1. A PROTEÇÃO INTEGRAL E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 adotou a teoria da proteção integral da criança e do adolescente (art. 227), atribuindo à família, à sociedade e ao Estado o dever compartilhado de assegurar-lhes, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais individuais e coletivos. Com isso, o ordenamento jurídico pátrio passou a priorizar uma abordagem preventiva e protetiva, superando a visão anterior que relegava a responsabilidade quase exclusiva aos pais, com intervenção do Estado e da sociedade apenas em "situações irregulares".
Para regulamentar essa previsão constitucional, foi promulgada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa norma estabeleceu regras inovadoras em favor da infância e da adolescência. Logo em seu artigo 2º, o ECA define criança como a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente como aquela entre doze e dezoito anos. Essa delimitação etária é fundamental para a aplicação das normas contidas no Estatuto.
A doutrina da proteção integral refuta a tese de responsabilidade exclusiva dos pais pela formação dos filhos. Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e deveres sociais e representam o futuro da nação, justificando o interesse coletivo em sua formação e desenvolvimento cidadão.
Não se nega, entretanto, a importância fundamental da base familiar nesse processo. Pelo contrário, os pais servem como modelos primários e referência imediata. A proteção integral visa reforçar esses vínculos familiares, todavia, sem eximir a sociedade e o Poder Público de sua corresponsabilidade no auxílio à formação integral dos indivíduos amparados pelo ECA.
O contato cotidiano torna a família o principal núcleo formativo da criança, onde são transmitidos valores éticos e morais. A legislação busca reforçar essa dinâmica familiar, contando com o apoio da sociedade e a implementação de políticas públicas. Essa cooperação necessária entre família, sociedade e Estado visa atender ao princípio norteador do ECA: o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
2. O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
É importante destacar a complexidade em definir, nas diversas situações concretas, o que constitui o "melhor interesse" da criança ou do adolescente. Muitas vezes, essa definição pode divergir da vontade expressa pelo próprio sujeito, justamente por ele ainda estar em condição peculiar de desenvolvimento e possuir vivência limitada. Considerando essa fase formativa, a atenção a esse princípio é crucial, pois suas implicações repercutem diretamente na sociedade.
O princípio do melhor interesse permeia tanto as políticas públicas preventivas quanto a aplicação de medidas de proteção (em casos de ameaça ou violação de direitos) e de medidas socioeducativas (em resposta à prática de ato infracional por adolescente).
Embora seja imperiosa a análise individualizada de cada caso, o próprio ECA estabelece diretrizes para a aplicação do princípio no contexto das medidas protetivas e socioeducativas. O artigo 100, parágrafo único, inciso IV, por exemplo, dispõe que na aplicação das medidas levar-se-á em conta "o interesse superior da criança e do adolescente". De forma mais específica quanto ao foco pedagógico e familiar, o inciso IX do mesmo parágrafo único orienta a "responsabilidade parental e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários".
Essa premissa jamais deve ser esquecida pelo aplicador da lei, pois o foco não é a mera punição, mas sim o caráter pedagógico e formativo do cidadão em desenvolvimento. Longe de colocar crianças e adolescentes acima das normas, a legislação os trata de forma diferenciada justamente por sua condição peculiar.
O interesse coletivo é, obviamente, direcionado à proteção da infância e da adolescência como forma de prevenção. Contudo, ocorrendo a prática de ato infracional por adolescente, devem ser aplicadas as medidas socioeducativas previstas no ECA (Art. 112), após o devido procedimento legal que comprove a autoria e materialidade do ato. Tais medidas incluem: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; e internação em estabelecimento educacional. Além destas, podem ser aplicadas as medidas de proteção previstas no artigo 101.
O legislador previu um rol variado de medidas para permitir ao julgador a aplicação da(s) mais adequada(s) ao caso concreto, sempre considerando o melhor interesse do adolescente. A decisão judicial deve levar em conta a capacidade do adolescente de cumprir a medida, as circunstâncias e a gravidade da infração (conforme Art. 112, § 1º, ECA).
Após a prática do ato infracional, o princípio do melhor interesse do adolescente se concretiza na aplicação da medida socioeducativa mais adequada, priorizando aquela de caráter predominantemente pedagógico, que vise à sua responsabilização, à reflexão sobre seus atos, à sua reintegração social e familiar e ao fortalecimento do respeito às normas de convivência.
Oportuno transcrever trecho de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:
Em processos nos quais se discute a proteção da criança ou adolescente o Poder Judiciário deve buscar solução adequada à satisfação do melhor interesse desses seres em formação. Essa determinação não decorre tão-somente da letra expressa da Constituição Federal (artigo 227) ou do Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º), mas advém igualmente de imperativo da razão, haja vista que a pacificação social (um dos escopos da atividade jurídica estatal) não está alicerçada unicamente na legalidade estrita, mas na aplicação racional do arcabouço normativo e supranormativo. A promoção da dignidade humana, desde a formação de cada cidadão, deve ser o escopo primordial da ação estatal.
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 2011.079162-4, de Jaraguá do Sul, Rel. Des. Denise Volpato, j. 12/06/2012).
Ao ser atendido o melhor interesse da criança e do adolescente, atende-se também, reflexamente, ao melhor interesse da sociedade, pois se contribui para o desenvolvimento integral do indivíduo, preparando-o para uma vida adulta responsável e respeitosa às normas sociais. Isso, indubitavelmente, representa um benefício para a coletividade.
Assim, para materializar o melhor interesse da criança e do adolescente, mormente após a prática de ato infracional, deve-se analisar o caso concreto em sua dimensão social, buscando uma medida que atenda tanto aos interesses imediatos do sujeito (seu desenvolvimento e responsabilização) quanto aos interesses mediatos da sociedade (a promoção de um convívio social saudável e seguro).
Tem-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro, ao adotar a teoria da proteção integral, materializa o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, inclusive na aplicação de medidas protetivas ou socioeducativas. Essas medidas não têm caráter primariamente punitivo, mas sim recuperatório e pedagógico, reconhecendo a condição peculiar de desenvolvimento da criança e do adolescente. A observância da proteção integral, expressamente prevista em nosso ordenamento, traz benefícios a toda a sociedade, ao preparar seus cidadãos em desenvolvimento para uma convivência coletiva harmônica e responsável.