Homicídio intrauterino

19/09/2014 às 23:44
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Assume relevante importância sabermos identificar o início da vida, pois, no homicídio, é protegida a vida humana extrauterina. Logo que o feto se desprende do útero materno, há vida humana que o Direito Penal tutela por meio da incriminação do homicídio.

Assume relevante importância sabermos identificar o início da vida, pois, no homicídio, é protegida a vida humana extrauterina. Logo que o feto se desprende do útero materno, há vida humana que o Direito Penal tutela por meio da incriminação do homicídio.

Nélson Hungria destaca que o Código Penal pátrio “compreende sob o nomen juris de homicídio (ressalvada a hipótese especial do infanticídio) até mesmo a destruição do feto (durante o parto, isto é, antes mesmo de verificar-se a possibilidade de vida extra-uterina.”1

Você deve ter estranhado o grande mestre do Direito Penal, Nélson Hungria, defender que pode ocorrer um homicídio mesmo durante o parto, isto é, intra-uterino, antes mesmo de verificar-se a possibilidade de vida extra-uterina, mas não se preocupe, no estudo da diferença entre aborto e infanticídio, veremos que, se a morte ocorrer antes do início do parto, o crime será o de aborto, se ocorrer depois do início do parto, haverá infanticídio, se a mãe estiver em estado puerperal, caso contrário, haverá homicídio.

Bittencourt apresenta lição quase semelhante:

“A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco aminiótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui o crime de homicídio.”3

O insigne doutrinador só cometeu, data venia, um pequeno lapso. Com o início do parto, se a mãe estiver em estado puerperal, o delito será o de infanticídio.

Resumo didático

Início da vida: com o início do parto.

Início do parto: rompimento do saco amniótico.

Importância prática

a)      Antes do início do parto, em tese, o crime será o de aborto.

b)     Iniciado o parto, em tese, o crime será de homicídio ou infanticídio.

Vou usar de forma didática os personagens Tício e Mévio, para você entender como o tema pode ser explorado no contexto prático.

CASO CRIMINAL No 1

Tício, com animus necandi, desferiu três tiros em Mévia. Apresente a solução jurídica, considerando que:

a)  Tício sabia que Mévia estava grávida;

b)  Mévia morreu em decorrência dos tiros.

Pergunta-se: Tício cometeu qual(is) crime(s)?

Resposta: Tício cometeu o crime de homicídio doloso e aborto sem o consentimento da gestante, em concurso formal impróprio, (art. 70, caput, 2a parte), aplica-se, in casu, a regra do acúmulo de penas, prevista para o concurso material.

CASO CRIMINAL No 2

Mévio, com animus necandi, desferiu três tiros em Tícia. Apresente a solução jurídica, considerando que:

a)  Mévio sabia que Tícia estava grávida;

b)  Os tiros foram efetuados no momento em que Tícia estava em trabalho de parto;

c)   A perícia constatou que, no momento dos tiros, já tinha havido o rompimento do saco amniótico;

d)  Tícia e a criança morreram em decorrência dos tiros.

      Pergunta-se: Mévio cometeu qual(is) crime(s)?

Resposta. Agora, amigo(a), você vai entender porque o grande Hungria e a maioria doutrinária defende que pode haver homicídio mesmo durante o parto, pois, no caso em comento, Mévio responderá por dois homicídios dolosos em concurso formal impróprio. Mas, Professor Dirceu, dois homicídios? Sim, um por ter matado Tícia e outro por ter matado a criança. Lembre-se de que a vida começa com o rompimento do saco amniótico. É a exceção ao requisito do homicídio, “vida extra-uterina”.

RESUMO DIDÁTICO

a)      “Morte” dolosa do nascente antes do rompimento do saco amniótico = aborto.

b)     Morte dolosa do nascente depois do rompimento do saco amniótico = o crime será o de homicídio ou infanticídio.

NOTAS

Texto integrante do livro Direito Penal parte Especial, Série Universitária, Editora Campus/Elsevier (Lançamento em novembro de 2014).

1 Comentários ao Código Penal. 1942, v. V, p. 33.

2 MAGGIORE, op. e loc cits.; ROBERTO LIRA, op cit., v I. p. 43.

3 Nesse sentido: BITTENCOURT, Cézar Roberto. Código Penal Comentado. Editora Saraiva, 2002.

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Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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