A evolução do trabalho humano e o surgimento do Direito do Trabalho

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Resumo:


  • O trabalho humano originou-se com a necessidade do ser humano de satisfazer suas necessidades básicas de sobrevivência, evoluindo até a economia de subsistência, onde não havia distinção entre espaço familiar e trabalho.

  • As transformações nas relações sociais e a satisfação de necessidades ampliadas contribuíram para a criação de novas formas de trabalho, desencadeando a separação entre trabalhadores e os meios de produção, especialmente no sistema capitalista.

  • O Direito do Trabalho surgiu como resposta às demandas por uma regulação que protegesse os trabalhadores das explorações e abusos nas relações de trabalho, promovendo justiça e equilíbrio entre empregados e empregadores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este trabalho tem por objetivo apresentar a evolução do trabalho humano desenvolvida ao longo do período histórico e sua contribuição para o surgimento do Direito do Trabalho no mundo Ocidental e Oriental.

1. INTRODUÇÃO

A história do trabalho humano teve sua origem quando o ser humano buscou satisfazer suas necessidades biológicas de sobrevivência. Na economia de subsistência, o trabalhador decidia o que produzir, como produzir, quando e a que ritmo, era dono do seu tempo.

Não existia separação entre o espaço familiar e o trabalho, optavam pela duração e a intensidade do trabalho, de acordo com as necessidades de produção.

À medida que as necessidades foram sendo satisfeitas, ampliaram-se, contribuindo para a criação de novas relações, que passaram a determinar a condição histórica do trabalho.

Pois bem, o sistema capitalista reduziu a atividade vital humana, ou seja, o trabalho em emprego, e, no contexto atual, tirou da grande maioria da humanidade até mesmo esta forma reduzida e exploradora através da qual homens e mulheres produziam suas vidas.

O trabalho humano desenvolvido ao longo da história da humanidade é de tamanha importância que a filósofa Hannah Arendt em sua obra A Condição Humana visa esclarecer as estruturas que condicionam a experiência humana ou as constantes desta experiência. O caminho escolhido por ela foi o de investigar o sentido e os modos das atividades humanas e suas respectivas dignidades.

Destaca-se também que o Direito do Trabalho exige um acompanhamento contínuo às evoluções na sociedade no que tange as relações trabalhistas, pois a cada momento surge uma situação inovadora, a qual nem sempre existe respostas em códigos, leis e na Constituição Federal, razão pela qual o Direito do Trabalho deverá fazer uso de princípios, analogias, direito comparado, jurisprudência e juízos de valores. E assim a Justiça do Trabalho fará valer suas imposições através do uso de interpretações flexíveis conjugadas com o que dispõe a lei, tendo uma aplicação mais moderna e dinâmica.

O Objetivo Geral deste trabalho é diagnosticar as causas do surgimento do Direito do Trabalho. E os objetivos específicos são: verificar a essência do Trabalho Humano na visão crítica dos filósofos Hannah Arendt, John Locke e Karl Marx; descrever a evolução histórica do trabalho humano; identificar as transformações que o Direito do Trabalho trouxe para a Sociedade; e sugerir algumas perspectivas para o Direito do Trabalho no futuro.

Apontam-se no Primeiro Capítulo as disposições doutrinárias de Hannah Arendt, John Locke e Karl Marx, todos com uma visão crítica diversificada sobre a essência do Trabalho Humano, sua valorização e proporções. Neste capítulo, os pensamentos de cada filósofo serão abordados de forma fracionada. A exposição deste Capítulo se faz muito necessária, pois revela que a preocupação em se definir o significado e as origens filosóficas da atividade enquanto Trabalho Humano, bem como suas consequências e interdisciplinaridades com outros setores, já eram tratadas bem antes de se haver uma solidificação do Direito do Trabalho.

No Segundo Capítulo discorre-se uma visão ampla sobre a evolução do trabalho humano desde a pré-história até os dias de hoje, identificando o trabalho de subsistência, de caça e pesca na pré-história; a escravidão na Idade Antiga; na Idade Medieval o feudalismo; E por fim, a evolução do trabalho humano do Século XV até a Idade Contemporânea. Destacando-se que a medida que os ideais dos seres humanos iam mudando, a forma de sobrevivência e produção também iam acompanhando essa modernização do pensamento, como prova disto está o inevitável surgimento do Capitalismo, impulsionado também pela eclosão das revoluções industriais e tecnológicas.

No Terceiro Capítulo será dada ênfase as causas do surgimento do Direito do Trabalho e suas transformações na sociedade, fazendo uma abordagem sobre o fenômeno jurídico da “Flexibilização do Direito do Trabalho”. E no Quarto Capítulo serão apontadas algumas perspectivas para o Direito do Trabalho.

A posição defendida neste trabalho é a de que os vícios e as consequências da liberdade econômica e do liberalismo político, maquinismo, as lutas de classes com as consequentes rebeliões sociais, desigualdade econômica e social, e a exploração da mão de obra contribuíram para o surgimento do Direito do Trabalho, com o propósito de que nas relações entre os empregados e os empregadores haja equilíbrio e justiça através da regulamentação dos direitos e deveres entre eles.

No entanto, na medida em que o Direito do Trabalho tenta equilibrar as relações trabalhistas, o crescimento exacerbado do capitalismo, da globalização, da internacionalização do trabalho, avanços tecnológicos, telecomunicações, entre outras condições, acabam por tornar inoperante o reconhecimento dos direitos trabalhistas, uma vez que vem prevalecendo os empregos informais, robotização de mão de obra, desvalorização do trabalho humano, etc.

E no intuito de que sejam amenizados os impactos destas perspectivas para o Direito do Trabalho é que se busca a aplicação de uma Flexibilização do Direito do Trabalho de forma moderada, qual seja a adaptação da legislação às crescentes necessidades da economia.

Diante do exposto, pode-se destacar a imensa relevância social e científica da problemática desenvolvida neste trabalho científico, que terá a intenção de contribuir com a reflexão e discussão em torno do mencionado assunto, a fim de que se chegue a conclusão de que o trabalho humano evoluiu de forma tão rápida e sistemática que necessitou de normas que regulamentassem as atividades laborais, daí a importância do surgimento do Direito do Trabalho, e como a evolução destas atividades não param, indica-se que, a Flexibilização do Direito do Trabalho é uma das formas de se tentar evoluir e acompanhar o Direito do Trabalho.


2. O TRABALHO HUMANO NA VISÃO CRÍTICA DOS FILÓSOFOS

2.1. HANNAH ARENDT

Hannah Arendt identifica três conceitos fundamentais em: A Condição Humana, que constituem a gênese da sua antropologia filosófica – o labor, o trabalho e a ação. A estas três atividades correspondem três condições humanas: vida, pertencer ao mundo e pluralidade1.

A condição humana de Arendt diz respeito às formas de vida que o homem impõe a si mesmo para sobreviver. São condições que tendem a suprir a existência do homem. As condições variam de acordo com o lugar e o momento histórico do qual o homem é parte.2

Considera ainda uma distinção entre duas esferas da vida humana: a esfera privada que corresponde as atividades do trabalho e labor; e a esfera pública que corresponde a atividade da ação.

Para ela o labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano em que o crescimento espontâneo e eventual declínio têm relação com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é a própria vida.

Já o trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência não obrigatoriamente contida no eterno ciclo vital da espécie. O trabalho, segundo Arendt, produz um mundo artificial de coisas, diferente de qualquer ambiente natural.

É pertinente dizer que para a Hannah, o trabalho não é intrínseco, constitutivo, da espécie humana, em outras palavras, o trabalho não é a essência do homem. O trabalho é uma atividade que o homem impôs à sua própria espécie, ou seja, é o resultado de um processo cultural.

Para Hannah Arendt o acúmulo de riqueza não teria sido aproveitado na produção de bens duráveis. O que ocorreu é que a perda do mundo, que havia sido a marca do processo de desapropriação, passou a determinar o modo de vida desde então.

Em sua visão crítica de avaliar a humanidade e suas relações Hannah percebeu que a população tinha sido arremessada a um estado de miséria em que o que contava era só a manutenção da vida. O traço característico dessa situação, que consiste na valorização estrita dos bens que servem para serem consumidos imediatamente no processo vital, impregnou o modo de ser de toda a experiência moderna.

Hannah Arendt indica que tal situação acarretou uma disposição nova do conjunto das atividades do homem. O labor, atividade pela qual a vida é sustentada, foi considerado tradicionalmente a menos nobre das atividades humanas. No labor está se entretido apenas com a dimensão biológica do humano e é por esse motivo que seu agente é chamado de "animal laborans"3.

O prestígio dado à figura do "homo faber" na modernidade acarretou o enorme desenvolvimento técnico, primeiramente o critério que determinou esse desenvolvimento fez com que se promovesse a produção de coisas que eram acrescentadas ao mundo. Ele se justificava na medida em que dele resultavam produtos. No momento seguinte, a força contida neste processo, a sua própria produtividade, foi de tal forma impactante que sua importância passou a ser maior que a de seus produtos.

A fenomenologia da "vita" ativa de Hannah Arendt inicia-se com a distinção entre as atividades do labor e do trabalho. As distinções feitas na consideração da "vita" ativa baseiam-se na maior ou menor aparência das várias outras atividades - na sua visibilidade. O labor é a mais obscura das atividades. Os bens que dele resultam são também os menos duráveis. O que se obtém no processo do labor deve ser logo consumido. Bens de consumo não adentram o domínio do mundo, pois não têm a necessidade de durabilidade.

O trabalho, diferentemente, constitui o mundo. Ele objetiva a produção de bens duráveis. A obra de arte constitui o caso extremo e mais puro do empreendimento do trabalho exatamente porque dela se espera uma durabilidade indefinida. É possível que o trabalho possa ser feito no isolamento. O que importa é que a coisa criada no isolamento necessita ganhar visibilidade e que exista um público que a reconheça.

O “trabalho” é atividade de transformar coisas naturais em coisas artificiais, por exemplo, uma madeira da árvore retirada para construir casas, camas, armários, objetos em geral. É pertinente dizer que para a Hannah, o trabalho não é intrínseco, constitutivo, da espécie humana, em outras palavras, o trabalho não é a essência do homem. O trabalho é uma atividade que o homem impôs à sua própria espécie, ou seja, é o resultado de um processo cultural.

Hannah Arendt identifica três formas dicotômicas de trabalho: o improdutivo e produtivo; o qualificado e não qualificado; o intelectual e manual.

Hannah tem a intenção de mostrar a fraqueza do pensamento de Karl Marx, para isso ela diz que o conceito de trabalho usado por Marx, é um conceito comum de sua época: trabalho é trabalho produtivo. Segundo a autora esse conceito de trabalho produtivo, isto é, trabalho que produz objetos, matéria; eclodiu das mãos dos fisiocratas.

Marx, um dos maiores filósofos sobre o tema trabalho, tentou constantemente reinterpretar o trabalho à imagem da atividade da fabricação — novamente à custa da atividade política.

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Hannah retirou esta distinção entre trabalho [labor] e obra [trabalho] de uma observação casual de Locke, que fala do “trabalho de nosso corpo e da obra de nossas mãos”.

Com o avanço do processo de industrialização haveria de designar algum nome para todo aquele trabalho que não estava ligado ao trabalho industrial, daí nasceu o trabalho intelectual em contraposição ao trabalho manual.

Tanto o trabalho intelectual quanto o manual fazem uso das mãos quando colocados em prática. O intelectual precisa das mãos para escrever seu pensamento. Nesse sentido o trabalho intelectual também é trabalho manual.

É dessa forma que o trabalho intelectual é integrado dentro do conceito “trabalho” da revolução industrial. A ideologia que atravessa os tempos modernos é a seguinte: Qualquer coisa que se faça tem que ser necessariamente produtivo, tudo deve ser transformado em mercadoria.

A força de trabalho é aquilo que o homem possui por natureza, só cessa com a morte. Diferente do produto, a força de trabalho não acaba quando o produto termina de ser produzido. Portanto, a força de trabalho é aquilo que Hannah Arendt entende por “labor”. Para ela uma mesa pode durar anos e o pão dura, quando muito, dois dias. O trabalho é força gasta para produzir a mesa. O labor é a força dispendida para produzir o pão.

Em suma, o homem se torna dependente daquilo que produz. E para a autora, torna-se dependente é tornar-se condicionado.

Não é possível, dentro dos termos de Arendt, existir trabalho sem labor, ainda que seja possível o inverso. Ao passo que o labor produz a matéria para incorporá-la ao organismo, o trabalho a produz para que esta seja usada na produção de outros objetos e na materialização do abstrato.

Outra distinção entre trabalho e labor consiste em que, enquanto o labor exige o consumo rápido ou imediato, o trabalho não. A lógica do trabalho é a durabilidade dos objetos. Sua durabilidade permite a acumulação e estoque dos objetos.

Ao trabalhar, os homens produzem as necessidades vitais que devem alimentar o processo vital do corpo humano, o que significa que a atividade do trabalho nunca chega a um fim enquanto durar a vida; ela é infinitamente repetitiva.

Diferentemente da atividade da fabricação, cujo fim é atingido quando o objeto está terminado, pronto para ser adicionado ao mundo comum das coisas e dos objetos, a atividade do trabalho se move sempre no mesmo círculo prescrito pelo organismo vivo, e o fim de suas fadigas e penas só chega com o fim.

Em outras palavras, o trabalho produz bens de consumo, e trabalhar e consumir são apenas dois estágios do sempre-recorrente ciclo da vida biológica.

O trabalho, diferentemente de todas as outras atividades humanas, permanece sob o signo da necessidade, a “necessidade de subsistir”, como Locke costumava dizer, ou a “eterna necessidade imposta pela natureza”, nas palavras de Marx. Portanto, a verdadeira meta da revolução em Marx não é meramente a emancipação das classes trabalhadora ou operária, mas a emancipação do homem em relação ao trabalho.

Esta emancipação, para Arendt, na medida em que é mesmo possível, não se dá com a emancipação política (a igualdade de todas as classes de cidadãos), mas através da tecnologia, ou seja, o consumo, enquanto um estágio do movimento cíclico do organismo vivo, também é em certo sentido trabalhoso.

Os bens de consumo, o resultado imediato do processo de trabalho, são as menos duráveis das coisas tangíveis. Depois de uma breve permanência no mundo, retornam ao processo natural que os forneceu, seja através da absorção no processo vital do animal humano, seja por deterioração;

Mas, enquanto o trabalho, no sentido de produção de qualquer coisa durável é bastante “improdutivo” e fútil, ele é altamente produtivo em um outro sentido. A potência de trabalho do homem é tal que ele produz mais bens de consumo do que é necessário para sua própria sobrevivência e a de sua família.

Esta abundância, por assim dizer, natural do processo de trabalho permitiu aos homens escravizar ou explorar seus semelhantes, liberando-se assim do fardo da vida; e embora esta liberação dos poucos tenha sido alcançada sempre pelo uso da força por uma classe dominante, nunca teria sido possível sem essa fertilidade inerente ao próprio trabalho humano.

Para Hannah os homens sempre são seres condicionados, pois além das condições nas quais a vida é dada ao homem na Terra e, até certo ponto, os homens constantemente criam as suas próprias condições que a despeito de sua variabilidade e sua origem humana, possuem a mesma força condicionante das coisas naturais.

Arendt diz que parece ser da natureza das condições da vida que a única vantagem possível da fertilidade da humana força de trabalho consista em sua capacidade de prover as necessidades da vida de mais de um homem ou de uma família.

O trabalho, aprisionado no movimento cíclico do processo biológico, não tem, propriamente falando, nem um começo nem um fim4 — apenas pausas, intervalos entre a exaustão e a regeneração. A ação, embora possa ter um começo definido, nunca, tem um fim previsível.

Esta grande confiabilidade da obra se reflete no fato de que o processo de fabricação, ao contrário da ação, não é irreversível: toda coisa produzida por mãos humanas pode ser destruída por elas.

Sozinho com a sua imagem do futuro produto, o “homo faber” é livre para produzir, e sozinho novamente ante a obra de suas mãos, ele é livre para destruir. Ele torna-se senhor e mestre da própria natureza na medida em que viola e parcialmente destrói o que lhe foi dado5.

Do ponto de vista do ”homo faber” 6 , o homem é um “fabricante de ferramentas”. É claro que as ferramentas e utensílios são empregados também no processo de trabalho, mas estes utensílios assumem um caráter e uma função diferentes quando são usados para trabalhar, eles servem para aliviar a carga e mecanizar o trabalho do trabalhador, enquanto que as ferramentas da fabricação são projetadas e inventadas para a fabricação das coisas.

Ademais, todo processo de fabricação produz coisas que duram consideravelmente mais que o processo que as trouxe à existência, enquanto que em um processo de trabalho, que gera esses bens de “curta duração”, as ferramentas e instrumentos que são usados são as únicas coisas que sobrevivem ao próprio processo de trabalho.

Eles são as coisas de uso para o trabalho e, como tais, não resultam da própria atividade do trabalho. O que domina o trabalho com o próprio corpo, e incidentalmente todos os processos de fabricação realizados no modo do trabalho, não é nem o esforço propositado nem o próprio produto, mas o movimento do processo e o ritmo que ele impõe aos trabalhadores.

Os utensílios do trabalho são tragados por este ritmo em que o corpo e a ferramenta giram no mesmo movimento repetitivo — até no uso das máquinas, que são mais bem ajustadas à execução do trabalho, devido a seu movimento, não é mais o movimento do corpo que determina o movimento do utensílio, mas o movimento das máquinas que compele os movimentos do corpo e, em um estágio mais avançado, o substitui completamente.

Hannah diz ser bastante significativo que se o homem deve ser “ajustado” à máquina ou se a máquina deve ser ajustada à natureza do homem nunca tenha sido levantada a respeito dos meros instrumentos e ferramentas. E a razão disto é que todas as ferramentas da manufatura permanecem a serviço da mão, ao passo que as máquinas realmente exigem que o trabalhador as sirva, ajuste o ritmo natural do seu corpo ao movimento mecânico delas.

Em seus estudos, Hannah revela ainda que o animal laborans, compelido pelas necessidades do corpo, não usa este corpo livremente como o homo faber utiliza as mãos que são os instrumentos primordiais. Para ela, o fato de que a escravidão e o banimento no isolamento do lar constituíam a condição social de todos os trabalhadores antes da era moderna deve-se basicamente à própria condição humana. Dizia também, que a escravidão era a condição social das classes trabalhadoras, porque se acreditava que ela era a condição natural da própria vida.

Hannah defendia que o aperfeiçoamento dos nossos instrumentos de trabalho (robôs mudos com os quais o homo faber ocorreu em auxílio do animal laborans, em contraposição aos instrumentos humanos dotados de falas; como o escravo doméstico dos antigos, em que o homem de ação tinha que subjugar e oprimir sempre que desejava libertar o animal laborans de sua servidão), tornou o duplo labor da vida, o esforço de sua manutenção e a dor de gerá-la.

Hannah argumenta que vivemos numa sociedade de operários, porque somente o labor tem possibilidade de produzir a abuncância; e transformamos o trabalho em labor. A fabricação é o trabalho do homo faber, e consiste segundo Hannah, na reificação.

Hannah ainda afirma que os utensílios e instrumentos do homo faber, dos quais advém a noção de instrumentalidade, determinam o trabalho e a fabricação. É em atenção ao produto final que as ferramentas são projetadas e os utensílios são inventados, e é o produto final que organiza o próprio processo de trabalho, determina a necessidade de especialistas, a quantidade de cooperação, o número de auxiliares e etc.

2.2. JOHN LOCKE

John Locke era um contratualista que defendia a propriedade como sendo um direito natural conquistado antes da instituição do estado social, através do trabalho do homem. Para ele, propriedade é sinônimo de vida, liberdade e bens7.

Com a intenção de superar a doutrina hobbesiana, Locke esforçou-se por criar um direito de propriedade ainda no estado de natureza, que concedesse aos particulares um modo de se defenderem contra os abusos provocados pelo poder.

Diante do fato de tudo pertencer aos homens em comunidade e atento à hipótese de que tudo fora disposto para utilização da humanidade, deveria haver uma maneira a fim de que qualquer um pudesse se apropriar das frutas, dos animais e até da terra, tornando-os parte de seu domínio privado e contribuindo para o seu sustento.

Foi então que Locke atribuiu ao trabalho a conquista dos bens ou, em outras palavras, sempre que se retirar um objeto do estado de natureza e a ele acrescentar seu trabalho, tal objeto torna-se sua propriedade. Nas palavras de Lo>(...) ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam em comum a todos os homens, cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa; sobre esta ninguém tem qualquer direito, exceto ela. Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que exclui o direito comum dos outros homens8.

Essa é uma característica importante do pensamento de John Locke, à valorização do trabalho como forma de aquisição da propriedade. O trabalho desenvolvido pelo homem é para o filósofo uma propriedade inquestionável do trabalhador e, assim, somente ele pode ter direito ao que o trabalho lhe acrescentou.9

Bobbio salienta que Locke considerou a aquisição da propriedade particular como um processo de individuação, em que busca justificá-la com a aplicação à coisa daquilo que é inconfundivelmente individual: a energia despendida para apossar-se de algo, ou para valorizar essa coisa individualmente10.

Outro fundamento importante para fazer do trabalho a justificação da propriedade é a valorização gerada nos bens. Destarte, em relação às terras, por exemplo, verifica-se que o fato gerador da propriedade é a tomada de uma parte qualquer dos bens e sua transformação para algo diferente do existente no estado natural. Este trabalho valorizará a terra, pois segundo Lo>É o trabalho, portanto, que atribui a maior parte do valor à terra, sem o qual ele dificilmente valeria alguma coisa; é a ele que devemos a maior parte de todos os produtos úteis da terra; por tudo isso a palha, farelo e pão desse acre de trigo valem mais do que o produto de um acre de uma terra igualmente boa, mas abandonada, sendo o valor daquele o efeito do trabalho (...) 11 .

Locke elaborou uma teoria política da apropriação, que afirma e justifica um direito individual natural à propriedade. Assim, classificou a riqueza (bens), a vida e a liberdade como desejos naturais dos homens para cuja preservação instituem os governos.

Locke remove os limites da lei da natureza ao direito natural do indivíduo à propriedade através de sua concepção do homem com o indivíduo proprietário de sua capacidade de trabalho. A apropriação da natureza pelo trabalho humano é legitimada por dois postulados: os homens têm direito à conservação de suas vidas e o trabalho de um homem é propriedade sua12.

O que Locke queria, partindo da constatação do nascimento de uma sociedade em que o trabalho deveria ser comprado e utilizado de forma "livre", era fundar um estado em que as diferenças fossem legitimamente justificadas. Além disso, o que o pensador propunha era a criação de um Estado em que a propriedade conquistada de forma "justa" e "responsável" fosse protegida.

Locke afirmou que na natureza, tudo seria de todos. O que faria algo ser possuído individualmente é o trabalho. É pelo trabalho que se possui algo e somente assim é que a propriedade privada seria justificada. Entretanto, no estado de natureza o limite das posses é estabelecido pela capacidade e pela utilidade em consumi-las. Para ultrapassar esse limite é que a moeda teria sido criada, diz Locke, possibilitando que o acúmulo de riquezas deixasse de ser algo injusto, passando a ser a expressão de uma grande capacidade de trabalho que, no final das contas, beneficiaria não só o indivíduo possuidor, mas toda sociedade.

Locke afirma que é "pela obra das mãos e pelo trabalho do corpo" que conseguimos construir nossa posição na sociedade. Para justificar as riquezas e fraquezas individuais, bem como a diferença que entre as pessoas na sociedade, o filósofo inglês viu na capacidade de trabalho o ponto sobre o qual a sociedade se constrói13.

2.3. KARL MARX

Karl Heinrich Marx (1818-1883) foi um dos principais teóricos sobre o tema trabalho. Foi um estudioso sobre as relações econômicas que procurou desvendar os conceitos universais por trás da atividade econômica. Defendia o sistema capitalista como um modo de produção historicamente transitório cujas contradições internas o levariam à queda, sendo inevitavelmente substituído.

Marx, sem dúvida, foi um cientista econômico e político que desenvolveu um modelo que explica a historicidade humana, com grande contribuição nos âmbitos filosóficos, econômicos, políticos, sociais e históricos. Assim destacam-se como suas principais obras: 1844 Manuscritos Econômico-Filosóficos. (Publicado em 1932); O Capital (Publicado em 1867) possui 3 volumes; 1845 A Ideologia Alemã (publicado em 1932); 1848 Manifesto do Partido Comunista, entre outros.

Constata-se nos estudos do grande pensador a existência de uma feroz exploração do trabalho humano, o que por certo o ajudou a apresentar conceitos como Mais Valia, Capital Constante, Modo de produção capitalista, Acumulação primitiva, materialismo histórico, entre outros.

Ao identificar a forma como os homens produzem seus meios de vida, Marx conclui que os homens estabelecem relações sociais baseadas nas condições materiais de sua existência. E que ao estudar a sociedade teve como ponto de partida as relações sociais que os homens estabelecem para utilizar os meios de produção e transformar a natureza. Quanto a isto, Marx afirma que:

A forma pela qual os homens produzem seus meios de vida depende sobretudo da natureza dos meios de vida já encontrados e que eles precisam reproduzir. Não se deve, porém, considerar tal modo de produção de um único ponto de vista, ou seja, a reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se muito mais de uma forma determinada de atividade dos indivíduos, de uma forma determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado. [...] O que os indivíduos são, por conseguinte, depende das condições materiais de sua produção14

No que se refere a divisão do trabalho, Érika Oliveira destaca que, Marx considera esta divisão não só como um meio para se alcançar a produção de mercadorias, mas também como uma divisão de tarefas entre os indivíduos e ainda nas relações de propriedade. E que a luta de classes surgiu em meio a guerra de forças entre as forças produtivas e as relações de produção15.

O trabalho, por consequência, é o que permite ao homem construir seu mundo objetivo e a si mesmo enquanto indivíduo, buscando a satisfação de suas necessidades. Nesse aspecto, para Marx, as ações humanas não têm por base uma natureza pronta, imutável, mas se referem a um homem ativo na construção de si mesmo, da natureza e da História.

Nesse mesmo contexto, a estudiosa Kátia Santos revela que:

“O conceito filosófico de trabalho formulado por Karl Marx abarca ontologicamente o todo da existência do homem. Não se trata de uma atividade determinada, como no sentido econômico, mas a práxis fundamental e específica da espécie humana, na qual há uma união essencial entre homem e objetividade. Assim, Marx entende que o caráter de uma espécie qualquer reside no tipo de atividade vital que ela exerce, de forma que o traço distintivo da humanidade seria o fato de o homem fazer de sua atividade vital um projeto de sua vontade e de sua consciência. Dessa forma, enquanto o animal é idêntico à sua atividade vital e sua produção não vai além do que necessita imediatamente para si e para sua prole, o homem, por meio do trabalho, procede à construção prática de um mundo objetivo, através da manipulação da natureza inorgânica. Isso é, para Marx, a afirmação do homem enquanto ser genérico consciente”16.

Desse modo, Marx revela que a atividade consciente é uma característica da espécie humana, e é essa capacidade que diferencia a atividade produtiva humana da mera atividade animal. Por isso, Marx afirma em sua obra A Ideologia Alemã:

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo o que se queira. No entanto, eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse salto é condicionado por sua constituição corporal. Ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material.17

Marx afirmava que a burguesia detinha um poder de exploração sobre a classe proletariado, e que esta relação de exploração acontecia sob a forma da propriedade privada dos meios de produção. Desta forma, o trabalhador se via obrigado a vender sua força de trabalho ao empresário capitalista. Neste contexto, a força de trabalho se torna uma mercadoria, vendida ao empresário por um salário.

A força de trabalho ao ser negociada como mercadoria promove a completa separação do trabalhador dos meios de produção, alienando o homem de sua essência, que é o trabalho.

O fato de o operário não ter o domínio do processo de produção e não se beneficiar do produto de seu trabalho promovem a alienação.

Tal reflexão remete ao problema do trabalho alienado. Na medida em que a atividade humana é livre, já que o homem é autoconsciente e capaz de fazer de sua própria vida o objeto de suas ações, o trabalho alienado significa uma desumanização. Pela alienação do trabalho, o indivíduo perde a característica de agente ativo em face da natureza e do mundo humanamente criado. No ato de alienação há, segundo Marx, três aspectos.

O primeiro é a relação do trabalhador com o produto do trabalho como um objeto estranho, que o domina. Nesse tipo de relação com o mundo sensorial, os objetos produzidos lhe são estranhos e hostis. O segundo é a relação do trabalho com o ato de produção, isto é, do trabalhador com sua própria atividade, enquanto algo estranho e não pertencente a ele mesmo. Nesse caso, é uma atividade que envolve sofrimento em função da posição de passividade do indivíduo trabalhador, da sua impotência diante de um processo voltado contra si.

O terceiro aspecto do trabalho alienado, mais complexo, é a transformação do modo de vida da espécie humana em um meio de subsistência individual. Nesse caso, a atividade vital humana aparece como simples meio para a satisfação da necessidade de manter a existência física do trabalhador.

Embora, na condição de ser autoconsciente, o homem devesse tomar as rédeas de sua vida, o que ocorre é a transformação de toda a atividade vital em um meio para busca da sobrevivência. A própria vida genérica ativa se torna apenas um meio e não o fim de toda a atividade humana.

De acordo com isso, Marx afirma que o que é verdadeiro quanto à relação do homem com seu trabalho, também o é quanto à sua relação com outros homens. Assim, cada indivíduo é alienado por outros e todos são igualmente alienados da vida humana, uma vez que cada um encara o semelhante conforme os padrões e relações em que se encontra como trabalhador.

Como explica Marx, o fundo de reserva de capital deveria exaurir-se, em função da necessidade do capitalista de consumir mercadorias. Se tal reserva não se esgota, é porque o trabalho acrescenta um fruto anual ao capital, o qual pode então ser consumido, sem que o capitalista se torne pobre.

O trabalhador produz, além disso, o fundo do qual se retira seu pagamento, já que só recebe depois que o valor de sua força de trabalho é realizado em mercadoria e mais-valia. Portanto, o salário é uma parte do produto, reproduzido pelo próprio operário e não um pagamento com recursos do capital.

Portanto, se por um lado a alienação é o ponto de partida do processo de produção, pois nela se dá a separação entre o trabalho e seu produto, entre as condições objetivas e a força subjetiva da criação de valor. Por outro, também é o resultado da produção, na medida em que esse ponto de partida acaba produzindo-se e reproduzindo-se permanentemente, eternizando-se como consequência da produção capitalista.

Sobre a autora
Priscila de Oliveira Ribeiro Leal

Advogada. Graduada em Direito pelo Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Prof. Camillo Filho - ICF. Pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT.<br><br><br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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