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1. INTRODUÇÃO
O Estado tem como papel primaz organizar a sociedade, efetivando direitos constitucionalmente previstos. Dentre eles estão os direitos fundamentais, que englobam todos relativos à dignidade da pessoa humana.A realização destes direitos se dá através de políticas públicas e destinação de recursos para as diversas áreas de abrangência, administradas pelo Poder Executivo e determinadas por previsões legais.
Os recursos que financiam estas políticas públicas, porem, não são ilimitados, o que acaba por diminuir a capacidade de realização de todas as políticas necessárias para a efetivação de todos os direitos fundamentais. Neste ponto se esta diante de uma dicotomia de difícil equação uma vez que se têm diversas necessidades e não se tem os recursos necessários para atendê-las em plenitude.
Nessa situação de escassez o legislativo, diante de previsões orçamentárias, aprovam leis que direcionam o orçamento público para atender situações em que eles consideram de maior relevância ou necessidade. Teoricamente, por serem representantes do povo, estas escolhas seriam a tradução dos anseios destes, o que deixam as escolhas absolutamente legitimas.
Diante deste cenário, o Poder Executivo, observando as limitações legais, faz opções políticas com a finalidade, também teórica, de atendimento, mais uma vez, do que a sociedade deseja em uma situação onde necessária escolha de prioridades.
O judiciário só apareceria, num mundo ideal, quando houvesse alguma ilegalidade nestas funções, ou ao menos as observando em sua atuação judicante. Mas na realidade, o judiciário hoje é bombardeado por uma série de ações, individuais ou coletivas, onde se pede que o Estado providencie a efetivação de algum direito. Observando a omissão, comumente esta tutela é concedida.
Mas daí surge um problema importante de ser atacado: esta interferência judicial não resolve o problema. Os recursos continuam menores que as obrigações. Então, por vezes, com a boa intenção de atender a uma previsão constitucional, o magistrado pode acabar tirando de outrem um direito já efetivado, ou previsto de efetivação.
Não é um problema de fácil solução. Talvez em solução tenha. Mas a reflexão sobre o problema já se faz suficiente para que se entenda que a realidade, infelizmente, não é compatível com todas as necessidades prementes, sendo necessárias vias alternativas para o desfecho da questão.
2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SUAS FUNÇÕES
A Administração Pública, Poder Executivo da famosa divisão proposta por Montesquieiu, é a parte do Estado que tem a função de atender as necessidades da coletividade. É ela que organiza a administração do Estado em todas suas instancias, realizando, ou tentado, os direitos e garantias previstos na Constituição Federal.
Para tanto, utiliza recursos públicos, arrecadados em grande parte através de tributos, distribuindo para as diversas áreas de trabalho, como saúde, educação, infraestrutura, saneamento básico, dentre outros. Apesar de existir limitações para cada uma das áreas previstas nas leis orçamentárias, existe sempre uma margem de discricionariedade na alocação de recursos, conforme plataformas de trabalho dos diversos chefes do Poder Executivo.
Estas decisões são além de administrativas, políticas, não podendo os demais Poderes interferir, salvo se contrario a lei, ou realizados não obedecendo a finalidade pública, o interesse púbico.
O ato administrativo se divide, basicamente em dois tipos: vinculados e discricionários. Os primeiros são os atos onde a atuação da Administração Pública esta adstrita aos ditames previstos em lei de forma objetiva. Não existe, portanto, qualquer margem de escolha do administrador, que deve seguir exatamente o que a lei prevê em determinada situação dada.
Já os atos discricionários são os atos conde o administrador te uma margem de escolha, obviamente dentro da lei (Administração Pública só pode agir se existir previsão legal). Para tanto, em atendimento ao interesse publico, precisa fazer exame de conveniência e oportunidade, optando pela decisão que maior atingir o interesse público.
Não se trata de uma escolha ampla, existem critérios. O administrador dispõe apenas das opções previamente determinadas em lei. Assim, a discricionariedade se dá dentro da legalidade e esta tem como finalidade única o interesse público (outro principio discutido em exaustão uma vez que é extremamente indeterminado). Quando se esta diante de um ato discricionário importante além de observar se esta previsto em lei, também se obedece aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
O Estado quando constitucional tem como principal especificidade o fato das escolhas administrativas legítimas. Isto ocorre porque não pode se ter escolhas discricionárias sem limites. A ele impõe "controlar (ou ao menos mitigar) os contumazes vícios forjados pelo excesso degradante, pelos desvios ímprobos ou pela omissão desidiosa".[1]
Por obvio, em casos de ilegalidades ou excessos, os demais Poderes podem/devem questionar as decisões administrativas. É autorizado ao Poder Judiciário, inclusive, anula-los, fazendo o chamado controle de legalidade.
Pode a Administração Pública sofrer controle de legalidade, mas, pela teoria classica, não se pode adentrar o mérito deste ato. A opção que melhor atende ao interesse público, em regra é feita pelo administrador. É ele quem tem a autorização para decidir.
A limitação do controle, pelo Poder Judiciário, dos atos administrativos, que tradicionalmente enfatizada como restrita à legitimidade ou à legalidade, e que ficava isento de controle os juízos de conveniência, oportunidade e eficiência do ato, ante a tendência de universalização da jurisdição, vem, hoje cedendo lugar a uma ampliação cada vez maior da atuação do Judiciário nesta questão.[2]
Pode-se controlar, utilizando os parametros da razoabilidade, se esta escolha é legal e atende ao interesse público. É o chamado controle judicial dos atos administrativos. A divisão dos poderes/deveres não facultam aos demais poderes fazer controle entre si.
Parece, por muitas vezes, que o controle judicial chega ao mérito administrativo, ou seja, a discricionariedade. Se a legalidade não foi respeitada, pode os demais poderes interferir sim, desde que analisem a questão pelo principio da razoabilidade. Conforme Bezerra, “é o Poder Judiciário quem faz o controle judicial dos atos administrativos sendo, desse modo, embora de forma indireta, também um defensor e, portanto, representante dos interesses públicos, lutando para que se tenha um respeito irrestrito à Constituição.” [3]
O Judiciário tem a prerrogativa normativa para anular ato administrativo quando estes estão eivado de vicio. Nestes casos é possível a analise dos princípios administrativos, sejam eles expressos no art. 37, CRFB ou implícitos.
3. NORMATIZAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS
A norma existe com a finalidade principal de realizar os valores compreendidos como fundamentais na sociedade, por isto que eles precisam de tutela. Por sua importancia, esses valores então são convertidos em dispositivos legais e com isto se tornam fontes de direito, com a finalidade de alcançarem a desejada justiça.
A norma é a expressão do que se entende como justo, ideal, desejoso, não só de um grupo especifico, mas de toda uma sociedade. Por esta sua característica a norma tem uma importância tão aumentada, sendo utilizada como balizador dos interesses sociais.
Ela se realiza na lei, ou seja, do texto normativo. No caso brasileiro, lei escrita, que trata de matéria especifica. Seria esta lei a representação, feita pelo Poder Legislativo, de como a sociedade pretende tratar aquela questão.
Muito se discute a respeito da diferença entre regra e princípios, norma e principio. Aqui o conceito de norma se estende e incluir regras e princípios.
Tanto os princípios quanto as regras são normas gerais e abstratas. O problema que se apresenta é a determinação do grau de generalidade e abstração. Isso implica a questão de estabelecer quão ampla é a classe de pessoas que são destinatárias da norma (generalidade) e quão abrangente é a classe de fatos, ações ou casos que são regulados por ela (abstração).[4]
Então, resta obvio que estes pontos devem ser observados sempre no caso concreto. Vale a pena também entender o a diferença entre principio e regra pra compreensão destas abrangências.
Há diversos critérios para se distinguir regras de princípios. Provavelmente aquele que é utilizado com mais frequência é o da generalidade. Segundo este critério, princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo. [5]
Princípios e regras são diferenciados também com base no fato de serem razões para regras ou serem eles mesmos regras, ou, ainda, no fato de serem normas de argumentação ou normas de comportamento.[6]
Portanto, não resta dúvida que a regra é especifica e o principio mais abstrato. Mas de qualquer modo ambos são aplicáveis de maneira imediata e são normas, podendo ser utilizados como base legal para a realização da justiça. Tanto há princípios quanto regras que se referem imediata, direta e explicitamente a valores e fins. como há principias que não se caracterizam por essa maneira de referencia a eles.[7]
Os direitos fundamentais são direitos inerentes ao homem, são básicos para a vida do homem, sem os quais ele não teria condições de vivência e convivência social[8]. Para parte da doutrina estes seriam os direitos humanos, que se tornariam fundamentais quando positivados.
Direitos fundamentais e expressão empregada para designar os direitos humanos positivados em uma dada sociedade[9]. Assim, os direitos humanos mais intrínsecos, hoje positivados em sua maioria das diversas constituições, de diversos países, são elementos fundamentais que asseguram as garantias básicas de sobrevivência e vida digna de qualquer cidadão.
Os direitos fundamentais afloraram inicialmente em três âmbitos: o debate sobre a tolerância, o debate sobre os limites do poder e a humanizacao.do processo penal. São essas três formas históricas iniciais dos direitos fundamentais que, cristalizadas nas primeiras declarações de direito das revoluções liberais, corresponderão as liberdades individuais, aos direitos políticos e de participação, e as garantias processuais.[10]
A partir disto, os diversos foram subdividindo e englobando uma série de direitos e garantias que estejam relacionados a dignidade da pessoa humana e suas necessidades básicas.
Para Ricardo Mauricio Freire Soares[11], o legislador constituinte, na CRFB, deu a ideia de dignidade da pessoa humana a qualidade de norma que motiva todo sistema constitucional, orientando os demais direitos fundamentais pertencentes a este sistema.
Assim, os direitos fundamentais não são taxativos e delimitados, sendo sempre analisado com a sua relação com a dignidade da pessoa humana, que é conceito abstrato e variável. Sendo assim, a limitação destes direitos resta dificultada uma vez que este conceito tem acepções diversas, sendo interpretado mais restritivamente por uns e ampliadamente por outros, mas indeterminado, necessitando ser delimitado no caso concreto.
Os chamados conceitos indeterminados, também chamados de normas abertas, conceitos de valor, conceitos imprecisos, que são aqueles que permitem uma interpretação elástica. Então, se o uso destes conceitos indeterminados traz consigo uma inerente discricionariedade para o aplicador do direito, necessário um veiculo que consiga mensurar ou cientificar este objeto de estudo.
Ai se esta diante de um ponto nevrálgico da aplicação do principio da dignidade da pessoa humana. O legislado, administrador público e o magistrado podem entender este principio de maneira diferenciada, não tendo um parâmetro preciso sobre o respeito ou não dele.
Na realidade os princípios são abstratos e necessitam de concretização na sua aplicação. Então, por serem os direitos fundamentais princípios em grande parte, necessitam eles de mandamentos de otimização, traduzido por um sentido ampliado que inclui tanto proibições quanto permissões[12].
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.[13]
Portanto, a visualização dos direitos fundamentais perpassa justamente por essa amplificação de satisfação. Assim, esta ampliação se dá com o tempo uma vez que se faz necessários recursos econômicos pra tanto.
Apesar de todos os direitos fundamentais postos constitucionalmente, e de imediata realização, importante observar que não se pode contempla-los de uma só vez por falta de estrutura, seja ela física ou financeira. De qualquer sorte, cada vez mais os direitos fundamentais vem sendo exigidos e realizados.
4. EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – TEORIA DAS ESCOLHAS TRÁGICAS
A Administração Pública tem como função organização e realização dos direitos sociais. Estes produzem a necessidade de uma infinidade de ações a serem realizadas, sendo, a priori, absolutamente impossível a completa concretude de todos estes direitos a todos os cidadãos.
Ocorre que, diferente das necessidades ilimitadas, os recursos são limitados. O Estado possui uma receita especifica que precisa ser aplicada de maneira a atender um maior numero de necessidades, distribuído de maneira mais eficiente possível.
Assim, o legislativo e o executivo, no limite de suas atribuições, são responsáveis por definir a alocação destes recursos limitados. Esta opções são administrativas, mas também políticas, uma vez que as escolhas, teoricamente, são feitas pelos representantes do povo escolhido por eles para satisfação de ideais preestabelecidos nas suas plataformas políticas apresentadas na campanha.
O poder legislativo delimita os valores a serem destinados a diversas áreas de atuação administrativa através das leis orçamentárias. Diante destas limitações, e respeitando os valores e áreas, o poder executiva opta por quais ações ira atuar e co quais valores.
Por exemplo, destinado 15% da receita do Estado a saúde (aprovada na lei orçamentária pelo legislativo), o executivo pode destinar 10% desta verba para vacinação, 30% para medicamento, 20% para melhoria nas instalações dos hospitais, dentre outras coisas. Estas opções fazem parte das funções estabelecidas constitucionalmente, uma vez que quem administra é o poder executivo.
Mas como já dito antes, os recursos públicos são limitados. As escolhas não atenderão todas as necessidades previstas na Constituição Federal, nem a todas as pessoas residentes em território nacional. Isso não significa que não são efetivados os direitos ali especificados, mas, infelizmente, não poderão ser todos atendidos.
Os critérios de alocação são objeto de estudo da justiça distributiva. Como os direitos fundamentais são a positivação de direitos humanos, que tem-natureza de direitos morais, cabe indagar se ha também um critério pré-positivo de alocação que. possa; tal:como os direitos morais, ser deduzido e afirmado pela razão, ou se, ao contrario', as decisões alocativas, especialmente de primeira e segunda ordem, comportam opções políticas intercambiáveis, ainda que com resultados finais dispares.[14]
Como justiça distributiva refere-se à distribuição justa e apropriada, que traduza a cooperação social. Esta intimamente relacionada com equidade, com isonomia, observando o todo, não apenas uma parte isolada do problema ou da sociedade.
Interessante que mais uma vez se observa a importância, até mesmo por uma questão de justiça, de não se limitar ao atendimento de apenas uma parte da população, de apenas um direito fundamental. dentro do possível, o ideal é se alcançar o todo, ou a maior parte deste todo possível a realização da justiça.
Os que sustentam concepções diferentes de justiça podem, então, ainda concordar que as instituições são justas quando não existirem distinções arbitrárias entre as pessoas na determinação dos direitos e deveres básicos e quando as regras estabelecerem um equilíbrio entre as reinvidicações de vantagens na vida social.[15]
O papel da Administração Pública então é alocar os recursos públicos de forma não beneficiar apenas uma parte da população, ou atender apenas uma pequena parte das necessidades e direitos fundamentais.
Neste ponto já se esta diante da teoria das escolhas trágicas. È o legislativo e o executivo que, realizando os ideais políticos esperados pela sociedade (por elas escolhido através das eleições), que escolhem quais os direitos serão contemplados e de que forma.
Importante observar que isso não significa que a sociedade e o judiciário não possam interferir nestas decisões. Pelo contrario. Quando existir qualquer ilegalidade ou irregularidade é o judiciário o apto a verificação, quando procurado, se o ato esta operando dentro da legalidade, considerando as normas e princípios estabelecidos pelo ordenamento jurídico pátrio.
O que se chama atenção é para o fato de que, constitucionalmente falando, os diversos poderes e órgãos têm funções especifica e delimitadas, não sendo permitida a interferência simplesmente, salvo em situações especificas, a exemplo da ilegalidade. Portanto, observando esta divisão de função, não resta dúvida que é o legislativo que destina as rubricas orçamentárias para as diversas áreas a serem administradas, e o executivo as aplica, dentro destas áreas especificas, da forma que melhor considerar.
Como existem infinitas demandas e finitos recursos, existem, por óbvio, escolhas que beneficiam determinadas demandas, abrindo mão de outras. São chamadas pela doutrina de “teoria das escolhas trágicas”, uma vez que deixará de contemplar alguma necessidade também premente, mas que foi considerada por quem de direito menos urgente que outra.
Isto ocorre porque vivemos num estado democrático em que a escassez é uma realidade. Apenas a previsão constitucional não se faz suficiente para que os direitos fundamentais sejam realizados. O que ocorre é a previsão, o entendimento de que eles existem e devem ser alcançados, mas não se faz suficiente para que ocorram de fato.
Imaginar que não haja escolhas trágicas, que não haja escassez, que o Estado possa sempre prover as necessidades nos parece ou uma questão de Fe, no sentido que lhe da o escritor aos Hebreus: a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem, ou uma negação total aos direitos individuais. [16]
No mundo real, a escassez é uma realidade. Ela é tratada diariamente pelo Administrador de um modo geral, muito mais pelo Administrador Público. Este se vê com recurso limitado para atendimento de infinitas demandas. Mais, existe uma gerencia preestabelecida que acaba por engessa-lo, uma vez que não tem a liberdade de realocar recursos de qualquer forma, apenas nos limites legais.
Existem, claro, problemas de gestão e isto pode ser controlado. Também existem nulidade e ilegalidades em muitas das ações administrativas. Todas estas desconformidades precisam e devem ser observadas. O judiciário pode ser chamado a controlar qualquer destas ilegalidades, e não deve se furtar.
Mas o que se vê de maneira bastante recorrente é a administração de recursos pelo magistrado, adentrando a função executiva da Administração Pública, sob a desculpa de realização de direitos fundamentais. Não se nega aqui a boa intenção do magistrado. Mas a realização da justiça não se dá olhando o caso concreto apenas, principalmente quando envolve recursos públicos.
5. CONTROLE JUDICIAL E A ESCASSEZ DE RECURSOS
O Poder Judiciário tem papel fundamental na construção do direito, uma vez ser este que traduz e aplica ao caso concreto, dando forma e de maneira final a qualquer controvérsia jurídica. Então, a observância de norma, enseja a possibilidade de se busca tutela judicial. Isto ocorre, portanto, com os direitos fundamentais previstos na constituição, que quando não realizados, possibilita a sua busca através do judiciário.
Por esta razão, alguns juristas afirma que é judiciário, através de deus juízes, que realmente realiza o direito, traduzindo este na sua aplicação ao caso concreto. Para o Carlos Cóssio[17], normas são feitas para o juiz e não para os administrados e ele as interpreta para a aplicação no caso concreto. Pode o juiz fazer isso porque ele interpreta de maneira neutra e imparcial, baseada na lei que é já prévio o resultado. Acredita-se que não existe uma regra verdadeira, e sim normas aplicáveis ao caso concreto.
Esta previsão de imparcialidade é o que se considera para o alcance da tão famosa justiça, uma vez que o julgador é aquele apto a verificar a aplicação do direito na sua forma mais sublime, observando que se deseja da norma posta, do que se espera do direito.
Importante fazer um parêntesis para tentar conceituar justiça. O conceito de justiça, apesar do termo ser amplamente difundido, é completamente abstrato. É associado a ética, moral social, equidade. Para John Rawls o conceito público de justiça seria a carta fundamental de uma sociedade humana em boa ordem[18]. Percebe-se que a indeterminação desta conceituação, uma vez que não se tem referencia uma delimitação de boa ordem.
Os que sustentam concepções diferentes de justiça podem, então, ainda concordar que as instituições são justas quando não existirem distinções arbitrárias entre as pessoas na determinação dos direitos e deveres básicos e quando as regras estabelecerem um equilíbrio entre as reinvidicações de vantagens na vida social.[19]
Para Rawls, portanto, justiça se realiza com a equidade. Já Boaventura de Sousa Santos acredita que a justiça esta diretamente associada as funções sociais por ela desempenhadas e, em particular, o modo como as opções técnicas no seu seio veiculam opções técnicas no seu seio veiculam opções a favor ou contra interesses sociais divergentes ou mesmo antagônicos. [20]
A justiça então ganha importância diretamente relacionada ao anseio social, equilibrando os antagônicos. Percebe-se, portanto um papel social da justiça, mas não há de se excluir também o papel político, econômico. Tercio Ferraz Jr admite que a justiça confere ao direito um significado no sentido da razão de existir. [21]Mas isto significa apenas que o direito precisa ser justo, não responde o que venha a ser a justiça.
Resta clara a relação direta, proposta pelo próprio Autor, do direito e justiça. E como o direito é algo amplo que evolve contexto social, a justiça acompanharia toda esta conjuntura. Esta também é a perspectiva trazida por Ricardo Mauricio Freire Souza:
Sendo assim, a justiça nunca se põe como um problema isolado válido em si e por si, porque sempre se acha em essencial correlação com outros da mais diversa nature1.a. desde os filosóficos aos religiosos, dos sociais aos políticos, dos morais aos jurídicos, conforme o demonstra sua vivênda ao longo da história, estando sempre inserida em distintos conjuntos de interesses c de ideias.[22]
Assim, apesar das diversas interpretações e da justiça ser um conceito indeterminado, não resta dúvida que é moldável. Não só pela sua relação com o contexto, mas também pele perspectiva e expectativa que demanda. Este emaranhado de pontos e situações deixa clara a dificuldade em se achar um conceito uno de justiça.
Entendendo que a justiça é um fim esperado no direito, se tem no sistema normativo a fonte para sua realização. Tem-se, também, no Poder Judiciário seu ponto de convergência, o local onde se observa a aplicação da norma ao caso concreto, com a finalidade de alcançar a justiça.
Mas isso não é tão simples quando se esta diante de uma demanda em face do Estado. Olhar apenas o caso concreto acaba, muitas vezes por afastar a própria justiça.
A função principal do Poder Judiciário, portanto, se baseia na aplicação das leis observando o ordenamento jurídico em se está inserido. Mas não se pode apenas observar o caso especifico, precisa-se perceber a repercussão deste naquela sociedade que se está inserido.
O poder judiciário utiliza do sistema normativo para exercer sua principal tarefa que é a de aplicação do direito ao caso concreto, quando provocado. Quando se diz que o juiz deve aplicar a Lei, diz-se, em outras palavras, que a atividade do juiz esta limitada pela Lei, no sentido de que o conteúdo da sentença deve corresponder ao conteúdo de uma lei.[23]
Entende-se lei aqui no sentido lato, ou seja, não só a “letra da lei”, mas o seu conteúdo. E esta enseja uma serie de desdobramentos como a existência de interpretações diversas com a finalidade principal de garantir o cumprimento do sentido da norma.
Quando se introduz o fato que os recursos públicos são limitados e as necessidades não (estas previstas nas normas), começa-se a perceber que o magistrado tem uma função muitas vezes ingrata. A ponderação é importante não só das normas, mas de todo contexto em que se esta inserido.
Como existem mudanças na sociedade constantemente, muitas vezes a lei escrita, posta, não tem tempo hábil para se adaptar. Cabe, neste momento, ao Poder Judiciário a aplicação do direito e da lei adaptando-a as necessidades e anseios sociais, históricos e políticos. Então o magistrado fica diante de uma série de nuances indissociáveis quando da aplicação do direito em uma ação judicial.
A própria lei e o seu conteúdo interno não são uma coisa estática como qualquer facto histórico passado (“eternamente quieto permanece o passado”), mas são algo de vivo e de mutável e são, por isso, susceptíveis de adaptação.[24]
Em relação ao controle judicial propriamente dito, se limita a possibilidade de nulidade de um ato administrativo pelo Poder Judiciário, sendo observada a impossibilidade de se adentrar o mérito administrativo. Isto significa que o controle judicial se refere à legalidade e suas derivações.
Vale lembrar que o ato administrativo se divide, basicamente em dois tipos: vinculados e discricionários. Os primeiros são os atos onde a atuação da Administração Pública esta adstrita aos ditames previstos em lei de forma objetiva. Não existe, portanto, qualquer margem de escolha do administrador, que deve seguir exatamente o que a lei prevê em determinada situação dada.
Já os atos discricionários são os atos onde o administrador tem uma margem de escolha, obviamente dentro da lei (Administração Pública só pode agir se existir previsão legal). Para tanto, em atendimento ao interesse publico, precisa fazer exame de conveniência e oportunidade, optando pela decisão que maior atingir o interesse público.
Vale salientar que não se trata de uma escolha ampla, sem critérios. O administrador não tem a liberdade de optar, como o particular. Ele tem um lastro pre determinado para isto. Dentro da legalidade, existe uma possibilidade de escolha e esta se da com a finalidade única de se chegar ao interesse público (outro principio discutido em exaustão uma vez que é extremamente indeterminado). Quando se esta diante de um ato discricionário importante além de observar se esta previsto em lei, também se obedece aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
O Estado Constitucional, numa de suas expressivas dimensões, pode ser traduzido como o Estado das escolhas administrativas legítimas. Assim, considerado, nele não se admite a discricionariedade pura, infantil, sem limites. Em outras palavras, impõe-se controlar (ou ao menos mitigar) os contumazes vícios forjados pelo excesso degradante, pelos desvios ímprobos ou pela omissão desidiosa.[25]
Assim, o ato pode sofrer controle de legalidade, mas dentro de parametros especificos. Isto porque, em regra, não se pode adentrar o mérito deste ato. A opção também não é do administrador. O controle da escolha legal esta no campo da razoabilidade. Aqui se fala em controle judicial dos atos administrativos.
Para Pancotti, pe tradicionalmente ligada a legitimidade ou legalidade a limitação do controle dos atos administrativos, portanto este era restrito ao juizo de conveniencia e oportunidade. Porém, por causa da universalização da jurisdição, hoje se tem um ampliação maior da atuação do Poder judiciario.[26]
Não há que se falar em inobservância da separação dos poderes, mas não se pode negar que o controle judicial esta cada vez mais ampliado pela necessidade de se observar a Administração Pública esta utilizando seu poder de escolha considerando o interesse público, a eficiência, a utilidade, a razoabilidade, estando esta escolha dentro dos imites legais disponíveis.
A Administração Pública esta diretamente relacionada ao Poder Executivo, porém, vale considerar, que faz parte dela também os demais poderes. Assim, como qualquer outro poder, deve obedecer aosprincípios constitucionais relativos a administração pública, com o objetivo primaz de garantir o interesse público.
Além disso, é o Poder Judiciário quem faz o controle judicial dos atos administrativos sendo, desse modo, embora de forma indireta, também um defensor e, portanto, representante dos interesses públicos, lutando para que se tenha um respeito irrestrito à Constituição.[27]
O alcance do mérido neste controle é impedido. Ao menos no primeiro momento. Somente deve ocorrer quando se for verificado que a discricionariedade contrariou sua obrigação de ser razoavel.
O Poder Judiciário tem competencia, nestes casos, para discutir e anular o ato administrativo eivado de vicio, tornando-se permitida a analise dos princípios administrativos constitucionais,ainda que implicitos.
Também existem casos onde há omissão do Estado na efetivação de direitos fundamentais. Muito comum demandas coletivas que tem como objetivo a realização dos direitos fundamentais. Também as demandas individuais que tem como fundamento principal o direito a vida, saúde, moradia, entre outros previstos na Constituição Federal.
Nestes casos o magistrado, normalmente pede a providencias a fim de implementação das políticas públicas previstas na própria constituição. Utilizam muitas vezes em argumento conjunto com os princípios da proteção ao mínimo existencial e proibição ao retrocesso social.
Por principio da proteção ao mínimo existencial, entende-se um conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos fundamentais e geral[28]. É o mínimo que se deve assegurar ao homem observando a dignidade da pessoa humana.
Já a proibição ao retrocesso social é a vedação a possibilidade de diminuição ou supressão da eficácia já alcançada pelas normas constitucionais que preveem direitos sociais[29]. Uma vez que já se tornou eficaz determinado direito fundamental, não se pode deixar de aplica-lo, por nenhum motivo. Este principio e muito exaltado na nova acepção de estado democrático de direito, entendo a necessidade de sempre garantir os direitos já conquistados.
Por óbvio não se pode deixar de observar esta nova configuração dos direitos fundamentais, nem deixar de entender que eles precisam ser garantidos. É obrigação do Estado efetivar estes direitos e isto não esta em discussão neste artigo. O que só se pede é que entenda que a mera decisão judicial não é suficiente para garantir um direito fundamental, pelo contrário.
Uma vez que se tenha recursos escassos, e a Administração Pública esteja compelida judicialmente a proporcionar determinada garantia, o recurso para esta pode ser tirado de outra garantia fundamental já efetivada anteriormente, o que não resolve a questão, apenas tira do foco o real problema.
É o que se vê constantemente em decisões judiciais, determinando a realização do direito sem nenhuma preocupação em observar de onde saem os recursos para isto. Ao pesquisar sobre a teoria das escolhas trágicas na jurisprudência do STF, foram encontrados apenas dois acórdãos, ARE 639337 AgR / SP - SÃO PAULO e RE 581352 AgR / AM – AMAZONAS[1], ambos com as mesmas conclusões a cerca do afastamento desta teoria nos casos de omissão do Estado na implementação de políticas públicas.
Em nenhum deles se verificou qualquer motivo para o óbice da efetivação pelo Estado. Se verifica apenas que, apesar de prevista constitucionalmente, esta não foi ainda implementada tal política pública.
Resta claro, portanto, que a Administração Pública não pode se furtar de atender as necessidades e direitos sociais por falta de vontade ou usando a teoria das escolhas trágicas como desculpa para sua omissão. Mas também se deve ter cuidado para não interferir nas escolhas políticas, tão pouco nas ações sociais em curso para atender uma omissão.
A comprovação da omissão é importante para se pleitear sua efetivação, mas se tem o receio de, como já dito antes, a pretexto de efetivação de um direito previsto na constituição, deixar de atender outra já em curso, uma vez que o Brasil não possui recursos suficientes para atendimento de todos os direitos fundamentais. Então não se esta tratando de justiça. Também esta se deixando de observar outros direitos fundamentais, tal como isonomia uma vez que o atendimento da necessidade de alguém pode tirar de outro o atendimento também de um direito garantido constitucionalmente.
Nesta discussão muito se discute sobre a corrupção e má aplicação de recursos. Infelizmente, esta é uma realidade de difícil gestão. Deixar de observar esta realidade é viver numa utopia, o que não resolve o problema da alocação de recursos. Mas achar que determinação judicial é suficiente para combatê-la, quando se manda disponibilizar tal direito é ingenuidade.
6. CONCLUSÃO
Previstos na Constituição Federal, os direitos fundamentais são os direitos humanos reconhecidos e positivados. São os direitos mais básicos para a vida do homem, os direitos mínimos para que ele tenha condição de convivência social.
Eles devem ser observados nas relações sociais e realizados pelo Estado, que não pode se furtar desse dever legal. Além de previstos na Constituição Federal também existem previsões de programas relacionados a eles, reforçando a obrigatoriedade de sua efetivação.
Ocorre que, paralelamente a isto, os recursos financeiros disponíveis são limitados, trazendo à realidade da escassez a atuação estatal. Esta realidade de escassez acaba por obrigar o Estado a fazer opções elegendo quais direitos e em que forma possam ser disponibilizados, deixando sempre de atender a toda a população em todos as suas necessidades.
Então existe um desequilíbrio entre a obrigação estatal, prevista constitucionalmente e sua real efetivação pela constatação de que não existe recurso suficiente para atender todas as demandas. Muito se questiona a existência de corrupção e desvios públicos que seriam responsáveis por este desequilíbrio.
Ninguém questiona a existência desses fatores, mas eles por si só não são o único problema. E ainda que fossem, é uma realidade que não se pode deixar de observar. Precisa-se entender que a escassez, por diversos fatores, é uma realidade na Administração Pública e para se ter um efetivo e justo controle desta realidade, não se pode deixar de entender e levar em consideração a limitação de recursos.
Não sendo efetivados os direitos fundamentais, pode-se, evidentemente, requerer tutela jurisdicional a fim de dirimir tal problema. O Poder Judiciário é competente pra tal intento. Mas simplesmente mandar realizar o direito fundamental sem analisar o cotexto de escassez é mais que interferir na autonomia do poder executivo e legislativo, é dá as costas para a justiça.
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