(Des)construção: A Justiça Restaurativa como novo meio de solução de conflitos no âmbito da infância e juventude

04/10/2014 às 14:58
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Resumo: o presente artigo visa trazer à luz, o entendimento da Justiça Restaurativa e sua real importância como instrumento viabilizador de ressocialização do adolescente e da criança, marginalizados.

O Direito Penal tem como característica básica em seu fundamento, o fato de ser um sistema retributivo, ou seja, retribui ao transgressor o mal que este causou, através de penas variadas (multa, detenção, reclusão...)

Sabe-se que o presente âmbito do Direito enfrenta séria crise, visto que o número de encarcerados, bem como o índice de violência, aumenta alarmantemente, fato que traz insegurança e horror à sociedade. Dito isso, é importante frisar o art. 10 da Lei 7.21 do ano de 1984 (LEP) que diz sobre “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.” Portanto, observa-se claramente, que o presente artigo versa sobre a ressocialização do preso, o que nitidamente  não ocorre no Brasil, fato que é o primeiro apontador da crise em que estamos inseridos.

É importante salientar também, que, segundo os dados demonstrados pelo Ministério da Justiça, entre Janeiro de 1992 e Junho de 2013, a população aumentou em 36% enquanto o número de presos cresceu para 403,5%, ou seja, constituímos a quarta maior população carcerária do mundo, dado que não é motivo de orgulho, pois, o número de reincidência, em 2009, segundo os Presidentes do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, era de 70%.

Por que ainda acreditamos no sistema penitenciário como melhor meio de punição, quando os dados mostram efeitos contrários daqueles que desejamos como sociedade?

Estatísticas, também retiradas do Ministério da Justiça - Infopen, 2010b, demonstram que a população carcerária no Brasil é formada, em sua maioria, por jovens com 18 a 24 anos de idade, que possuem (em sua maioria) ensino fundamental incompleto e cometeram crimes contra o patrimônio.

Sendo assim, é importante que se traga aqui, outra discussão presente: a redução da maioridade penal como meio de solução para a deliquência entre os jovens. Como incluí-los em um sistema prisional altamente deficitário, conforme o demonstrado acima, acreditando que este pode viabilizar melhores soluções para a presente problemática? Tal ato não daria o efeito contrário?

Tendo como base a capacidade mental e emocional do jovem, que está em desenvolvimento, é fácil percebermos que, coloca-lo junto do adulto só poderia trazer-lhe mais problemas, já que este ainda não constitui uma opinião formada a cerca do que a sociedade taxa de certo ou errado. O prisioneiro, por outro lado, cidadão com uma carga de experiências muito maior do que a do jovem, traz consigo seus vícios, “achismos” e valores, que embora deturpados, já constituem opinião. Sendo assim, o jovem que comete um ato infracional, ao receber a punição igual àquele que já se encontra no sistema carcerário, imediatamente tomará a postura de revolta contra a sociedade, pois sem ter certeza do que realmente está acontecendo, toma não só o Estado, como a própria sociedade - que para ele foi quem o puniu - como verdadeiros inimigos. Além dessa realidade, o preso aproveitando-se da ingenuidade e da ignorância do jovem, passaria a influencia-lo, tornando-o mais sujeito a ser deliquente, do que quando entrou para o sistema.

Há, ainda, outras problemáticas como o fato do preso ter sentimento de vingança ao jus puniendi e assim, maltratar o adolescente de diversas maneiras, buscando dar uma resposta ao Estado por mantê-lo preso. Também poderia fazê-lo de fantoche em meio às suas facções dentro dos presídios.

Diante disso, incluir o jovem em tal sistema só lhe causaria mais atribulações, como confirma Jorge Trindade em seu pensamento:

“É necessário distinguir, educação, repreensão e pena. Embora às vezes associadas, em matéria de infância e juventude, a pena e o encarceramento são prejudiciais e não diminuem a criminalidade. A esse respeito, segundo estudado por vários autores, submeter a criança ou o adolescente a um processo penal não traz soluções educativas adequadas a suas necessidades e carências vitais, senão que aumenta sua inadaptação.”

Claro está, que o mesmo sistema retributivo aplicado ao adulto não pode se aplicar ao jovem, pois este último, por ainda se encontrar em desenvolvimento psicológico, têm mais condições de ser reintegrado à sociedade, através das medidas socioeducativas, que visam desenvolver os valores, e prepara-lo para conviver em sociedade.

Pode-se dizer, que pela teoria do mimetismo, a criança ou o adolescente se confundem com os organismos nos quais estão inseridos. Dessa forma, ao invés de “jogá-los” ao mundo do crime, na maior faculdade já existente - o sistema prisional, é possível desenvolve-los para o bom convívio, dando um novo norte para eles, oportunizando-os um futuro próspero, através de algo que muitos nunca tiveram, que chama-se educação.

Por outro lado, entendemos a preocupação da sociedade mediante o cenário de crimes do momento atual, porém, a intenção não é ser indiferente quanto às infrações cometidas pelo jovem, e muito menos deixá-lo continuar a praticar os mesmos atos, mas a intenção é de se utilizar as medidas viáveis, que realmente trazem uma melhora.

O momento é de buscar uma intervenção coativa, de maneira a responsabilizá-lo e também de lhe mostrar uma reformulação de valores e educação.

Dito isso, acreditamos ser o momento de abrirmos nossas mentes e mudarmos nossos valores enraizados culturalmente, no que tange o modo como o Direito Penal atua socialmente. Ainda temos em nós aquela velha percepção de que para punir é necessário torturar e só assim temos satisfeita a nossa sede de vingança privada pelo mal cometido, contudo, como já comprovado nas linhas iniciais do presente artigo, tal modo arcaico de aplicar a lei, não tem dado bons frutos. Sendo assim, surge a ideia da Justiça Restaurativa, que brilha diante de nossos olhos, visto que a mesma propõe uma ideia de pacificar conflitos e violências envolvendo crianças e adolescentes e ainda mais: educando-os.

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Tal modelo de Justiça foi apresentado pela AJURIS (Associação de Juízes do Rio Grande do Sul) e tem sua metodologia fundada na Comunicação Não Violenta (CNV) de Marshall Rosenberg.

A Justiça Restaurativa funciona através de “Círculos de Construção de Paz” onde acontece um diálogo entre autor, vítima e demais envolvidos (seja a família da vítima, ambiente escolar, etc...). Este, propõe desenvolver uma consciência emocional nos participantes, pois seu objetivo é conscientizar o jovem do seu lugar e do seu papel a desempenhar, mesmo (e principalmente) quando ele se encontra em situação de risco e deliquencia.

Os aplicadores de tais círculos, que intermediam o diálogo, são os chamados Facilitadores, que podem ser psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, advogados, entre outros interessados no bem social. Eles são importantes, pois visam formar laços com os adolescentes em questão, tendo em vista que os mesmos necessitam disso para sentirem-se seguros, conforme é explicado no Guia de Práticas Circulares de Carolyn Boyes Watson e Katy Pranis. Ambas dizem que o aperfeiçoamento do QE (quociente de inteligência emocional) é essencial para uma vida bem sucedida nos parâmetros sociais. Portanto, os círculos são formados por seus participantes e há, assim, um objeto que será o “dom da palavra” ou seja, a pessoa que estiver com ele na mão é quem tem o poder falar naquele instante, não podendo ser interrompida. Há, também, elementos para a construção do círculo, que são as perguntas norteadoras, cerimônia de abertura e fechamento, discussão de valores e orientações.

A Justiça Restaurativa tem como base restaurar laços e solucionar questões, de forma que seja exata e absoluta, ou seja, não apenas de forma imediata e mediana.

No presente artigo tentamos escrever, dentro do limite estipulado, o máximo de esclarecimento sobre a Justiça Restaurativa e o que a compõe, tendo como base que sua diferença em relação a outras práticas (como a conciliação) é que aquela visa, primeiramente, estabelecer vínculos e fazer com que as pessoas que estiverem inseridas no círculo, se expressem de forma a externar tudo aquilo que lhe incomoda, para assim ser criado um ambiente de confiança e, deste modo, lograr êxito na abordagem do assunto delicado que tratará o círculo (a infração em si). Ou seja, há um acompanhamento e uma preocupação real com o bem estar daqueles que se propuserem a participar.

Em Pelotas, a Justiça Restaurativa está implantada, porém funcionado aos poucos, visto que ainda é desacreditada conforme os modelos que temos como padrões do que é a Justiça e o Direito e mesmo assim já recebe alguns processos.

Não queremos, de forma alguma, abolir o Direito Penal e torná-lo como fonte do direito de forma minimalista, contudo, desejamos que se implante uma nova era do Direito, onde todos os sujeitos são tratados como seres humanos dignos, principalmente porque a criança e o adolescente são seres em formação e necessitam de atenção especial, já que há meios de recuperá-los de forma que se respeite os valores sociais e morais pregados por todos nós, operadores do Direito.

Referências bibliográficas:

Trindade, Jorge: Delinquência Juvenil Compêndio Transdisciplinar.

Watson, Carolyn; Pranis, Kay: No Coração da Esperança – Guia de Práticas Circulares

Sites utilizados:

http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJA21B014BPTBRNN.htm;

http://www.cnj.jus.br/

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Sobre a autora
Stéphanie Balreira

Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pelotas - RS;<br>Pós Graduanda em Penal e Processo Penal pela instituição Damásio de Jesus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo selecionado para apresentação no I Congresso de Ciências Criminais de Pelotas - RS.

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