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A prescrição intercorrente e sua aplicabilidade no processo do trabalho

10/11/2014 às 07:08
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Existem decisões do Tribunal Superior do Trabalho contrárias à aplicação da prescrição intercorrente no caso de negligência da parte, em liquidação por artigos. Ademais, as decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho também variam muito quanto ao tema.

O artigo de hoje terá mais utilidade para os profissionais do direito ou estudantes, por tratar de um tema relativo ao processo do trabalho que, apesar de já ter sido sumulado pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Supremo Tribunal Federal, ainda é muito discutido entre juristas: a prescrição intercorrente.

A Prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto em lei (art. 189, Código Civil). Neste sentido, a Pretensão é o poder de exigir de outrem, coercitivamente, o cumprimento de um dever jurídico originário (débito/schuld) ou secundário/derivado (responsabilidade civil/haftung).

Existem pessoas as quais afirmam que a prescrição seria a perda do direito de ação, porém, não se deve afirmar que prescrição põe fim a este direito, uma vez que o direito de ação é o direito público, abstrato e indisponível de ter acesso ao Poder Judiciário, disposto pelo artigo 5°, inciso XXXV da Constituição Federal:

Constituição Federal, 1988.

Art. 5º. [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...].

Portanto, a Prescrição é a perda da pretensão de um direito, em função deste não ter sido exercido no prazo determinado pela lei.

A Prescrição Intercorrente é aquela que surge no curso da ação judicial. Em se tratando de créditos trabalhistas, que possuem natureza alimentar, há grande divergência jurisprudencial quanto a sua aplicabilidade. No Supremo Tribunal Federal prevalece o entendimento de que cabe a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, enquanto no Tribunal Superior do Trabalho prevalece o entendimento no sentido contrário:

Súmula nº 327 do Supremo Tribunal Federal.

O DIREITO TRABALHISTA ADMITE A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.

Súmula nº 114 do Tribunal Superior do Trabalho.

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente.

Parte da doutrina entende que a espécie de prescrição mencionada no parágrafo 1º do artigo 884 da Consolidação das Leis do Trabalho é a intercorrente, aplicável à execução trabalhista quando a mesma estiver parada há mais de 02 (dois) anos. Vejamos:

Consolidação das Leis do Trabalho, 1943.

Art. 884 - Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exequente para impugnação.

§ 1º - A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da divida.

[...].

Neste caso, considerando que a execução trabalhista se opera de ofício, nos termos do artigo 878 da Consolidação das Leis do Trabalho, em regra, não será aplicável ao processo do trabalho a prescrição intercorrente:

Consolidação das Leis do Trabalho, 1943.

Art. 878 - A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior.

Lado outro, quando o prosseguimento da execução depender de ato exclusivo do requerente, será possível a aplicação da prescrição intercorrente, a qual ocorrerá no prazo de 2 (dois) anos. Um exemplo é o caso da liquidação por artigos, quando o exequente precisa indicar os artigos da liquidação*.

Voltando à análise do que entendem o Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal, quando fiz a pesquisa necessária à redação deste artigo, achei interessante aprofundar na origem das súmulas 327/STF e 114/TST já citadas. Assim, dediquei um tempo à leitura dos precedentes jurisprudenciais de ambas as súmulas e acredito ser de muita valia dividir com vocês o que li.

Comecemos pela súmula 327 do Supremo Tribunal Federal, que foi aprovada em 1963, portanto, antes da publicação da redação original da súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho, que ocorreu em 1980.

A súmula 327 do Supremo Tribunal Federal tem como precedentes: o Agravo de Instrumento nº 14744, de 14/06/1951; os Embargos apresentados no Recurso Extraordinário nº 22632, de 08/11/1956; o Recurso Extraordinário nº 30390, de 27/10/1965; o Recurso Extraordinário nº 30990, de 05/07/1958; o Recurso Extraordinário nº 32697, de 23/07/1959; o Recurso Extraordinário nº 50177, de 20/08/1962; o Recurso Extraordinário nº 52902, de 19/07/1963; e o Recurso Extraordinário nº 53881, de 17/10/1963.

No acórdão do Agravo de Instrumento nº 14744, de 14/06/1951, destaco a seguinte frase: (sic) “em matéria de prescrição, não há distinguir entre ação e execução, pois esta é uma fase daquela. Ficando o feito sem andamento pelo prazo prescricional, seja na ação, seja na execução, a prescrição se tem como consumida. Não exclui a aplicação desse princípio no pretório trabalhista o fato de se facultar ali a execução ex-officio pelo Juiz. Excluiria, se o procedimento ex-officio, ao invés de uma faculdade, fosse um dever do Juiz”. O julgamento foi unânime em desfavor do reclamante, sendo certificada a ocorrência da prescrição intercorrente. Esta decisão foi, ainda, citada para a fundamentação de outro precedente da súmula, o Recurso Extraordinário nº 50177, de 20/08/1962.

Outro acórdão que merece destaque, a meu ver, é o referente ao Recurso Extraordinário nº 32697, de 23/07/1959, cuja ementa dispõe: (sic) “Prescrição em processo trabalhista: nos termos do art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho, empregadores e empregados poderão acompanhar as reclamações até final; é, assim, inequívoco que a demora no prosseguimento do feito pode ser obstada pela reclamação do Procurador ao Juiz; se tal não foi feito, há que ser reconhecida a negligência do advogado do empregado, verificando-se a prescrição.” Para melhor visualização do fundamento, colaciono abaixo o dispositivo citado:

Consolidação das Leis do Trabalho, 1943.

Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.

Noutra esteira, a súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho apresenta como precedentes: o Recurso Ordinário em Ação Rescisória nº 306/1976, de 06/04/1977 (link não encontrado); os Embargos em Recurso de Revista nº 1831/1974, de 07/10/1976; o Recurso Ordinário em Ação Rescisória nº 348/1974, de 09/07/1976; os Embargos em Recurso de Revista nº 719/1972, de 13/08/1973; o Recurso de Revista nº 5242/1975, de 19/10/1976; o Recurso de Revista nº 4362/1975, de 06/07/1976; o Recurso de Revista nº 1818/1971, de 23/12/1971 (link não encontrado); o Recurso de Revista nº 1667/1971, de 29/11/1971; e o Recurso de Revista nº 4648/1970, de 06/10/1971.

Quanto a estes, cabe salientar o disposto no inteiro teor do acórdão dos Embargos em Recurso de Revista nº 1831/1974, de 07/10/1976: “No processo civil, a extinção do processo, pela paralisação do feito pela negligência das partes, só tem lugar se o inerte, intimado pessoalmente, não supre a falta em 48 (quarenta e oito horas) (art. 267, II e §1º do CPC). No trabalhista, quem responde pela celeridade processual é o próprio Juiz ou Tribunal que conhece a causa (Russomano), como dispõe o artigo 765 da CLT, não revogado pelo artigo 4º da Lei 5.584/70, que apenas reforçou o entendimento. Tem o Juiz a iniciativa da condução do processo, uma vez formulada a reclamação. Não se pode responsabilizar o titular de um direito “por uma inércia que não lhe pode ser imputada”. (Câmara Leal).” Os Ministros, unanimemente, não conheceram do recurso. Para melhor visualização do fundamento, colaciono abaixo o dispositivo citado:

Consolidação das Leis do Trabalho, 1943.

Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

Todos os demais precedentes da súmula 114/TST citados acima apresentam a mesma decisão sob os mesmos fundamentos da que foi acima colacionada, a inaplicabilidade da prescrição intercorrente ao processo do trabalho em função do “impulso de ofício”.

Verificou-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal apresenta entendimento distinto do que foi exarado no início deste artigo, quanto à existência da prescrição intercorrente apenas no que tange à execução trabalhista, pois aquele não diverge esta fase processual da fase de conhecimento para este fim. Já para o Tribunal Superior do Trabalho, a priori, independentemente da fase processual, a prescrição intercorrente não seria aplicável às demandas trabalhistas em que se discute a relação de emprego ou de trabalho. Porém, existem algumas decisões no mesmo sentido do citado entendimento, ou seja, corroborando a ocorrência da prescrição intercorrente no caso de negligência da parte responsável pelo andamento da demanda (liquidação por artigos), vejamos:

RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. APLICAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Inércia do Exeqüente por mais de dois anos, apesar de notificado para apresentar seus artigos de liquidação de sentença. Prescrição intercorrente. Inexistência de violação de dispositivo constitucional. Incidência da Súmula nº 266 desta Corte. Recurso de revista que não se conhece.

Inteiro teor: “[...] A ocorrência da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho é possível, na medida que o transcurso temporal se dê por negligência do Exeqüente. Assim, não há que se falar que a incidência da prescrição intercorrente viole princípios do juiz natural, da coisa julgada, de non reformatio in pejus, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (arts. 5º, XXXV, XXXVI, LIV, LV, LIII, e 7º, XXIX, da Constituição Federal).”

(TST - RR: 1171008219925160002 117100-82.1992.5.16.0002, Relator: Gelson de Azevedo, Data de Julgamento: 29/06/2005, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 12/08/2005.)

RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. Inércia do exeqüente em promover a liquidação por artigos. Impossibilidade de liquidação de ofício. Prescrição intercorrente. Recurso de revista que não se conhece.

Inteiro teor: “A alegação do Exequente, de que não apresentou os artigos de liquidação e os cálculos de seu crédito ante a inércia do Executado, não se sustenta, uma vez que o comando exequendo foi expresso em estabelecer prazo preclusivo para o Reclamado. Se a decisão exequenda estabelece prazo para apresentação de documento pelo Reclamado, sob pena de preclusão, e este não o apresenta, cabe ao Reclamante promover a execução. Vencido o prazo preclusivo, ao reclamante cabe agir. Não agindo, deve arcar com o ônus de sua inércia.”

(TST - RR: 542002820035200920 54200-28.2003.5.20.0920, Relator: Gelson de Azevedo, Data de Julgamento: 31/08/2005, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 16/09/2005.)

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Devo ressaltar que também existem decisões do Tribunal Superior do Trabalho contrárias à aplicação da prescrição intercorrente no caso de negligência da parte, em liquidação por artigos. Ademais, as decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho também variam muito quanto ao tema.

Em que pese a divergência jurisprudencial dos tribunais trabalhistas salientada, no que se refere à execução por multa administrativa decorrente de infração de dispositivo contido na Consolidação das Leis do Trabalho, o entendimento é uníssono.

A Lei de Execuções Fiscais, nº 6.830/80, é aplicável à execução trabalhista, em decorrência do artigo 889 da Consolidação das Leis do Trabalho:

Consolidação das Leis do Trabalho, 1943.

Art. 889 - Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

Sendo assim, caso o devedor não seja encontrado para citação ou na ausência de bens penhoráveis, a execução será suspensa pelo juiz. Mantida essa situação, após o prazo de 01 (um) ano, contado da suspensão, o juiz ordenará o arquivamento dos autos:

Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980.

Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

[...].

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

Se, a partir desta decisão de suspensão do processo, tiver decorrido o prazo prescricional de 05 (cinco) anos (determinado pelo artigo 174 do Código Tributário Nacional, por tratar-se de execução fiscal), terá ocorrido a prescrição intercorrente, conforme disposição do parágrafo 4º do mesmo artigo 40:

Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980.

Art. 40 - § 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

Por fim, quanto ao pronunciamento da prescrição, o artigo 219, §5º do Código de Processo Civil determina que o magistrado deve pronunciar de ofício a prescrição. Existem duas grandes correntes de entendimento quanto à aplicabilidade do referido dispositivo ao processo do trabalho. A primeira entende ser aplicável, em decorrência dos princípios da Efetividade, Celeridade e Razoável Duração do Processo; a segunda entende não ser aplicável, em função dos princípios da Proteção, Norma Mais Favorável e Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas.

Quanto à execução, o entendimento majoritário é no sentido de que a pronúncia da prescrição depende de requerimento do executado nos embargos por ele opostos, sobretudo por se tratar de matéria de defesa, nos termos do artigo 884, §1º da Consolidação das Leis do Trabalho:

Consolidação das Leis do Trabalho, 1943.

Art. 884 - Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação.

§ 1º - A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da divida.

[...].

Segundo Renato Saraiva (Curso de Direito Processual do Trabalho, 5ª ed., p. 617):

A liquidação de sentença trabalhista pelo método de artigos é feita quando sua liquidez depender de comprovação de fatos ainda não esclarecidos suficientemente no processo de conhecimento, de modo a permitir valoração imediata do título executivo.

Como exemplo de liquidação por artigos, podemos citar a sentença que reconhece a realização de horas extras pelo obreiro, mas não as quantifica, tornando-se necessária, por conseguinte, a realização da liquidação por artigos, objetivando apurar, por meio das provas articuladas pelas partes, o número de horas suplementares efetivamente prestadas. [...].

Em última análise, verifica-se que a liquidação por artigos é muito complexa, constituindo-se em verdadeiro processo de cognição, podendo haver indeferimento da petição de liquidação, suspensão e extinção da liquidação, revelia do devedor, produção de provas, julgamento antecipado da liquidação e designação de audiência para coleta de prova oral, sendo, em função do princípio da celeridade, desaconselhável a adoção de tal modalidade de liquidação no âmbito laboral.”


Fontes:

SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Método, 2008. 5. ed.

Constituição Federal, 1988.

Consolidação das Leis do Trabalho, 1943.

Código Civil, 2002.

Código de Processo Civil, 1973.

Código Tributário Nacional, 1966.

Lei nº 6.830, 1980.

Súmula 327 do Supremo Tribunal Federal.

Súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho.

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Sobre a autora
Marcela Faraco

Advogada, Consultora de Direito. Atuante, desde 2007, na carreira jurídica, nas áreas do Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Empresarial e Direito do Consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PATRÍCIO, Marcela Faraco. A prescrição intercorrente e sua aplicabilidade no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4149, 10 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32663. Acesso em: 16 abr. 2024.

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