ICMS. Combustíveis automotivos. ADIn nº 4.171. Necessidade de interpretação conforme a Constituição.

Estorno de crédito do ICMS nas operações interestaduais com Gasolina C e Óleo Diesel B, relativamente às parcelas de Etanol Anidro e Biodiesel B100, respectivamente, que os integram

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Breve estudo sobre os aspectos legais e operacionais inerentes ao estorno de crédito do ICMS sobre Etanol Anidro e Biodiesel B-100 que integram a Gasolina C e Óleo Diesel B, respectivamente, em operações interestaduais, objeto da ADIn nº 4.171.

SUMÁRIO: 1 Foco da discussão; 2 Aspectos legislativos; 2.1 O “x” da questão; 3 Da impossibilidade material do estorno e do acerto parcial do voto da ex-Ministra Relatora Ellen Gracie; 3.1 Da injusta modulação temporal dos efeitos da decisão; 4 Do desacerto do voto do Ministro Luiz Fux; 5 Dos aspectos operacionais do ICMS sobre os combustíveis automotivos derivados de petróleo e os biocombustíveis (Etanol Anidro e Biodiesel B-100); 6 Necessidade de interpretação conforme a Constituição para se preservar a justiça fiscal, pois o dinheiro está saindo do “cofre” errado!; 7 O dever do CONFAZ; 8 Considerações finais.

1 FOCO DA DISCUSSÃO

Tramita no Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), desde o dia 13/11/2008, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 4.171, proposta pela Confederação Nacional do Comércio - CNC, na qual se discute a “in”constitucionalidade de dispositivo do Convênio ICMS nº 110/2007, editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ.

O foco da discussão é a pretensão do “estorno de crédito” do ICMS inerente a parcela de biocombustível (Etanol Anidro[1] ou Biodiesel B-100) adicionada a combustível mineral (derivado do petróleo: Gasolina A ou Óleo Diesel A), de cujo processo de mistura resulta a Gasolina C e o Óleo Diesel B[2] (comercializados nas bombas dos postos de combustíveis), respectivamente, quando estes produtos são objeto de operações interestaduais, cujo ônus do tributo vem sendo suportado pelas Distribuidoras de Combustíveis, desde 1º de julho de 2008, relativamente a parcela do Etanol Anidro, e desde 1º de janeiro de 2009, relativamente ao Biodiesel B-100.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada em 03/08/2011, proferiu a decisão seguinte:

 “Decisão: Após o voto da Senhora Ministra Ellen Gracie (Relatora), julgando procedente a ação direta, com eficácia diferida por 6 meses após a publicação do acórdão, e os votos dos Senhores Ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia, julgando-a improcedente, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Ausente o Senhor Ministro Joaquim Barbosa, licenciado. Falou pela requerente o Dr. Carlos Roberto Siqueira Campos. Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 03.08.2011.” (ATA Nº 20, de 03/08/2011. DJE nº 158, divulgado em 17/08/2011) 

Os autos foram devolvidos pelo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, em 16/09/2011, e, desde 27/03/2012, encontra-se concluso à Senhora Ministra Rosa Weber, a qual substituiu a Senhora Ministra Relatora Ellen Gracie, encontrando-se o feito na pendência de inclusão em pauta.

Na sessão de julgamento, de 03/08/2011, cujo vídeo encontra-se disponível na internet (www.youtube.com/watch?v=4KpIXVMcd8s), ficou evidenciada a complexidade da matéria, o que aqui se pretende aclarar.

No caso em questão, a Confederação proponente, em linhas gerais, defende a tese de que está havendo a “exigência de um novo tributo – sem lei – e que esse tributo é cumulativo, gravando novamente a mesma capacidade contributiva”, verdadeira bitributação!

Os Estados, por outro lado, advogam a tese de que, ainda que “ficticiamente”, as Distribuidoras de combustíveis se creditam do ICMS sobre as aquisições dos biocombustíveis Etanol Anidro e Biodiesel B-100, créditos esses que devem ser “estornados” pelo fato de tais produtos (i) constituírem insumos da Gasolina C e do Óleo Diesel B (derivados de petróleo comercializados pelos postos de combustíveis), respectivamente, e (ii) serem imunes ao ICMS nas subsequentes operações interestaduais, nos termos do art. 155, § 2º, X, “b”, da CRFB/1988.

2 ASPECTOS LEGISLATIVOS E O “X” DA QUESTÃO

Para elucidar a questão impõe destacar algumas características dos produtos envolvidos, bem como as previsões legislativas acerca das sistemáticas de tributação que os norteiam, destacando-se, também, alguns aspectos operacionais do tributo.

Gasolina A e Óleo Diesel A são combustíveis minerais (derivados do petróleo), relativamente aos quais, no que concerne ao ICMS, o legislador Constituinte adotou a técnica de tributação no destino, o que está consagrado nos seguintes dispositivos da Carta Magna:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3 de 1993, DOU de 18.03.1993)

[...]

X - não incidirá:

b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;

[...]

XII - cabe à lei complementar:

[...]

h)  definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; (Alínea acrescentada pela Emenda Constitucional nº 33, de 11.12.2001, DOU 12.12.2001)

[...]

§ 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:

I - nas operações com os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo;” (g.n.)

Tem-se, portanto, que o ICMS incidente sobre Gasolina e Óleo Diesel é devido “integralmente” ao Estado onde ocorre o consumo, ou seja, é devido ao Estado de Destino, e dúvida não sobeja quanto a isso. A forma como o tributo é operacionalizado será esclarecida mais adiante.

Já no que concerne ao Etanol Anidro e ao Biodiesel B-100 (biocombustíveis de origem agrícola), a Carta Máxima adotou a técnica de repartição tributária, segundo a qual o Estado de origem tem direito a parcela do ICMS correspondente a alíquota interestadual[3], ficando o Estado de destino com a parcela correspondente a diferença entre a alíquota interna deste (UF de destino) e a alíquota interestadual, consoante a inteligência do Art. 155, § 4º, II, a saber:

“Art. 155. [...]

§ 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte: [...]

II - nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias;” (grifou-se)

Quando os produtos Gasolina A e Óleo Diesel A (100% derivados de petróleo), e Etanol Anidro ou Biodiesel B-100 (100% não derivados de petróleo) são destinados – de forma individualizada - para outros Estados da Federação, as previsões constitucionais acima transcritas se materializam sem nenhum transtorno, ou seja, o Estado de destino fica com 100% do ICMS da Gasolina A e do Óleo Diesel A, ao passo que, o ICMS incidente sobre o Etanol Anidro e Biodiesel B-100 é repartido entre os Estados (de origem e de destino), na proporção acima exposta.

 2.1 o “x” da questão

O imbróglio surge quando se mistura Gasolina A (75%) com Etanol Anidro (25%), para obtenção da Gasolina C, e se mistura o Óleo Diesel A (95%) com o Biodiesel B-100 (5%), para obtenção do Óleo Diesel B, que são os produtos comercializados pelos postos revendedores, por intermédio de bombas medidoras.

A questão toma corpo porque o processo de mistura não desnatura a condição de derivado de petróleo da Gasolina e do Óleo Diesel, ou seja, a Gasolina C e o Óleo Diesel B, para todos os fins, são considerados derivados de petróleo, dada a preponderância dos derivados de petróleo (Gasolina A e Óleo Diesel A) no processo de mistura, em percentual superior a 70%[4], implicando dizer que o Etanol Anidro e o Biodiesel B-100, que compõem a Gasolina C e o Óleo Diesel B, respectivamente, deixam de ser biocombustível (de origem agrícola) e passam a ser considerados derivados de petróleo, dando, na visão do Fisco, azo ao estorno de crédito do ICMS caso a Gasolina C ou o Óleo Diesel B sejam objeto de operações interestaduais, estorno que, diga-se de passagem, não ocorre quando o produto é comercializado no mesmo Estado em que as referidas misturas tenham sido efetivadas.

Assim, os Estados sustentam que, em sendo a Gasolina C e o Óleo Diesel B derivados de petróleo, cujo ICMS pertence integralmente ao Estado onde ocorre o consumo (Estado de destino), e em não havendo incidência do ICMS nas operações interestaduais com tais produtos (art. 155, § 2º, X, “b”), deve-se “estornar” (anular) o crédito decorrente das entradas de Etanol Anidro e Biodiesel B-100, por força do disposto na alínea “b”, do inciso II, do § 2º, do art. 155 da Carta Política, crédito esse que, regra geral, é devido em razão do princípio constitucional da não-cumulatividade disposto no art. 155, II, § 2º, I, a saber:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II - operações relativas à circulação de mercadorias [...];

§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3 de 1993, DOU de 18.03.1993)

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;” (grifou-se)

3 DA IMPOSSIBILIDADE MATERIAL DO ESTORNO E DO ACERTO PARCIAL DO VOTO DA EX-MINISTRA RELATORA ELLEN GRACIE

Poder-se-ia até dar razão ao Fisco acaso o ICMS fosse operacionalizado mediante a sistemática normal de tributação, segundo a qual cada contribuinte realiza escrituração fiscal de créditos e débitos em conta gráfica, e, por conseguinte, procede com o recolhimento do tributo nas hipóteses de os débitos serem superiores aos créditos. Todavia, não é isso que ocorre no segmento de comercialização dos combustíveis automotivos, haja vista que, os Estados e o DF elegeram as refinarias de petróleo e as centrais petroquímicas como contribuintes substitutos de toda a cadeia[5] de circulação dos combustíveis automotivos, inclusive do Etanol Anidro e do Biodiesel B-100[6], cujas cargas tributárias são cobradas antecipadamente por esses contribuintes substitutos quando do fornecimento da Gasolina A e do Óleo Diesel A, respectivamente.

Assim, de logo, impõe-se louvar o acerto da ex-Ministra Relatora,  Senhora Ellen Gracie, ao julgar procedente a ADIn 4.171, exceto no que concerne a modulação do efeito da decisão, que difere a eficácia da decisão para 06 (seis) meses após a publicação do acórdão, eis que, por questão de justiça, tal decisão deveria ser proferida com efeito ex tunc, justo porque a conta do famigerado “estorno de crédito” instituído pelo Convênio ICMS nº 110/2007, com a redação que lhe fora dada pelos Convênios ICMS nºs 101 e 136, ambos de 2008, está sendo paga injustamente pelos Distribuidores de Combustíveis, quando na verdade deveria ser deduzida do Estado de destino, com amparo no Art. 155, § 4º, II.

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3.1 Da injusta modulação temporal dos efeitos da decisão

Tem-se, assim, que o desacerto da referida decisão reside na injusta modulação temporal dos seus efeitos, já que não se vislumbra razões plausíveis para tal medida, uma  vez que, a cobrança do estorno nunca existiu até a edição do Convênio ICMS nº 110/2007, e não existia porque os Estados sempre tiveram a consciência de que nas operações interestaduais, os valores do ICMS de um Estado para outro, e vice-versa, se compensam sem grandes distorções, exceto em raros casos, como sói ocorrer com o Estado de Rondônia (precursor do “estorno de crédito”[7]), o qual é mero intermediário na cadeia de circulação e, portanto, sofre grande impacto.

Outrossim, não se pode perder de vista que o dinheiro para cobrir a exação negativa sofrida pelo Estado intermediário da cadeia de circulação dos biocombustíveis está com os Estados de destino (Estados consumidores), como aqui restará demonstrado, ao passo que a cobrança do famigerado “estorno de crédito do ICMS” constitui bitributação, como bem enfatizou a Confederação proponente, razão pela qual as Distribuidoras devem ser reparadas mediante a restituição dos valores indevidamente pagos nos últimos 05 (cinco) anos.

4 DO DESACERTO DO VOTO DO MINISTRO LUIZ FUX

Por outro lado, convém demonstrar, com a devida vênia, o desacerto do voto proferido pelo Eminente Ministro Senhor Luiz Fux, haja vista ter sido proferido com base em premissa equivocada, eis que o Senhor Ministro entendeu que as Distribuidoras realizam crédito de ICMS sobre as aquisições de Etanol Anidro e Biodiesel B-100, o que sabidamente não é verdade.

Pelas discussões ocorridas na sessão plenária de 03/08/2011, tem-se a impressão de que o citado Ministro desconhece a sistemática operacional dos combustíveis automotivos, e isto fica evidente quando por ocasião dos debates, a Senhora Ministra Relatora, dirigindo-se ao Senhor Ministro Luiz Fux, assim se manifesta: “talvez eu tivesse sido mais feliz em convencer Vossa Excelência se tivesse feito a leitura do meu voto, que é longo [...]”

O desacerto torna-se evidente diante da impossibilidade material do estorno, pois, em sendo o estorno a “ação de estornar crédito ou débito indevidamente lançado em conta-corrente, livro-caixa etc.”[8], e que, ao contrário do que fez crer o Ministro, crédito não existiu, e não existe, dele (estorno) não se pode cogitar, já que as Distribuidoras foram alijadas da relação obrigacional Fisco x Contribuinte[9], em virtude de os Estado e o DF terem eleito as refinarias (e suas unidades) e as centrais petroquímicas como contribuintes substitutos exclusivos do ICMS sobre os combustíveis automotivos, inclusive sobre os biocombustíveis, e isso foi muito bem compreendido pelo Eminente Ministro, Senhor Marco Aurélio, por ocasião dos debates.

Não obstante, não se pode perder de vista que o Egrégio STF, ao julgar a ADIn nº 1.851, firmou entendimento no sentido de que a substituição tributária adotada pelos Estados e DF é definitiva, não se admitindo, portanto, restituição ou complementação, exceto no caso da não realização do fato gerador presumido (art. 150, § 7º da CRFB/1988).

5 DOS ASPECTOS OPERACIONAIS DO ICMS SOBRE OS COMBUSTÍVEIS AUTOMOTIVOS DERIVADOS DE PETRÓLEO E OS BIOCOMBUSTÍVEIS (ETANOL ANIDRO E BIODIESEL B-100)

Inicialmente, é oportuno frisar que ao contrário do que fez crer o Ministro Luiz Fux por ocasião dos debates, as Distribuidoras não praticam nenhuma espécie de substituição envolvendo os combustíveis em questão.

A incidência de ICMS sobre os produtos em comento ocorre de forma concentrada - por substituição tributária - nas refinarias (e em suas unidades) e nas centrais petroquímicas, importando dizer que, a previsão de substituição tributária por parte das Distribuidoras, contidas no Convênio ICMS nº 110/2007, aplica-se tão somente ao Etanol Hidratado (comercializado pelos postos), que aqui não é objeto de análise.

É nesse cenário, portanto, que as refinarias de petróleo (ou suas unidades) e as centrais petroquímicas, praticam a substituição tributária do ICMS correspondente a toda a cadeia de circulação dos combustíveis automotivos derivados de petróleo, inclusive dos biocombustíveis Etanol Anidro e ao Biodiesel B-100, cuja cobrança do imposto ocorre por ocasião do fornecimento da Gasolina A e Óleo Diesel A, respectivamente, momento em que a base de cálculo do ICMS é inflada[10] na proporção legal do percentual[11] do biocombustível a ser misturado ao combustível derivado de petróleo, em etapa subsequente, pela Distribuidora.

Para melhor compreensão, demonstra-se a seguir a sistemática operacional do ICMS, incidente sobre os citados combustíveis, tomando-se como exemplo apenas a Gasolina x Etanol Anidro, e realidade atual de Estados da Região Nordeste:

Primeiro Exemplo:

Unidade da Refinaria (PE) vende Gasolina A para Distribuidora (PE):

Cálculo do ICMS referente um litro do produto:

  1. Valor do  operação (valor da gasolina A):               R$ 2,2079
  2. Alíquota do ICMS do produto em PE:                               27%
  3. ICMS Normal da operação:                                     R$ 0,5961  (= A x B)

D. Base de cálculo da substituição tributária:           R$ 3,82267 (*)

(*) = PMPF de PE[12], R$ 2,8670 / 0,75 =  R$ 3,82267 o mesmo que

MVA = {[PMPF x (1 - ALIQ)] / [(VFI + FSE) x (1 - IM)] - 1} x 100

E. Alíquota do ICMS do produto em PE:                                           27%

F. Carga total do ICMS/PE (Gasolina + Etanol):        R$ 1,0321 (= D x E)

G. Valor do ICMS por substituição tributária:             R$ 0,4360 (= F C)

H. Total da NF da Unidade da Refinaria:                   R$ 2,6439 (=A + G)

Admitida a hipótese de que o Etanol Anidro tenha sido produzido em PE, a demonstração acima representa o retrato fiel do ICMS arrecadado pelo referido Estado nesta data (10/12/2013).

Porém, em se admitindo a hipótese de o Etanol Anidro utilizado em PE ter sido oriundo da PB, impõe-se neste caso a partição da carga tributária do Anidro, como determinado pela CF/1988 (Art. 155, § 4º, II), cujo instrumento utilizado para tal finalidade é o Sistema de Captação e Auditoria dos Anexos de Combustíveis – SCANC – CTB[13], sistema esse que representa uma espécie de Câmara de Compensação entre os Estados da Federação para fins de repasse de ICMS decorrentes de operações interestaduais entre eles.

Nessa hipótese é gerado o Anexo IV do SCANC-CTB, no qual são relacionadas todas as operações de venda do Etanol Anidro da PB para PE, e é quantificado o valor do ICMS devido ao Estado da PB sobre tal operação (in casu, sob a alíquota interestadual de 12%). Por conseguinte, o referido Anexo IV, gera - automaticamente - o Anexo V, o qual é enviado eletronicamente para a Unidade da Refinaria em PE, informando o valor de ICMS devido ao Estado da PB pelo fornecimento do Etanol Anidro ao Estado de PE, cujo valor é deduzido do ICMS calculado inicialmente pela Unidade da Refinaria em favor do Estado de PE (vide exemplo acima), restando evidenciado, neste caso, que PB ficará com 12% do ICMS incidente no Etanol Anidro, cabendo a  PE a parcela resultante da diferença entre a sua alíquota interna (27%) (-) a alíquota interestadual (12%), ou seja, nessa situação PE ficará com 15% do ICMS incidente na referida operação.

Segundo Exemplo:

Distribuidora(PE) vende Gasolina C para Posto Revendedor(AL), cujo anidro que compõe o referido produto foi oriundo da PB:

Neste caso são gerados os seguintes Anexos pelo Sistema de Captação e Auditoria dos Anexos de Combustíveis – SCANC – CTB:

  1. Anexo II – Relacionando todas as operações de vendas realizadas pela Distribuidora de PE para Posto de AL;
  1. Anexo III – Quantificando o valor devido ao Estado de AL, em decorrência das operações relacionados no Anexo II, e fazendo o confronto de tal valor com o valor originalmente calculado de forma presumida, pela Unidade da Refinaria em favor de PE, apurando-se eventual necessidade de complementação de valor do ICMS em favor de AL ou o ressarcimento em favor do contribuinte(PE), em virtude de o fato gerador presumido, inicialmente previsto pela Unidade da Refinaria em favor de PE, não ter se materializado, já que o consumo ocorreu no Estado de AL.

Como dito, o imbróglio surge exatamente neste ponto. A alegação dos Estados é que nesse exemplo o Estado de PE está sofrendo exação negativa, o que de fato ocorre, pois ao repassar toda a carga tributária da Gasolina C, sob o entendimento de que tal produto é derivado de petróleo, e que, portanto, o ICMS é devido ao Estado de consumo (de destino) repasse-se, também, toda a carga do Etanol Anidro que está contida na Gasolina C, quando pela vontade do legislador constituinte em tal situação deve-se preservar, em favor de PE, os 12% que, a rigor, incidiria normalmente numa operação interestadual envolvendo o citado produto.

Para melhor visualizar essa questão, impõe percorrer a cadeia de circulação do Etanol Anidro (dissociado da Gasolina C), dentro de uma sistemática normal de tributação, a saber: Produtor(PB) à Distribuidor(PE) à Distribuidor(AL).

Nesse caso PB ficaria com 12% (proveniente da operação interestadual), PE se creditaria de 12% (em decorrência da entrada) e se debitaria dos mesmos 12% em decorrência da saída para AL (ou seja, PE ficaria com 0%), e AL se creditaria de 12% (em decorrência da entrada) e se debitaria de 27% em decorrência da saída interna (ou seja, AL ficaria com 15% do ICMS), isto é, a carga tributária restaria repartida entre o Estado produtor (PB) e o Estado consumidor (AL), atendendo-se, assim, aos desígnios da Carta Magna.

Oportuno frisar que, o referido exemplo é bastante comum, e quando isso ocorre os Estados de destino geram os mencionados Anexos IV e V, pelo Sistema SCANC-CTB, identificando o ICMS devido sobre o Etanol Anidro ao Estado remetente e retirando tal valor do Estado de destino, justamente pelo fato de tal Estado sempre receber 100% do ICMS inerente ao Etanol Anidro, quer comprando a Gasolina A internamente, como demonstrado no primeiro exemplo; quer recebendo a Gasolina C de outro Estado, como demonstrado no segundo exemplo, cabendo frisar, também, que todos os repasses de ICMS entre os Estados são feitos tão somente pelas refinarias e suas unidades ou pelas centrais petroquímicas, conforme o caso, exatamente pelo fato desses contribuintes, como dito antes, estarem revestidos da condição de substituto tributário de toda a cadeia de circulação dos combustíveis automotivos.

6 DA NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO PARA SE PRESERVAR A JUSTIÇA FISCAL, POIS O DINHEIRO ESTÁ SAINDO DO “COFRE” ERRADO!

Dúvidas não sobejam, portanto, que os Estados consumidores da Gasolina C e do Óleo Diesel B, oriundos de outros Estados, efetivamente estão ficando com 100% carga tributária dos biocombustíveis (Etanol Anidro e Biodiesel B-100) que os compõem, quando a vontade do legislador constituinte, como visto, é que tal carga seja repartida entre os Estados de origem (fornecedor) e de destino (consumidor).

Com efeito, a conta do famigerado “estorno de crédito” está sendo cobrada injustamente das Distribuidoras, quando na verdade - e por justiça fiscal, deveria está sendo deduzida dos Estados consumidores pelos mesmos mecanismos do Sistema de Captação e Auditoria dos Anexos de Combustíveis – SCANC – CTB, posto que, são esses Estados que estão ficando com 100% do ICMS incidente sobre os biocombustíveis adicionados aos derivados de petróleo em operações interestaduais, sem conquanto, terem-nos produzido, quando lhes caberia apenas parte do referido imposto sobre os biocombustíveis (Etanol Anidro e Biodiesel B-100).

Assim, ante tão clara manifestação do legislador constituinte, impõe-se, com a devida vênia, que o Egrégio STF proceda com a interpretação conforme a Constituição, pois, afinal, o abastecimento de combustíveis constitui atividade de utilidade pública e relevante interesse nacional, e não pode o mero argumento de que ao ser misturado com derivado de petróleo os biocombustíveis passam a ter a mesma natureza desse (derivado de petróleo), para destruir o desejo do Constituinte de ver o valor do ICMS incidente sobre os combustíveis não derivados de petróleo repartido entre Estados produtores e consumidores.

7 O DEVER DO CONFAZ

Por outro lado, urge que o CONFAZ, também, aja com justiça fiscal e altere o texto do Convênio ICMS nº 110/2007, de sorte que o valor que está sendo cobrado de forma ilegal e injusta das Distribuidoras, sob o equivocado rótulo de “estorno de crédito”, correspondente as parcelas de Etanol Anidro e Biodiesel B-100 que integram os produtos Gasolina C e Óleo Diesel B, respectivamente, nas operações interestaduais, passe a ser deduzido do Estado de destino, por intermédio do comentado Sistema SCANC-CTB (espécie de Câmara de Compensação do ICMS entre os Estados), sob o título de “ICMS correspondente a parcela de biocombustível adicionada – por imposição legal - a derivado de petróleo em operação interestadual”.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se nota, o caso é sério e merece a máxima atenção por parte dos Eminentes Ministros da Suprema Corte, cabendo ressaltar que, se a decisão proferira pela ex-Ministra Relatora Senhora Ellen Gracie, vier a ser mantida nas bases em que fora exarada, o que, diga-se de passagem, afetará a todos os Contribuintes, dada a força erga omnes da decisão, estar-se-á transferindo para as Distribuidoras de Combustíveis injusta e inconstitucional carga tributária, quando, à evidência, o dinheiro pretendido a título de “estorno de crédito”, sabidamente, encontra-se nos “cofres” dos Estados de destino (Estados consumidores), e nesse caso, os Contribuintes que, porventura, não tenham recolhido, ou não estejam depositando judicialmente o famigerado “estorno de crédito”, amargarão enorme passivo tributário, o mesmo ocorrendo se vier a prevalecer o voto divergente, o que acredita-se não venha a ocorrer.

O justo seria que a inconstitucionalidade fosse reconhecida no efeito ex tunc, e que as Distribuidoras fossem ressarcidas relativamente aos valores pagos indevidamente, e os Estados, por sua vez, ajustassem as contas entre si, mediante a apuração do que efetivamente deveria – e deve – ser deduzido de um e de outro.

Finalmente, roga-se a Deus que ilumine as mentes dos nossos Eminentes Ministros da Egrégia Suprema Corte, e que, ao final, a Justiça prevaleça!

É a minha opinião S.M.J.

Libório Gonçalo Vieira de Sá

(OAB/PE nº 670-B)

Recife/PE, em 10 de dezembro de 2013.

Sobre o autor
Libório Gonçalo Vieira de Sá

Advogado em Recife, Especialista em Direito Tributário pela ESMAPE, Ex-advogado da Chevron Texaco. Gerente Tributário do Grupo Dislub Equador, compreendendo duas distribuidoras de combustíveis automotivos (DISLUB e EQUADOR PETRÓLEO, com unidades em Recife/PE, Cabedelo/PB, São Francisco do Conde/BA, Guamaré/RN, Manaus/AM, Porto Velho/RO, Vilhena/RO, Rio Branco/AC, Santarém/PA e Belém/PA), e uma empresa importadora e comercializadora de coque de petróleo e outros combustíveis (com sede em Recife/PE), exercendo atividades de advocacia contenciosa e consultiva na área tributária, especialmente acerca do ICMS incidente sobre combustíveis automotivos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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