A existência do fato jurídico e as relações obrigacionais

30/09/2014 às 09:19
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O trabalho traça uma análise acerca da existência de certos fatos introduzidos no campo jurídico pelo seu suporte fático e co-relacionando tal tema com as obrigações estabelecidas pelas relações jurídicas balizadas no campo do Direito das Obrigações.

RESUMO

Neste artigo científico, será realizada uma discussão a respeito da teoria do fato jurídico, isto é, a composição no mundo do Direito de fatos relevantes às relações inter-humanas e que estabelecem a vida em sociedade. O presente trabalho busca traçar uma análise acerca da existência de certos fatos introduzidos no campo jurídico pelo seu suporte fático e co-relacionando tal tema com as obrigações estabelecidas pelas relações jurídicas balizadas no campo do Direito das Obrigações. Para tanto, a discussão aqui apresentada terá como embasamento teórico, as reflexões apresentadas por Marcos Bernardes de Mello em seu livro Teoria do fato jurídico: plano da existência e as concepções trazidas pelos doutrinadores Pontes de Miranda, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, João Hélio de Farias Moraes Coutinho, Miguel Reale e Carlos Roberto Gonçalves, com o objetivo de mediar a reflexão a cerca das questões supracitadas.

PALAVRAS-CHAVE: Fato jurídico; existência; suporte fático; Direito das Obrigações.

INTRODUÇÃO

No presente artigo será discutido o plano da existência na teoria do fato jurídico, trazendo essa problemática à tona a fim de relacioná-la à questão do Direito Obrigacional no ordenamento jurídico brasileiro em face ao Novo Código Civil. Para tanto, o presente trabalho será tecido a partir da análise da obra Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência, de autoria do escritor alagoano Marcos Bernardes de Mello.

            O autor supramencionado é Ph.D. em Direito pela PUC-SP e mestre pela Faculdade de Direito de Recife. Atualmente, é professor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Alagoas, das Faculdades Alagoanas (FAL) e das Escolas Superiores de Advocacia, do Ministério Público e da Magistratura de Alagoas. Também é professor do curso de mestrado em Direito da Faculdade de Direito de Recife (UFPE) e membro da Academia Alagoana de Letras Jurídicas e dos Institutos dos Advogados brasileiro e alagoano. Suas obras de maior destaque no âmbito jurídico são: Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência, Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade, Teoria do Fato Jurídico: Plano da Eficácia, dentre outras.

Este trabalho busca traçar um breve diagnóstico acerca da existência de certos fatos introduzidos no campo jurídico pelo seu suporte fático e co-relacionando tal tema com as obrigações estabelecidas pelas relações jurídicas balizadas no campo do Direito das Obrigações. Nesse sentido, a discussão aqui apresentada terá como embasamento teórico, além das reflexões apresentadas por Marcos Bernardes de Mello em seu livro, como também as concepções acerca do assunto trazidas pelos doutrinadores Pontes de Miranda, Pablo Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, pelo professor Miguel Reale, dentre outros, com o objetivo de mediar a reflexão a cerca das questões já citadas.

1 O FATO JURÍDICO E SEU SUPORTE FÁTICO

O mundo gira em torno de fatos, que movimentam, modificam e estabelecem a vida em sociedade. Conforme afirma Marcos Bernardes de Mello, “[…] a vida é uma sucessão permanente de fatos” (MELLO, 1988, p. 23). Acontecimentos, desde os mais relevantes até os corriqueiros do dia a dia, são eles que dão a engrenagem à vida social. Tudo o que ocorre são fatos. Desde a gestação, nascimento até a morte, todos os eventos que integram todo esse relance são perpassados por fatos.

Na sua finalidade de ordenar a vida em sociedade, o Direito considera os fatos de maior relevância no relacionamento entre os seres humanos, aqueles que interferem direta ou indiretamente, afetando de algum modo o equilíbrio da disposição do homem perante os outros homens ou a sociedade, e através das normas jurídicas pressupõem esses episódios como fatos de natureza jurídica, ou melhor dizendo, fatos jurídicos. Para João Hélio de Farias Moraes Coutinho, esses eventos devem ser preponderantes “[…] para as relações intersubjetivas humanas. Em outras palavras, para que um fato seja considerado um fato jurídico é mister que haja uma norma pertencente a um determinado sistema jurídico que atribua um efeito jurídico a esse fato” (COUTINHO, 2010, p. 01).

O mundo jurídico configura a conjugação de uma norma hipotética com um fato concretizado que foi materializado por ela. O fato jurídico é o que entra, no mundo jurídico, mediante a incidência da regra jurídica. Este, no entanto, constitui a reunião de uma norma pré-determinada com a sua materialização no ambiente social. Isso ocorre porque somente após a incidência de uma regra jurídica é que os suportes fáticos entram no mundo jurídico, isto é, tornando-se realmente fatos jurídicos.

Para o professor Miguel Reale, “[…] fato jurídico é todo e qualquer fato que, na vida social, venha a corresponder ao modelo de comportamento ou de organização configurado por uma ou mais normas de direito” (REALE, 2001, p. 188).

Os fatos jurídicos são fatos reais a que a norma jurídica enquadra ao mundo jurídico (do Direito). O fato, enquanto apenas fato e a norma jurídica, enquanto não se realizarem seus pressupostos de incidência (suporte fático) não tem qualquer efeito vinculante relativamente aos homens.

Segundo Lourival Vilanova (1995), “[…] a norma jurídica, ao atuar sobre os fatos que compõem o mundo, atribui-lhes consequências específicas, denominadas efeitos jurídicos, em relação aos homens (pela causalidade normativa)” (VILANOVA, 1995, p. 90 apud COUTINHO, 2010, p. 01). Exemplificando, a oferta e a aceitação são fatos jurídicos que produzem efeitos jurídicos. Assim, o contrato proveniente delas também é fato jurídico, com suporte nos dois fatos jurídicos anteriores. Os efeitos jurídicos advindos desses fatos jurídicos sendo descumpridos ensejam em responsabilidades jurídicas, como nulidade ou anulabilidade da relação jurídica, reparação civil, indenização por perdas e danos etc.

A melhor conceituação encontrada na Doutrina para fato jurídico, na concepção de Marcos Bernardes de Mello, é a estabelecida por Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, pois este enquadra todos os elementos estruturais que dão precisão e autenticidade à definição. De acordo com o doutrinador,

o fato jurídico é o que fica do suporte fático suficiente, quando a regra jurídica incide e porque incide. Tal precisão é indispensável ao conceito de fato jurídico. […] no suporte fático se contém, por vezes, fato jurídico, ou, ainda, se contêm fatos jurídicos. Fato jurídico é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica. Não importa se é singular, ou com­plexo, desde que, conceptualmente, tenha unidade (PONTES DE MIRANDA, 2005, p. 36-37).

            Mas o que seria o suporte fático? Suporte fático é a junção dos elementos que estruturam o fato, sendo ele jurídico e estão determinados na norma jurídica e a tornam materializada quando cumpridos os dados que expressamente ou implicitamente compõe a respectiva instituição jurídica. Os elementos que integram o suporte fático são fundamentais para a criação do fato jurídico e consequente incidência da norma.

Inicialmente, os suportes fáticos são constituídos de elementos positivos e negativos. Nos primeiros estão enquadrados os acontecimentos simples, complexos e continuados, além de estados fáticos ou jurídicos, por exemplo, casar e comprar uma casa, que são acontecimentos, ser surdo-mudo, que consiste em um estado fático, ter menoridade, isto é, ser incapaz civilmente – estado jurídico etc. Já a omissão, a abstenção, a ausência, o silêncio, dentre outros, constituem elementos negativos do suporte fático.

O suporte fático também compreende elementos subjetivos e objetivos. Nessa divisão enquadram-se, respectivamente, os sujeitos e o objeto do suporte fático. Os fatos jurídicos, segundo Marcos Bernardes de Mello, “[…] pressupõem uma necessária referibilidade a sujeitos de direito, porque sua eficácia (jurídica) se liga, essencialmente, a alguém ou a algum ente, inclusive a conjunto patrimonial, a que o ordenamento jurídico outorga capacidade de direito” (MELLO, 2007, p. 50). Os elementos objetivos constituem os objetos que compõem o suporte fático, ou seja, a sua atribuição a alguém pelas normas jurídicas. Segundo o autor, os bens da vida, em geral, podem integrar o suporte fático, exceto aqueles em que há norma que os pré-exclua de apropriação, como são os bens de uso comum do povo, e aqueles que por sua natureza são inapropriáveis, como o é o sol, o espaço cósmico etc. (Idem, p. 51).

Os suportes fáticos em sua grande maioria são complexos, poucos são os casos em que estes se compõem de apenas um fato. Assim, os suportes fáticos complexos se constituem de elementos nucleares – cerne e completante – e complementares. Os elementos nucleares são os fatos considerados, pela norma jurídica, essenciais para a sua incidência e para a criação do fato jurídico. Exemplo disso, é a morte, quanto à sucessão. A morte, nesse sentido, é o cerne do suporte fático, isto é, não haverá relações sucessivas sem que haja o óbito do indivíduo que possui o patrimônio.

 Além do cerne, que compõe o núcleo do suporte fático há também fatos que o completam, são os chamados completantes. Por exemplo, em um contrato de compra e venda, a manifestação de vontade consciente das partes é o cerne e a entrega do bem negociado e o pagamento por ele são os fatos completantes, pois somente o acordo, que consiste na manifestação de vontade, não leva ao cumprimento integral do negócio, é necessária também a entrega do objeto e efetuada a prestação para que haja a tradição.

Os elementos complementares, contudo, não integram o núcleo do suporte fático, mas o complementam levando à perfeição de seus elementos. Isto significa que para a consolidação de um fato jurídico, por exemplo, não basta haver um objeto qualquer, esse objeto deve compreender os seguintes aspectos: licitude, moralidade, as possibilidades física e jurídica e a determinabilidade, como também o sujeito, este deve cumprir certos ditamos, como: ter capacidade civil plena, legitimidade, perfeição da manifestação de vontade, isto significa a ausência de erro, dolo, coação, dentre outros defeitos do negócio jurídico e boa-fé.

2 A EXISTÊNCIA DOS FATOS JURÍDICOS

Conforme o ponto de vista de Marcos Bernardes, “os elementos nucleares do suporte fáctico têm sua influencia diretamente sobre a existência do fato jurídico, de modo que a sua falta não permite que se considerem os fatos concretizados como suporte fáctico suficiente à incidência da norma jurídica” (Ibidem, p. 53). No entanto, os elementos complementares apenas constituem pressupostos para a validade e eficácia dos negócios jurídicos.

            Nesse sentido, pode-se concluir que na falta de elementos nucleares não existirá um fato tido como jurídico, como também se não houver, no suporte fático, elementos complementares o negócio estará deficiente e, dessa forma, serão comprometidas sua validade, pois o negócio poderá existir, porém será nulo ou suscetível de anulabilidade, e eficácia, isto porque poderá o negócio existir, ser válido, mas ineficaz.

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            Sobre o assunto, o autor supra afirma que:

 

os elementos completantes, junto ao elemento cerne, constituem  o próprio suporte fáctico do fato, de modo que sua integral (completa) concreção no mundo é pressuposto necessário à incidência da norma jurídica: são elementos de suficiência do suporte fáctico. Como consequência, a falta de qualquer deles importa não haver fato jurídico. Os elementos complementares e os integrativos, diferentemente, não se referem à suficiência do suporte fáctico, mas à eficiência de seus elementos. São sempre pressupostos de validade ou eficácia do ato jurídico a que dizem respeito. Portanto, se os elementos de suficiência se concretizam, o ato jurídico existe, mas será invalido ou ineficaz se falta elemento complementar […] (op. cit., p. 62-63).

 

 

Existência, validade e eficácia compreendem um esquema teórico desenvolvido por Pontes de Miranda para estudar o fato jurídico. São denominados planos, as vicissitudes que podem passar um fato jurídico para tornar-se perfeito, isto é, apto a produzir efeitos. Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, fazem uma sucinta análise de cada um desses planos, co-relacionando-os.

No plano da existência, os autores afirmam que, “[…] um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se, para que seja considerado como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 363). Na validade, no entanto, “[…] o fato de um negócio jurídico ser considerado existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja, com aptidão legal para produzir efeitos” (Idem). E, por fim, no plano da eficácia, “ainda que um negócio jurídico existente seja considerado válido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu, isto não importa em produção imediata de efeitos, pois estes podem estar limitados por elementos acidentais da declaração” (Ibidem).

Este trabalho não se enfocará nos planos da validade e eficácia dos fatos jurídicos, apenas em sua existência. Contudo, a medida que forem necessários alguns relances a respeito dos temas, estes serão abordados, porém de forma superficial.

Conforme a lição de Legaz e Lacambra, “existir é estar no mundo e poder dar-se forma” (apud MELLO, 2007, p. 81). A existência do fato jurídico constitui, pois, segundo a visão de Marcos Bernardes de Mello, “a premissa de que decorrem todas as demais situações que podem acontecer no mundo jurídico” (MELLO, 2007, p. 100). Assim, não há o que se falar em plano da validade e/ou da eficácia sem a existência do fato jurídico.

Muitas doutrinas, equivocadamente, não distinguem os planos que compreendem os fatos jurídicos, trazendo-os com a mesma significação. Por exemplo, o professor Miguel Reale não utiliza-se da técnica de divisão dos fatos jurídicos através dos planos de existência, validade e eficácia. Porém, em sua doutrina, mesmo não distinguindo os planos de validade e o plano de eficácia, Reale separa adequadamente as concepções de atos nulos, anuláveis e inexistentes. Para ele, os atos nulos “[…] são atos que carecem de validade formal ou vigência, por padecerem de um vício insanável que os compromete irremediavelmente, dada a preterição ou a violação de exigências que a lei declara essenciais” (REALE, 2001, p. 193). Os anuláveis, ao contrário, “[…] são aqueles atos que se constituem com desobediência a certos requisitos legais que não atingem a substância do ato, mas sim a sua eficácia, tornando-os inaptos a produzir os efeitos que normalmente lhes deveriam corresponder” (Idem, p. 193). Já os atos jurídicos inexistentes, são aqueles “[…] cuja existência é contestada […] sem razão por diversos autores que, pura e simplesmente, os equiparam aos atos nulos, ou os repelem como elementos estranhos ao Direito” (Ibidem, p. 194).

Ainda segundo o autor,

 

não se pode confundir a inexistência, - que é um vício antes natural ou fático, devido à falta de elementos constitutivos, com a nulidade, que resulta da não-correspondência dos elementos existentes com as exigências prefiguradas em lei. O ato inexistente, na realidade, carece de algum elemento constitutivo, permanecendo juridicamente embrionário, ainda in fieri, devendo ser declarada a sua não-significação jurídica, se alguém o invocar como base de uma pretensão. Os atos nulos ou anuláveis, ao contrário, já reúnem todos os elementos constitutivos, mas de maneira aparente ou inidônea a produzir efeitos válidos, em virtude de vícios inerentes a um ou mais de seus elementos constitutivos (op. cit.).

 

 

            É no plano da existência que se estudam os elementos constitutivos do suporte fático para se chegar à conclusão se tal fato é jurídico ou não, isto é, se o fato estudado existe ou não, no mundo jurídico. E, somente a partir daí, é que se pode cogitar a questão da validade e eficácia do negócio jurídico.

            Dessa forma, entende-se que o plano da existência é o norte para os demais planos, pois é através dele que se inicia a analise dos demais planos. Por exemplo, o processo de sucessão de bens de pessoa viva, o fato jurídico, nesse caso, não existe, pois não foi cumprido o elemento nuclear da relação de sucessão que é a morte do possuidor do patrimônio. Outro exemplo é o casamento celebrado por autoridade que não tem competência para tal, digamos por um oficial de justiça, tal fato é inexistente para o mundo jurídico, pois falta-lhe um elemento completante do suporte fático, isto é, a autoridade competente.

3 AS RELAÇÕES OBRIGACIONAIS NOS FATOS JURÍDICOS

Os fatos jurídicos são as fontes básicas das obrigações. São eles que dão vida às relações obrigacionais e as constituem, tornando-as capazes de produzir seus efeitos no âmbito jurídico. Exemplos desses fatos são os contratos, que consistem em acordos que vinculam manifestações de duas ou mais vontades, os negócios jurídicos unilaterais e os delitos e/ou os quase delitos, que envolvem ilicitude e antijuridicidade em sua constituição.

No entanto, não basta existir para que o fato jurídico produza efeitos. Ele precisa ser válido, isto é, perfeito, sem qualquer vício invalidante e, principalmente, precisa ser eficaz. O plano da eficácia é, segundo Marcos Bernardes de Mello, “a parte do mundo jurídico onde os fatos jurídicos produzem os seus efeitos, criando as situações jurídicas, com todo o seu conteúdo eficacial representado pelos direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções, ou os extinguindo” (MELLO, 2007, p. 101).

É nesse plano que se verifica a eficácia do negócio jurídico e sua repercussão juridicamente no plano social, estampando um movimento dinâmico ao campo jurídico e às relações de direito privado em geral, compreendendo nele, dentre outras, as questões contidas no Direito das Obrigações.

Um fato jurídico perfeito está apto legalmente a produzir efeitos jurisdicionais. A obrigação é um desses efeitos, pois descumprido um dos requisitos constantes na regra legal o sujeito passivo da relação será responsabilizado juridicamente. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves,

 

obrigação é o vinculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Corresponde a uma relação pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (extingui-se pelo cumprimento), cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível. É o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações (GONÇALVES, 2002, p. 02).

Um exemplo disso é um contrato de locação que cumpriu todos os pré-requisitos de existência, validade e eficácia, os sujeitos que firmaram a relação jurídica tem capacidade de agir, possuem legitimidade e pressupõe-se que estejam agindo com boa-fé, além de ser o objeto lícito e determinado, e tendo os sujeitos contraído obrigações por meio de um contrato legalmente formalizado. Porém, tendo recebido o imóvel locado, o sujeito passivo (devedor) fica submetido a pagar prestações de certa quantia mensalmente, sendo que ao passarem alguns meses o mesmo deixa de pagar tais prestações, ficando inadimplente com o credor. Nesse sentido, o não-cumprimento da obrigação acarreta ao devedor a responsabilidade do pagamento do valor devido mais perdas e danos ao credor.

            A responsabilidade não pode ser confundida com a obrigação, mesmo sendo ambas efeitos jurídicos provenientes do fato jurídico perfeito. Isto por que a primeira surge a partir do inadimplemento da segunda. Assim, significa dizer que a responsabilidade só surge no campo jurídico quando o devedor não cumpre espontaneamente a obrigação que lhe era sujeita. Dessa forma, ela é a consequência jurídica pelo descumprimento da relação obrigacional.

Vale salientar, nesse sentido, que quando há a concretização de um fato jurídico, seja ele sinalagmático ou não, isto é, quando em uma relação duas ou mais pessoas manifestam vontades para a realização de um fato jurídico, estes contraem para si obrigações, ou melhor, encargos a serem realizados, tenham eles características de entrega, restituição, feitio ou não de alguma coisa, cujo inadimplemento da referida obrigação prejudica a parte que a enseja. Assim, a partir desse momento, a responsabilidade patrimonial nasce para quem deveria ter cumprido a obrigação e deixou de fazê-la, ficando, dessa maneira, responsável civilmente pelos efeitos deste inadimplemento.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A análise realizada acerca do estabelecimento dos fatos no mundo jurídico, sua estruturação enquanto suporte fático e sua importância nas relações entre sujeitos que compõem a vida social são de fundamental relevância para a compreensão dos vários ramos do Direito, como o direito privado que nos remetemos no estudo do Direito das Obrigações.

            A partir desse estudo, entende-se que o fato jurídico é o elemento fundamental da juridicidade, pois é a fonte imediata do mundo jurídico, sem ele não há a materialização no mundo fático da norma/regra de Direito. Enquanto não há incidência da norma, isto é, enquanto não há a sua concreção, ela não deixa de ser “letra morta”, pura hipótese, mera abstração lógica.

Nessa perspectiva, entender a materialização dos fatos jurídicos e seus estágios de cumprimento, ou seja, existência, validade e eficácia, são significantes para a firmação de relações jurídicas perfeitas, que não constem nenhum vício ou defeito que possam torná-lo inexistente, nulo, anulável ou ineficaz, e possam acarretar problemas futuros.

As relações jurídicas estão impregnadas de fatos reais que são muitas vezes tomados como irrelevantes, porém o entendimento da função social dos fatos para a vida em sociedade faz com que se enxergue além do conhecimento comum, isto é, sem cientificidade. O Direito é uma ciência social e assim deve ser estudado, considerando sua função nas relações humanas em sociedade.

            No Direito das Obrigações, estar ciente destas noções é bastante significante, pois se evita, em muitos casos, o desgaste de se firmar negócios “jurídicos” que não tenham passado pelos crivos de existência, validade e eficácia e, assim, acarretem mais tarde responsabilidades no meio jurídico, como indenizações e ressarcimentos. Reconhecer os requisitos que torna um fato, ato ou negócio jurídico perfeito é, nesse sentido, a “chave mestra” para a prevenção de problemas futuros, que se revisados anteriormente poderiam ter sido evitados.

           

5 REFERÊNCIAS

COUTINHO, João Hélio de Farias Moraes. Fato Jurídico. Disponível em: <http://www.sefaz.pe.gov.br/flexpub/versao1/filesdirectory/sessions572.pdf>. Acesso em 28 fev. 2011. 10 p.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. v. 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações: sinopses jurídicas. v. 5. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 41-129.

______. Teoria do fato jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 01-49.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. tomo I. Campinas: Bookseller, 2005. 214 p.

REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

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Sobre a autora
Mylena Maria Moura Gomes

Graduanda do 10º Período do Curso de Direito da Faculdade Ciências Humanas e Sociais - Faculdade AGES e estagiária de Direito do Ministério Público do Estado da Bahia (Promotoria Regional de Euclides da Cunha - BA)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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