Ao aderir ao sistema internacional de proteção da propriedade industrial e aprovar Leis para garantir a mesma dentro do país, o Brasil se comprometeu com combate a pirataria em seu território. Apesar disto tem sido pressionado pelos EUA, fato que o fez reafirmar este compromisso publicamente:
"A defesa dos direitos autorais é objetivo consolidado na atividade do Poder Público brasileiro, que tem sistematicamente produzido resultados concretos, a despeito das carências de recursos humanos e materiais", reconhece o Ministério das Relações Exteriores. "Em razão do interesse nacional, o Governo brasileiro continuará a tomar medidas para combater a pirataria no Brasil." [[1]]
Em decisão inédita recente, porém, o TJSP absolveu uma pessoa acusada de pirataria com o seguinte fundamento:
"Verifique-se, a propósito, que o acusado é pessoa simples e que retira o sustento próprio e da família do ariscado comércio clandestino que exerce, auferindo parcos rendimentos mensais.
E certamente, não por ser essa a sua vontade, mas por ter sido a única forma que encontrou, em nossa sociedade capitalista e preconceituosa, para trabalhar, prover suas necessidades elementares, e sustentar sua casa.
De mais a mais, as autoridades competentes deveriam combater e prender, para fazer processar e condenar, os verdadeiros mantenedores da “pirataria”, cujos nomes e endereços, com pequeno empenho investigatório, certamente descobririam.
Enquanto tal não ocorre, não é justo que se queira responsabilizar e punir o pobre vendedor ambulante que, sem outra opção de trabalho, expõe à venda, em sua banca improvisada, alguns produtos “pirateados”, sabidamente, com margem de lucro irrisória, suficiente apenas para a subsistência.” [[2]]
A decisão parece ser justa e atender ao princípio da equidade, pois a violação da propriedade industrial foi equiparada ao furto famélico. Furtar algo para comer quando se tem fome não é considerado crime há mais de um século pela jurisprudência brasileira.
Justiça e realidade, porém, não se ajustaram bem nesta decisão. Ao legitimar a pirataria o TJSP pode afetar, mesmo que de maneira não intencional, a política externa do Brasil. O Tribunal paulista não tem, entretanto, competência para tratar de política externa. Ao decidir os processos sob sua jurisdição o TJSP deveria ter feito cumprir a legislação que assegura a propriedade industrial e reprime a pirataria, mas optou por fazer exatamente o oposto. A decisão acima transcrita pode e deve ser objeto de recurso. Não só isto, a rebeldia contra a Lei Federal manifestada na decisão, o fato do TJSP ter invadido por vias transversas a competência do Itamaraty para comprometer a política externa do país pode até mesmo ser o fundamento para uma intervenção federal em São Paulo.
Quem aplica o Direito nos Estados não pode brincar de fazer justiça, não tem o direito de legislar e de invadir a esfera de competência dos órgãos do Executivo Federal. Ordem não se alcança com rebelião. Progresso não há quando o Tribunal paulista rejeita implicitamente a política externa adotada soberanamente pela Federação.