“Há ladrões que não se castigam, mas que nos roubam o mais precioso: o tempo.” Tal frase, cuja autoria é remetida a Napoleão Bonaparte, ilustra muito bem a necessidade de se considerar o tempo como bem jurídico a ser tutelado pelo direito.
Cantado em verso e prosa, o tempo é finito, escasso, insubstituível, indisponível e irreparável. Considerando a atual expectativa de vida do brasileiro de 74,6 anos, logo, temos aproximadamente 27.229 dias para poder conseguir tudo o que almejamos ter e fazer.
Entretanto, esses pouco mais de 27 mil dias não são plenos e disponíveis: temos obrigações a cumprir, necessidades pessoais a suprir. Sendo assim, nos sobra pouco “tempo livre” para aprimorar nossas habilidades pessoais, passar um tempo com a família, ter lazer ou até mesmo descansar. O tempo é escasso. Já que não se pode ganhar ou comprar, nos resta apenas evitar seu desperdício.
Num um conceito de economia, a escassez não significa mera baixa frequência: a escassez significa quantidade insuficiente em relação à demanda. É um conceito relativo. Quantas vezes deixamos de fazer alguma coisa que queríamos porque não tivemos tempo?
A escassez de recursos limita as opções, forçando as pessoas a escolher entre alternativas, a fim de maximizar seu bem estar. Cada escolha significa uma renúncia, isso é a vida. Já que não podemos fazer duas coisas ao mesmo tempo, temos que escolher trabalhar ou pescar, o dever ou o prazer, sorrir ou chorar.
Seguindo o raciocínio, o economista brasileiro Rogério Arthmar[1] afirma que:
“Se o capital é tempo, e investe-se capital hoje para ter mais dele amanhã, é porque, em ultima instância, o que se busca sempre é conquistar mais tempo, a medida suprema da riqueza.”
Na Revolução Industrial, era comum que os trabalhadores ficassem de 10 a 16 horas por dia nas fábricas. Nesse período, Robert Owen, coproprietário e gerente de uma fábrica em New Lanark, iniciou uma campanha para que as pessoas não trabalhassem mais do que oito horas diárias. Seu lema era: “8 hours labour, 8 hours recreation, 8 hours rest” (oito horas de trabalho, 8 horas de recreação, 8 horas de descanso).
Uma das primeiras empresas a implementar essa filosofia foi a Ford, em 1914. Ela não só diminuiu a jornada de trabalho, como também dobrou o salário de seus funcionários. O resultado não foi notado apenas nas pesquisas de satisfação, mas também no caixa da empresa: a produtividade aumentou a despeito da diminuição da jornada, alçando consigo os lucros, o que levou outras indústrias a seguirem o mesmo caminho.
Partindo da premissa que o tempo tem enorme relevância para o desenvolvimento das competências humanas, na ocorrência de um dano ao tempo, surgirá o dever de reparação?
A Constituição Federal de 1988 trouxe como fundamento para o nosso Estado Democrático de Direito, entre outros, a dignidade da pessoa humana.
Juntamente com a dignidade da pessoa humana, uma enorme gama de direitos da personalidade foi estabelecida: direito à vida, à liberdade, à saúde, à honra, ao nome, à imagem, à intimidade, à privacidade.
Sérgio Cavalieri Filho[2] assevera que:
“Ao assim fazer, a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos.”
O recurso produtivo do tempo nada mais é do que a base para a pessoa desenvolver todas as suas competências, bem como exercer seus direitos e deveres.
Em decorrência ato ilícito, uma pessoa poderá desviar-se de suas atividades fundamentais, tal qual o lazer, o trabalho, o descanso, o convívio social e o estudo.
Muitas situações cotidianas trazem consigo a sensação de perda de tempo: o tempo de deslocamento nos engarrafamentos, o tempo para cancelar uma assinatura de telefone, a espera por atendimento em estabelecimentos variados, dentre outras formas de desperdício do tempo. Em que pese, de fato, haver o desperdício de tempo, essas situações devem ser toleradas, já que fazem parte da vida em sociedade.
A indenização pela perda do tempo livre aqui proposta cuida de situações intoleráveis, em que um descumprimento contratual, em geral daqueles em que se verifica desídia, desatenção ou despreocupação morosos, gerando considerável desperdício de tempo ao contratante, já que este deverá sair de sua rotina para solucionar o problema. Ademais, ainda existem os casos em que o contratado dificulta o adimplemento da obrigação, provocando, além da perda do tempo do contratante, a incidência de multas e juros, obtendo lucro com isso.
Após a Constituição de 1988, tem-se considerado que dano moral não é mais um simples abalo psíquico, mas sim um desrespeito à dignidade da pessoa humana, já que é direito fundamental personalíssimo essencial. Sendo assim, o dano ao tempo livre é um dano moral, tendo em vista que a perda do tempo fere a dignidade da pessoa humana, levando em consideração que o tempo é o suporte para o exercício de todos os direitos e deveres do cidadão.
És um senhor tão bonito, compositor de destinos, cada um tem seu próprio tempo. Podemos até achar que temos todo o tempo do mundo, mas, se prestássemos mais atenção, dava pra ver o tempo ruir, já que o tempo não para e não temos tempo a perder.
[1] ARTHMAR, Rogério. Teoria de W. S. Jevons. [mensagem pessoal por e-mail]. 2009. In: DESSAUNE, Marco. Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011, pag. 109
[2] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012 pag. 88