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Ministério Público:

essência e limites da independência funcional

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16/10/2014 às 09:28
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4. A influência exógena

Da unidade do Ministério Público brasileiro também decorre o seu caráter nacional. A Constituição de 1988, no auge de sua unidade orgânico-sistêmica, após disciplinar os aspectos básicos da “Organização do Estado” (Título III), tratou, no título seguinte, da “Organização dos Poderes”, ocasião em que traçou uma disciplina nitidamente diferenciada para os Poderes Legislativo e Executivo (Capítulos I e II) e para o Poder Judiciário e o Ministério Público (Capítulos III IV, Seção I) – vide GARCIA, 2008: 43. 

A disciplina do Legislativo é especificamente voltada ao plano federal, sendo ali reguladas as competências do Congresso Nacional e de suas Casas, as prerrogativas dos Parlamentares e o processo legislativo federal. Técnica idêntica foi adotada em relação ao Executivo, onde somente o Presidente da República e os órgãos que lhe são correlatos tiveram suas atribuições disciplinadas pelo texto constitucional.

Ao tratar do Judiciário, a Constituição adotou uma técnica nitidamente distinta. Inaugurando o Capítulo III do Título II, são relacionados todos os órgãos do Poder Judiciário, vinculados à União ou aos Estados, clara demonstração do caráter nacional da magistratura, conclusão que é robustecida com o extenso rol de princípios veiculados pelo art. 93 e pelas garantias e vedações constantes do art. 95, isso sem olvidar a existência de um órgão comum de controle, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Especificamente em relação ao Ministério Público, constata-se a adoção de uma técnica idêntica àquela utilizada para o Judiciário. O art. 128 relaciona todos os órgãos da Instituição, quer vinculados à União, quer aos Estados, o que permite seja alcançada conclusão idêntica àquela prevalecente em relação à Magistratura. Sujeita todos os ramos da Instituição aos princípios do art. 127, havendo expressa remissão ao art. 93 (art. 129, § 4º), e estende a todos as mesmas garantias e vedações constantes do art. 128, § 5º. Não bastasse isso, ainda criou um órgão comum para o controle externo, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Apesar de Ministério Público e Poder Judiciário ostentarem caráter nacional, é factível as distinções estruturais estabelecidas pelo texto constitucional. Essa observação torna-se relevante justamente em razão de algumas iniciativas do Conselho Nacional do Ministério Público, que tem buscado uniformizar as práticas adotadas nos distintos ramos da Instituição. Para tanto, invoca, com frequência, as medidas adotadas no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Não percebe, no entanto, as distinções existentes entre as estruturas controladas.

O Poder Judiciário, como se sabe, é regido por uma única lei orgânica, de iniciativa do STF e cognominada, pelo art. 93, caput, da Constituição de 1988, de “Estatuto da Magistratura”. Em consequência, não obstante a inserção desse Poder no âmbito de um Estado Federal, em que o Estado-membro, em suas estruturas orgânicas, conta com órgãos jurisdicionais, somente a União pode legislar sobre a matéria. Os Tribunais de Justiça carecem de poder de iniciativa e as Assembleias Legislativas não podem incursionar nessa temática. Esse é um dos aspectos mais característicos da unidade do Poder Judiciário brasileiro, que se desenvolve em um plano de verticalidade, de modo que, principiando pela base, há sempre um órgão superior capaz de rever as decisões proferidas pelo órgão inferior, até que, alcançado o plano mais elevado, ocupado pelo Supremo Tribunal Federal, as decisões não são passíveis de serem revertidas por qualquer outro órgão.

Diversamente ao que se verifica em relação ao Poder Judiciário, que conta com um “Estatuto da Magistratura”, de iniciativa do seu órgão de cúpula, o Ministério Público não possui um “Estatuto do Ministério Público Brasileiro” e muito menos um órgão de cúpula que possa propô-lo ao Poder Legislativo. Nesse particular, a distinção é substancial. E qual foi a técnica adotada pela Constituição de 1988? Entre os extremos da unidade normativa, sujeitando o Ministério Público Brasileiro a uma única e mesma lei, e da total ausência de regramentos comuns, optou por uma via intermédia, em que a unidade coexiste com a variedade. Em outras palavras, apesar de o Ministério Público da União e cada Ministério Público Estadual contar com a sua própria Lei Orgânica, foi estabelecido que os últimos deveriam permanecer adstritos aos balizamentos oferecidos pelas normas gerais editadas pela União. A Constituição de 1988 dispôs que seriam de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que tratassem da organização do Ministério Público da União, facultada igual iniciativa ao Procurador-Geral da República, ou que veiculassem normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados (arts. 61, § 1º, II, d; e 128, § 5º). Acresceu, ainda, que, leis complementares da União e dos Estados, observadas, em relação aos últimos, as normas gerais veiculadas pela União, estabeleceriam a “organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público” (art. 128, § 5º). Com isso, todo e qualquer ramo do Ministério Público teria uma lei complementar que o regeria. É perceptível, desse modo, que o sistema constitucional reconheceu a variedade como uma característica inerente ao Ministério Público. Com os olhos voltados às instituições estaduais, é possível afirmar que só há uniformidade em relação às matérias em que a norma geral assim o desejou.

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A partir dessa premissa inicial, é possível afirmar que o objetivo do Conselho Nacional do Ministério Público, em relação aos Ministérios Públicos Estaduais, jamais pode ser o de estabelecer uma “uniformidade deformante”. E isso por uma razão muito simples: a alegada uniformidade somente será alcançada se for alargado o alcance da norma geral editada pela União, que deve ser necessariamente veiculada em lei, de iniciativa privativa do Presidente da República. Conclui-se, desse modo, que a “uniformização” será alcançada a custa da “deformação” da ordem constitucional.

É possível afirmar que a uniformização é um objetivo natural em relação ao Poder Judiciário, estrutura verticalizada e regida por uma única lei orgânica. Não o é, no entanto, para o Ministério Público. Nessa linha, é de todo injurídico que o Conselho Nacional do Ministério Público, absorvendo competências próprias do Presidente da República e do Congresso Nacional, venha a ampliar o rol de “normas gerais” e, consequentemente, reduzir o alcance das leis complementares que regem cada uma das Instituições estaduais.


Conclusões

1) O princípio institucional da unidade do Ministério Público deve ser densificado com inclusão da variedade, reconhecendo-se a autonomia existencial entre o Ministério Público da União e os congêneres estaduais;

2) o Ministério Público Estadual, enquanto Instituição dotada de autonomia existencial, pode formular pretensões perante a Justiça Federal e esgotar as instâncias recursais;

3) o Ministério Público Estadual, no exercício de suas atribuições institucionais, pode postular diretamente ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça;

4) a unidade do Ministério Público, por ser horizontalizada, o que caracteriza a igualdade e a equidistância entre seus distintos ramos, não permite que a atuação funcional das Instituições estaduais, decidindo dirigir-se ao Poder Judiciário, seja condicionada por juízos valorativos realizados pelo congênere da União;

5) o princípio da unidade, embora permita a adoção de um planejamento estratégico, com a correlata definição das áreas de atuação, não pode se imiscuir no modo de exercício das atribuições, seara afeta à independência funcional; e

6) o princípio da unidade, por imperativo constitucional, coexiste com a diversidade de leis orgânicas estaduais, daí decorrendo a impossibilidade de o Conselho Nacional do Ministério Público, ampliando os pontos de identidade traçados pelas normas gerais estabelecidas pela União, uniformizar os Ministérios Públicos Estaduais.


Referências Bibliográficas

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DELPÉRÉE, Francis e VERDUSSEN, Marc. Le Système Fédéral, in DELPÉRÉE, Francis. La Belgique Fédérale. Bruxelles: Bruylant, 1994, p. 47

FAVRE, Antoine. Droit Constitutionnel Suisse. 2ª ed. Fribourg: Éditions Universitaires Fribourg, 1970.

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GARCIA, Emerson. Ministério Público. Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

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LYRA, Roberto. Teoria e Prática da Promotoria Pública. 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001.

RASSAT, Michèle-Laure. Le Ministère Public entre son passé et son avenir, Paris: Librairie Général de Droit et de Jurisprudence, 1967.

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Sobre o autor
Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. Ministério Público:: essência e limites da independência funcional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4124, 16 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32815. Acesso em: 22 dez. 2024.

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