Antecipação dos efeitos da sentença penal condenatória transitada em julgado

01/10/2014 às 16:15
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A demora em se obter um provimento jurisdicional se agrava no Processo Penal, pois muitos réus ficam presos provisoriamente aguardando o trânsito em julgado da sentença penal condenatória transitada em julgado, sofrendo antecipadamente seus efeitos.

I – Introdução

O presente artigo tem como finalidade realizar uma crítica a morosidade Judiciária Brasileira, fazendo um paralelo com a ineficácia da garantia fundamental da duração razoável do Processo e os efeitos antecipatórios da sentença penal transitada em julgado. A demora em se obter um provimento jurisdicional se agrava mais quando ocorre dentro do Processo Penal, porquanto em muitos casos os réus permanecem presos cautelarmente até a sentença penal condenatória transitada em julgado sofrendo antecipadamente seus efeitos, mesmo que no final sejam absolvidos. Uma realidade totalmente desarmônica com as garantias constitucionais, bem como convenções internacionais, das quais o Brasil é signatário.

II- A discussão

Há hodiernamente uma antecipação dos efeitos da sentença penal condenatória transitada em julgado, uma vez que muitos réus já cumprem suas penas antes mesmo de haver sentença penal condenatória. Tal situação é característica do poder judiciário brasileiro, pois, há um enorme lapso entre a prisão do réu e o seu julgamento, afrontando princípios, garantias e direitos previstos na Constituição Federal.  

O processo por si só já se caracteriza uma pena, não somente física, mas social e econômica, uma vez que quem responde um processo mesmo que em liberdade possui dificuldades de arrumar emprego, é visto com outros olhos pela sociedade etc. Além, claro dos efeitos psicológicos. [1]

Contudo, a situação se agrava ainda mais quando o réu responde o processo preso cautelarmente, que, em face da presunção de inocência, deveria ser determinada apenas em caso que realmente necessitasse de uma cautelaridade, e não apenas pela gravidade do delito.

Atualmente no processo penal brasileiro há dois tipos de prisão: a prisão cautelar e a prisão pena. A primeira ocorre em antes do transito em julgado, e a segunda após o transito em julgado.

As Prisões Cautelares devem ser excepcionais e provisórias. O Código de Processo Penal foi alterado recentemente em 2011 pela lei 11403/11, permanecendo no ordenamento jurídico penal, a prisão preventiva e a prisão temporária. Além do rol de medidas cautelares diversas da prisão. Ressalte-se que a prisão em flagrante passou a ter caráter pré-cautelar, uma vez que necessita ser convertida em preventiva, caso preencha o os requisitos e fundamentos, conforme artigo 310, II do Código de Processo Penal.

Para ser decretada a prisão preventiva ou convertida a prisão em flagrante em prisão preventiva deve ser preenchidos requisitos legais e fundamentos, previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Além disso, ambos os artigos devem ser lidos conjuntamente, uma vez que não basta o réu ser reincidente ou o crime ser doloso com pena máxima superior a quatro anos, devem também estar presentes os requisitos do artigo 313 do Código de Processo Penal.

A mera gravidade em abstrato do delito não é suficiente para que o acusado tenha que permanecer custodiado cautelarmente, devendo ser demonstrada, no caso concreto, a necessidade de sua prisão.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“INDEFERIDA. NECESSIDADE DA MEDIDA NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A simples consideração genérica de que o réu possui personalidade voltada à prática de crimes, dissociada de elementos concretos, não é suficiente para cercear, por antecipação, a liberdade do denunciado. 2. Para o indeferimento do pedido de liberdade provisória, é indispensável a demonstração objetiva da efetiva necessidade da segregação cautelar, evidenciando-se na decisão a real ameaça à ordem pública ou econômica, o risco para a regular instrução criminal ou o perigo de se ver frustrada a aplicação da lei penal. Precedentes. 3. Ordem concedida para assegurar ao paciente o benefício da liberdade provisória, determinado a expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso” (HABEAS CORPUS Nº 75.220 – SP (2007/0012632-4) 22 de maio de 2007 (Data do Julgamento) (1743). 

“A gravidade do delito, mesmo quando praticado crime hediondo, se considerada de modo genérico e abstratamente, sem que haja correlação com a fundamentação fático objetiva, não justifica a prisão cautelar. A prisão preventiva é medida excepcional de cautela, devendo ser decretada quando comprovados objetiva e corretamente, com motivação atual, seus requisitos autorizadores. O clamor público, por si só, não justifica a custódia cautelar. Precedentes citados: HC 5.626-MT, DJ 16/6/1997, e HC 31.692-PE, DJ 3/5/2004. HC 33.770-BA Rel. Min. Paulo Medina, julgado em 17/6/2004” (noticiado no Informativo 213 do Superior Tribunal de Justiça – STJ).

Ademais, em respeito ao princípio da proporcionalidade a prisão preventiva deverá ser a última medida cautelar a ser aplicada, nos termos do artigo 282§6º. Ou seja, o juiz deverá primeiramente aplicar as medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. [2]

Nesse sentido deve estar presentes a fumus commissi delicti e o periculum libertatis. Sendo que o primeiro nada mais é que prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Ressalte-se que deve haver um juízo de probabilidade bem maior do que para receber a denúncia.  E o segundo é o perigo que o réu solto pode ocasionar.

Tal perigo deve ser concreto e não apenas baseado em presunções. O artigo 312 do Código de Processo Penal prevê fundamentos que autorizam o magistrado para decretar a prisão preventiva: garantia da ordem pública ou da ordem econômica, por conveniência da instrução ou para assegurar a lei penal. Salienta-se que basta a concretização de um desses fundamentos para justificar o decreto.

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Ocorre que a demora em obter um provimento jurisdicional combinado com a falta de prazos para a duração da prisão cautelar em especial a preventiva, muitas vezes faz com que o réu fique preso cautelarmente todo o processo e, consequentemente, já cumpra a pena antes mesmo da sentença condenatória transitada em julgado.

Todos os réus possuem o direito de ser julgado em um tempo razoável conforme artigo 5º inciso LXXVIII da Constituição Federal - inserido pela Emenda constitucional nº 45 - bem como artigos 6.1 e 5.3 da Convenção Europeia de proteção aos Direitos humanos e Liberdades Fundamentais e artigos 7.5 e 8.1 da Corte Americana de Direitos Humanos. Além de possuírem o direito de serem tratados como inocentes até antes do transito em julgado, conforme artigo 5°, LVII da Constituição Federal.

Assim, resta claro que há a necessidade de ser definido por meio de normas o significado de “duração razoável”, dando eficácia para essa Garantia, a qual já era protegida pelos Tratados Internacionais firmados pelo Brasil e em razão da Emenda Constitucional passou a ser reconhecido como Garantia Fundamental. Percebe-se que muito embora o art. 5º §1º da Constituição Federal ser expresso que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, a simples previsão não é capaz de resolver o problema da demora processual. [3]

Na legislação pátria não existe prazo máximo para o término da ação penal e, igualmente, não existe para as prisões preventivas. Embora o artigo 400 do Código de Processo Penal prevê que a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada no prazo máximo de 60 dias, este não prevê prazo máximo para a duração do processo, tampouco estabelece sanção em caso de descumprimento.

 Deste modo, a demora para obter uma sentença penal, além de ferir garantias constitucionais, viola direitos fundamentais previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos e Convenção Europeia de Proteção aos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais.

Cumpre mencionar o processo nº 0002077-75.2013.826.0050 que tramitou na 31ª Vara Criminal, o qual me chamou atenção. A ré foi presa e denunciada como incurso no artigo 33 da lei n° 11.343/06.

A prisão em flagrante foi efetuada no dia 09 de janeiro de 2013 e convertida em prisão preventiva, no entanto a audiência de instrução e julgamento somente foi realizada oito meses depois. Ao fim persecução penal o Juízo “a quo” entendeu por bem absolver a ré por falta de prova com fundamento no artigo 386, VII do Código de Processo Penal.

Ressalte-se que a ré era primária, com bons antecedentes e possuía 18 anos na data do fato.  Ou seja, a ré ficou presa cautelarmente 08 meses e no final foi absolvida e conseqüentemente expedido o alvará de soltura. Não me parece que realmente foi absolvida, uma vez que sofreu os efeitos prévios de uma ação penal condenatória, em razão da demora do poder judiciário.

Não é o único nem o primeiro caso de réus que cumprem a pena antes mesmo de ter uma ação penal condenatória.

Outro caso foi o processo n° 0105280-24.2011.8.26.0050, o qual, também tramitou na 31ª Vara Criminal. O réu foi condenado à pena de 10 meses em regime inicial semiaberto com incurso no artigo incurso no artigo 155, “caput”, combinado com o artigo 14, inciso II e 61, II todos do código Penal e, consequentente, foi expedido mandado de prisão para o réu. Ocorre que o réu já tinha ficado preso cautelarmente pelo mesmo processo por 06 meses.

Além de já ter direito a progressão para o regime aberto, o réu cumpriu a pena em regime mais gravoso do aplicado na sentença, em razão da demora do judiciário em proferir-lá.

Cumpre destacar, que o tempo de uma pessoa presa dentro de uma penitenciária, está bem longe de ser o mesmo tempo de uma pessoa livre. Ainda mais, na situação que se encontra o Sistema Carcerário Brasileiro. O tempo objetivo é o mesmo, no entanto o tempo subjetivo é muito maior para quem está com sua liberdade restringida. O passar de um dia parece uma eternidade. [4]

III – Conclusão

A grande consequência da demora judicial é o numero de pessoas presas ilegalmente, cumprindo pena sem nem sequer ter sido condenada. Assim, a prisão cautelar se desvirtua, não sendo mais exceção e sim regra com a finalidade antecipar o cumprimento da pena.  

É evidente que a demora jurisdicional viola Garantias Fundamentais, principalmente o direito de ser julgado em um prazo razoável e o respeito ao princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal, tão explicado nas salas de aulas das universidades como um dever de tratamento, mas nem um pouco utilizado na prática forense.


[1]  LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013

[2]  FERNANDES. Antonio Scarance. PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL - 7ªED 2012 p.293

[3] LOPES JR., Aury. Op cit.

[4]  LOPES JR., Aury. Op.cit.

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