza fragmentária de nossa sociedade, organizamo-nos como um arquipélago de "autonomias", todos querendo ser suseranos, assumindo o compromisso moral, corporativo, de quitarmos os privilégios que pleiteamos e obtemos com nosso empenho em tornarmos efetiva a cidadania de nossos vassalos, como se fosse possível transformar uma relação de dependências em relação de cidadania. 8

Hoje, somos, em verdade, o campo de batalha onde se confrontam um sem-número de segmentos corporativos que buscam "mostrar serviço" de modo anárquico e disfuncional, pretendendo, com isso, justificar os privilégios que se atribuíram e querem ser mantidos.

Assim, em nosso país, aos problemas que enfrentam os países sociais democratas somamos o irrealismo com que constitucionalizamos a nossa realidade, talvez na ingênua crença de que se pode juridicizar a convivência humana sem maior preocupação de fazê-lo em harmonia com o que ela é na faticidade do social. E isso é impossível, como procuraremos demonstrar.


5 - Relações do Direito com o social, o político e o econômico

5.1 - A abordagem, portanto, que faremos, para prosseguir em nossa análise, diz respeito às relações entre o jurídico e o econômico, político e social.

Tenho buscado acentuar esse nexo, até com ênfase exagerada, justamente pela necessidade de problematizar uma postura que se fez predominante no jurista brasileiro, para me limitar aos que são de casa, fruto de uma formação positivista-formal e exegética-dogmática, acentuada de modo preocupante pela filosofia inspiradora do autoritarismo militar que imperou no país desde meados dos anos 60 até aos primeiros anos da década de 80. Foram vinte longos anos, tempo suficiente para formar uma geração e marcar decisivamente tanto a geração que o precedeu como a que sucedeu a esse período politicamente pobre e doentio do qual ainda restam miasmas no ar.

Afirmo que ele insensibilizou os juristas para os problemas políticos e até mesmo os indispôs com eles, o que os esterilizou num tecnismo morfino ou os levou a utilizar o direito emocionalmente, como instrumento libertário, ou serviu para os "arrependidos" utilizarem-no como forma de penitência. Antigos simpatizadores e usufrutuários do regime autocrático, tanto os que se beneficiaram do "falso milagre" quanto os favorecidos na partilha do poder autoritário, tornaram-se, hoje, "arautos dos novos tempos" que eles se limitam a fazer presente em um discurso jurídico esquizofrênico ou pela prática autoritária fantasiada de populismo.

As relações entre o direito e a sociedade configuram um problema de extrema complexidade, a reclamar um tratamento incompatível com os objetivos deste nosso estudo, pelo que seremos forçados a simplificar ao máximo o problema, constringindo-o em alguns enunciados que me parecem determinantes.

5.2 - Minha primeira assertativa é, sempre, a de o direito é inseparável do poder. Mesmo quando se pretenda vincular o direito à realização da justiça revestida de autoridade, vale dizer, capaz de obrigar independentemente da vontade do sujeito compelido a ser justo no caso concreto. E esse poder que acompanha o direito, com a sombra se une ao corpo, precisa ser um poder institucionalizado. Não se cuida da força bruta, nem do arbítrio, reclamando-se esteja esse poder revestido da qualidade do poder político. Todos os produtores do direito, seja o legislador, seja o administrador, seja o magistrado, ou quantos possam dizer autoritativamente o direito, integram um sistema de poder político.

5.3 - Parece-me igualmente induvidoso vincular-se o direito, umbilicalmente, ao conflito. Direito e conflito são tão inseparáveis quanto direito e poder. Numa convivência social em que os interesses jamais colidissem, o direito seria impensável, por desnecessário. Só quando se precisa decidir a quem atribuir algo que é disputado por sujeitos que se contrapõem e não se compõem é que o direito aparece como técnica social (sistema social) com função específica e insubstituível. A solução do conflito, com autoridade, é essencial para que a convivência se revista de um mínimo de segurança, indispensável para que se faça "ordem social". Podemos pensar "conceitos" jurídicos ou formular "prescrições jurídicas aparentemente alheias a qualquer conflito, mas serão, em verdade, como corpos gravitando em torno de um "centro" a quem se vinculam necessariamente e com o qual interagem em termos de sistema, e esse "centro", esse núcleo, esse Sol é o conflito.

E por que os homens conflitam? Tenho como evidente que isso se dá em função de poder o homem somar a suas necessidades básicas (aquelas que compartilha com todos os seres vivos) um sem número de necessidades que engendra culturalmente. Os psicólogos, para distingui-las das primeiras, denominam-se de "desejos": tudo aquilo de que o homem ainda precisa depois de satisfeitas suas necessidades. A isso se associa a incapacidade de o homem poder produzir tudo quanto necessário para atender a suas necessidades e desejos, donde a ineliminável interdependência entre eles, com vistas à produção de quanto necessário para isso, o que leva à divisão do trabalho social. Essa realidade convive, entretanto, com o irremediável de não se poder, ou não se ter sabido, até hoje, nas sociedades mais complexas, dividir o trabalho social em termos que correspondam a uma equitativa apropriação do produto desse trabalho social, que se faz objeto de apropriação privada em descompasso com o atendimento das necessidades e desejos socialmente existentes. Por força disso, o produto do trabalho social é apropriado atendendo a regras que são impostas por setores hemogênicos dentre quantos se inserem no processo de produção, disso resultando, sempre, necessidades e desejos insatisfeitos.

O processo econômico, não se efetivando sob o império de leis naturais, sim como resultado de decisões políticas, reclama, para que se cumpra como programado, a organização da sociedade e a institucionalização da coerção em termos que viabilizem o "projeto" politicamente definido pelos setores dominantes, ou seja, o modo pelo qual se processará a divisão do trabalho social e a aprimoração do produto desse mesmo trabalho.

Imbrica-se, portanto, o político com o econômico e ambos com o direito, técnica de solução de conflitos que o confronto dos vários interesses e desejos insatisfeitos determina, e cuja composição reclama se processe de modo institucionalizado, a fim de que se viabilize o modelo ou projeto privilegiado pela decisão política. Conclusão necessária: o direito tem o espaço que a esfera do "confronto político" lhe determina e só e capaz de realizar o que se contém nesse projeto hemogênico institucionalizado.


6 - Direito e justiça

6.1 - Se o direito é indissociável do poder e do conflito, também o é da justiça.

Nada suscita no homem maior rebeldia, nem o mobiliza mais para o confronto, do que a frustração resultante da insatisfação de necessidades que se lhe afiguram prementes. Quanto mais essencial se mostra uma necessidade para um homem, tanto maior a tensão que disso decorre e maior, por igual, sua mobilização para satisfazê-la. Acredito nada melhor definir "injustiça" que esse estado de insatisfação. Jamais vi alguém satisfeito dizer-se injustiçado ou mobilizar-se para merecer justiça. Assim, injustiça e insatisfação se apresentam como irmãs gêmeas univitelíneas e xifópagas; não há cirurgia que as separe, viabilizando-lhes vida autônoma. Uma será sempre o que a outra for, basicamente.

A política, em última instância, é apenas a arte de administrar as insatisfações, de modo a reduzir as tensões que, por excessivas, inviabilizariam a ordem social institucionalizada. Isso ela consegue realizar neutralizando os focos de resistência mais energéticos, reformulando a apropriação do produto do trabalho social de modo a satisfazer às necessidades em causa, quanto necessário para eliminar o risco da resistência exacerbada.

6.2 - Esta não é, entretanto, a única estratégia utilizada. A maneira mais eficiente de neutralizar resistências, ao invés de eliminá-las quando já manifestadas, é dissuadir os homens de resistirem, o que se logra mediante um processo de justificação (legitimação) do status quo, tarefa a cargo do poder ideológico, também institucionalizado como poder político e poder econômico. Busca-se, aqui, pela habitualização, pela educação e pela doutrinação, induzir certo tipo de comportamento e introjetar certa gama de valores que desmobilizam para resistência e levam à aceitação.

Nesse espaço ideológico é que se processa a construção do conceito e se introjeta o sentimento de justiça. Procura-se dissociar a insatisfação (material) da injustiça (valor) buscando-se para a justiça um fundamento menos concreto, pragmático, existencial. A verdade, entretanto, é que ela não é nem pode ser, senão uma resultante da correlação entre satisfação e insatisfação existente num determinado grupamento social e num determinado espaço político. E porque o direito é, não podendo deixar de sê-lo, uma imposição de satisfação de necessidades, com a correspondente e ineliminável insatisfação que acarreta desvantagem atribuída a outro sujeito (o destinatário do dever jurídico), ele é inapartável da justiça e busca na sua realização também um fundamento legitimador. Mas a justiça que o direito realiza é muito mais injustiça (insatisfação) que não admite, pelo que a ordem jurídica se apresenta como tão mais justa quanto menos insatisfação legítima. Conseqüentemente, inexiste ordem jurídica a que não corresponda a realização de alguma justiça, como inexistente ordem jurídica capaz de realizar uma justiça absoluta. O tanto de justiça alcançado por um ordenamento jurídico será sempre a resultante do institucionalizado como poder político, institucionalização que, por sua vez, imbrica numa opção econômica, que não se dá de modo arbitrário, externo e superior à sociedade, sim como resultado do que nela ideologicamente se institucionalizou, condicionada, por igual, essa ideologia, a outros fatores que interagem, sem que se possa dizer qual dentre eles é sempre predominante e decisivo.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

6.3 - Sendo assim, nenhuma dúvida pode subsistir de que o social, o político e o econômico condicionam o jurídico e que a influência, em retorno, do jurídico sobre o conjunto da sociedade e seu agir é bem pobre, embora existente. Ele é muito mais um retorno que opera em termos de "correção" que em termos de "conformação". Incapacitado de poder conformador relevante do comportamento humano, só se faz poderoso e influente na solução dos conflitos que escaparam à mediação social, operando muito mais em termos de "recomposição". Mesmo quando, aparentemente, parece "renovar", ele o faz de modo tão discreto, episódico que semelha maquiagem superficial num rosto com traços bem marcantes e indisfarçáveis. Quanto se pretenda tenha sido obra de renovação do jurista é apenas a identificação, por ele, do que já foi socialmente institucionalizado e pedia reconhecimento jurídico. E essa sensibilidade para o socialmente institucionalizado e ainda não formalmente regulado é que é, justamente, o divisor de águas entre os que fazem da prática do direito apenas uma profissão e os que, com ele, tentam contruir conhecimento a serviço dos homens.


7 - A revisão necessária

A reflexão que vem de ser feita, se correta, pede nos conscientizemos da necessidade de revisão de nosso pacto político em aspectos fundamentais.

A redemocratização do Brasil ocorreu num momento "passional" de nossa vida política, após duas décadas que pensamos pudessem ser sepultadas, como se fosse possível eliminar o passado, que se projeta sempre no presente, influenciando-o, queiramo-lo ou não. Processou-se, também, sob a força de um passado ideológico que, embora operante nas mentes, já deixara de sê-lo no concreto-histórico, problematizados que estavam tanto o socialismo real quanto a social democracia, que o liberalismo tivesse sido restaurado no trono de que fora banido. Ouso dizer mesmo, ainda que incorrendo no risco de ser acusado de excesso, que a Constituição de 1988 comporta sejam aplicados a ela os versos melancólicos e realistas de Mário Quintana: "Pobres cartazes", por aí afora/ anunciando alegrias risos/ depois de o circo já ter ido embora." Ela nos remete a um sonho que não se realizou, porque em total descompasso com o que foi institucionalizado para fazê-lo realidade e a um projeto de Estado que não se concretizou. O que é pior, incidiu em grave contradição, porque na "vocação", quis ser futuro, mas na "organização", foi passado, e um passado arcaico. Perdeu-se na indefinição, conseqüência de um impasse não superado. Nem direita, nem esquerda, nem centro; nem presidencialismo nem parlamentarismo; nem economia dirigida nem economia de mercado; nem democracia representativa nem democracia participativa; nem uma carta definidora das regras do jogo, deixada a definição de meta ao confronto político, nem uma constituição dirigente com institucionalização de instrumentos aptos à implementação dos fins constitucionalizados. Permanecemos sempre na indecisão e na indefinição do compromisso híbrido, confiantes num "compromisso futuro" que não veio.

Essa indefinição ocorreu numa realidade sócio-política e econômica extremamente diversificada, num país como nosso, em que convivem o trabalho escravo e trabalhadores organizados a nível de primeiro mundo, como os metalúrgicos de São Paulo, o latifúndio parasitário ao lado da empresa agrícola moderna, operando em termos de economia de escala. Nem podemos esquecer que nossa redemocratização também se processou num momento em que profundas transformações ocorriam no mundo desenvolvido, com inevitáveis repercussões sobre o Brasil.

A par da crise dos modelos políticos existentes e institucionalizados e das utopias que tinham sido as idéias-guia do último século, operavam-se as mudanças que punham em cheque quanto pensado antes: a internacionalização da economia, o agravamento do fosso tecnológico, o aparecimento do trabalhador intelectual, personagem sem semelhança e sem afinidade com o antigo trabalhador da linha de montagem, a revolução da informática, o conhecimento traduzindo-se, mais que nunca, uma fonte de poder, a exacerbação do pluralismo social, com a emergência de minorias atuantes e poderosas e movimentos sociais que desembocaram no fenômeno das organizações não governamentais, a tudo isso se somando a explosão demográfica e a calamidade da fome em mais da metade de um mundo que a engenharia genética se mostrava capaz de implodir, como o fizera o perigo atômico, tornando menos ameaçador com a desintegração do Leste Europeu.

Tudo isso importava o desmoronamento das certezas de ontem e apontava para um futuro ainda não percebido, mas que se tinha certeza jamais seria aquele que fora o das convicções de ontem.

7.2 - A problematização de nossas certezas também ocorrida na seara do Direito. No âmbito de nosso saber, inquietações surgiram e perguntas novas foram feitas e configuradas novas perspectivas, inclusive no campo dos direitos fundamentais.

Muitos são os que afirmam, hoje, não ser possível dar-se ao problema dos direitos fundamentais uma resposta substantiva pura, de caráter acentuadamente redutor, reclamando-se, antes, uma compreensão abrangente, que inclua também, e necessariamente, aspectos procedimentais e organizacionais. Valerá bem pouco, portanto, substantivar direitos fundamentais se, a par disso, também não se institucionalizarem procedimentos adequados e se define uma organização em consonância com os direitos fundamentais enunciados. 9

Nesse pecado capital incidimos nós. Prolixos em proclamar direitos fundamentais (substantivos), organizamos um Estado imune a todo tipo de controle social e nos limitamos a transferir, para a proteção dos direitos fundamentais, o inadequado procedimento utilizado para o nosso quotidiano e perante um Poder Judiciário institucionalizado em total descompasso com o que se proclama seria o Estado de Direito social e democrata brasileiro.

Pior ainda, operando sobre uma realidade complexa, instável, marcada por desafios constantes e crises permanentes, como analisado antes, ingênua ou irresponsavelmente pretendeu-se aprisioná-la na camisa de força de um exacerbado casuísmo, pretensioso e paralisante, cujo produto mais daninho foi a jurisdicionalização de questões políticas e constitucionalização de banalidades, forçando o judiciário a ser o que não pode ser, e isso com prejuízo para a Nação e grave risco para o próprio Poder Judiciário, ameaçado de desacreditar-se ou tornar-se um fator de ingovernabilidade. Impotentes para efetivar decisões políticas eficazes, pretendemos superar nossos problemas transmudando-os em pleitos judiciais, numa inversão que só contribui para deixar os problemas insolúveis e agravados.

7.3 - Para finalizar, queremos insistir no que temos reiteradamente afirmado - o político precede, necessariamente, o jurídico. Infelizmente, no Brasil, de modo contraditório (para um país democrata) perdura o vezo de malquistar-se a vida política, estimulada essa postura negativa pelos que fazem política encapuçados (a imprensa, os empresários, as igrejas e os muitos interesses corporativos), desvalorizando a atuação política que compromete toda a sociedade e se faz à luz do dia em todo o espaço social, quando é esta, e somente esta, a que é capaz de operar mudanças em termos de correlação de forças, conseqüentemente, redundar em ganhos efetivos de poder, pressuposto necessário para que ocorram ganhos reais de natureza social, política e econômica.

Cumpre-nos conscientizar o povo brasileiro dos riscos que decorrem dessa solerte campanha desmobilizadora. Precisamos convencer-nos, todos os brasileiros, de que Papai Noel não existe, que será inútil colocarmos nossos sapatos na beira da cama ou no peitoril da janela, na esperança de que o bom velhinho coloque neles os mimos que desejamos. Nossos sapatos permanecerão vazios, porque só o nosso empenho, nosso engajamento, nosso trabalho e nossa organização têm condições de produzir os frutos que se farão presentes. Será inútil, portanto, e frustrante, pretendermos que o Direito seja nosso Papai Noel e com suas formulações (palavras, palavras e palavras!) coloque em nossos sapatos os presentes que não pudemos adquirir com nossa luta política.


Notas

1. La constitucion como norma y el Tribunal Constitucional - Madrid, 1988 - Civitas, pág. 45

2. Teoria de la constitucion - Barcelona, 1983 - Ariel, págs. 50/51

3. O futuro da democracia - a defesa das regras do jogo - Rio, 1986, -Paz e Terra, pág. 18

4. Ama a incerteza e serás democrata - em Novos estudos CEBRAP, nº 9, julho de 1984, pág. 36

5. Democracy and distrust. A theory of judicial review - Harvard Univesity Press - 1980, pág. 3, apud Garcia de Enterria, ob. cit. pgs. 217/18

6. Paulo Bonavides, O Estado Social e a tradição política liberal do Brasil, Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol. 53, pgs. 63. e segs. Wolfgang Abendroth, El Estado de Derecho demo-crático y social como proyecto político, em El Estado Social, Madrid, 1986, Centro de Estudios Constitucionales, pgs. 15. e segs.

7. O colapso da modernização - Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial - Rio, 1992 - Paz e Terra.

8. Cidadania tutelada, em livro de Estudos Jurídicos nº 7 - Rio, 1993 - IEJ, pgs. 90. segs. e Revista de Processo, nº 72, outubro-dezembro de 1993, pgs. 124. e sgs.

9. José Joaquim Gomes Canotilho, Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organização - Universidade de Coimbra - Boletim da Faculdade de Direito, 1991, pgs. 151. e segs.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
José Joaquim Calmon de Passos

Falecido em 18 de outubro de 2008. Foi advogado e consultor jurídico em Salvador (BA), coordenador da Especialização em Direito Processual da Universidade Salvador (UNIFACS), professor catedrático de Direito Processual da Universidade Federal da Bahia (aposentado)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, José Joaquim Calmon. A constitucionalização dos direitos sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -335, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3197. Acesso em: 20 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos