A proteção integral da criança e do adolescente no ordenamento jurídico brasileiro

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O Ordenamento Jurídico Brasileiro prevê a proteção integral da criança e do adolescente, atribuindo não só à família, mas também à sociedade e ao Poder Público a responsabilidade pelo seu desenvolvimento enquanto cidadão, com direitos e deveres sociais.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, adotou a teoria da proteção integral da criança e do adolescente, atribuindo, além da família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar-lhes os direitos básicos individuais e coletivos. Com isso o ordenamento jurídico pátrio preocupa-se com a criança e os adolescentes principalmente de forma preventiva e protetiva, relegando a equivocada ideia de responsabilidade exclusiva dos pais, com participação do Estado – e também da sociedade, somente em situações irregulares.

Para regulamentar essa previsão constitucional, em julho de 1990 foi publicada no DOU a Lei n. 8.069, dispondo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa norma, atendendo ao ordenamento jurídico vigente, estabeleceu regras inovadoras em favor da criança e do adolescente. Logo em seu artigo 2º o ECA estabeleceu criança como “a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. Essa delimitação etária define a aplicação das normas contidas no estatuto.

Com isso, não se admite mais a tese de responsabilidade exclusiva dos pais pela educação dos filhos. As crianças e os adolescentes fazem parte da sociedade, possuem direitos e deveres sociais, e além disso, constituem a perspectiva futura de uma nação, justificando o interesse de todos pela sua instrução e consequente desenvolvimento como cidadãos.

Não se nega, entretanto, ser a base familiar de suma importância para a formação da criança e do adolescente. Pelo contrário, os pais servem de exemplo e são a base imediata de formação. A doutrina da proteção integral visa contribuir para reforçar ainda mais estes vínculos domésticos, todavia, sem eximir a sociedade e o Poder Público no auxílio da formação daqueles amparados pelo ECA.

O contato cotidiano imediato da família torna-a o principal instituto de formação da criança, onde, além das questões genéticas, são repassados princípios éticos e morais, tendo os pais como exemplo adjacente de postura social. A legislação visa reforçar essa relação de âmbito familiar com o apoio da sociedade como um todo, além de políticas sociais inerentes do Poder Público. Essa cooperação necessária entre família, sociedade e Estado visa atender ao princípio maior que rege as regras do ECA: o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Importante destacar a dificuldade em estabelecer, nas mais diversas situações, o melhor interesse da criança e do adolescente, pois muitas vezes será diversa da própria vontade exteriorizada por ele, justamente por ainda estar em desenvolvimento e faltar-lhe vivência. Considerando essa formação do indivíduo ainda em desenvolvimento, evidencia-se a importância da extrema atenção nesse ponto, porquanto haverá reflexos diretos na sociedade.

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente prevalece em políticas públicas assistenciais preventivas, assim como quando de eventual utilização de medidas de proteção decorrentes de ameaça ou violação dos direitos previstos em lei, ou ainda da aplicação de medidas socioeducativas em razão da prática de ato infracional.

Conquanto ser imperiosa a análise individual de cada caso, levando-se em consideração as peculiaridades das partes, o próprio ECA estabelece uma regra geral primária ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente em relação às medidas socioeducativas e específicas de proteção. A análise do artigo 100, caput, justifica essa assertiva. Assim dispõe o texto legal: “na aplicação das medidas legais levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”.

Essa premissa jamais deve ser esquecida pelo julgador, porquanto o foco da lei não é a punição, mas o caráter pedagógico auxiliador na formação do cidadão ainda em fase de desenvolvimento. Longe de considerar as crianças e os adolescentes acima das normas vigentes, a legislação trata-os de forma diferenciada justamente pela sua formação incompleta, ainda em desenvolvimento como cidadãos.

Obviamente o interesse coletivo é uníssono pela proteção da infância e da adolescência como forma de prevenção ao ato infracional. Mas havendo atitude da criança ou do adolescente em desacordo com a legislação vigente, deve ser-lhe aplicada alguma das medidas socioeducativas elencadas pelo ECA. Certamente a aplicação destas ocorrerá somente depois do procedimento legal de constatação inequívoca da prática do ato infracional.

Visto isso, cabe as seguintes medidas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional; encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termos de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórios em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

O legislador relacionou grande número de medidas possíveis justamente para possibilitar ao julgador a aplicação daquela(s) mais adaptável(is) ao caso concreto, respeitado o melhor interesse da criança e/ou adolescente. Diversos fatores influenciarão na decisão do julgador, especialmente a personalidade do infrator, sua condição socioeconômica e estrutura familiar.

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O princípio do melhor interesse da criança ou adolescente será concretizado, depois de já praticado o ato infracional, pela aplicação da medida socioeducativa mais adequada, sem dúvidas aquela de caráter pedagógico que terá como consequência a reflexão do infrator para sua formação como cidadão responsável por suas atitudes, consciente do seu papel na sociedade e dever de obediência às normas legais para o convívio social.

Oportuno transcrever trecho de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina: “Em processos nos quais se discute a proteção da criança ou adolescente o Poder Judiciário deve buscar solução adequada à satisfação do melhor interesse desses seres em formação. Essa determinação não decorre tão-somente da letra expressa da Constituição Federal (artigo 227) ou do Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º), mas advém igualmente de imperativo da razão, haja vista que a pacificação social (um dos escopos da atividade jurídica estatal) não está alicerçada unicamente na legalidade estrita, mas na aplicação racional do arcabouço normativo e supranormativo. A promoção da dignidade humana, desde a formação de cada cidadão, deve ser o escopo primordial da ação estatal (AI n. 2011.079162-4, de Jaraguá do Sul, rela. Desa. Denise Volpato, j. 12-6-2012)”.

Ao ser atendido o melhor interesse da criança e do adolescente, estar-se-á conferindo, ainda que reflexamente, o melhor interesse da sociedade, pois participará para o completo desenvolvimento, passando da infância e adolescência à vida adulta de modo a respeitar as regras sociais de convivência. Isso, indubitavelmente, será um benefício para a coletividade.

Assim, para materializar o melhor interesse da criança e do adolescente, mormente depois de já praticado o ato infracional, deve ser analisado o caso concreto no âmbito social, possibilitando à medida aplicada atender os interesses imediatos do menor – seu perfeito desenvolvimento enquanto cidadão - e mediatos da sociedade – saudável convívio social.

Tem-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro estabelece a teoria da proteção integral à criança e ao adolescente, que se materializa, dentre outros, com a prática do princípio do seu melhor interesse, inclusive quando da aplicação de medidas de proteção ou socioeducativas decorrentes de ato infracional. Por isso essas medidas não visam a penalização da criança e/ou adolescente, mas sempre a sua recuperação, plenamente factível – mais ainda do que em relação ao adulto – por ainda estar em fase de desenvolvimento, passando da infância e/ou adolescência à vida adulta. Sem dúvidas a observância da proteção integral da criança e do adolescente, expressamente prevista em nosso ordenamento jurídico, conduz benefícios à toda sociedade, pois seus cidadãos em desenvolvimento serão preparados para uma convivência harmônica coletiva.

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Sobre o autor
Erones Faustino da Silva Junior

Advogado sócio-fundador do escritório Faustino & Zambarda Advocacia, com sede em Florianópolis/SC. Graduado pela UCS - Universidade de Caxias do Sul. Atuante na advocacia preventiva e contenciosa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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