1. INTRODUÇÃO
O princípio da legalidade transcende aos séculos, foi inaugurado na Carta Magna Inglesa, de 1925, do Rei João Sem Terra. Naquela época tanto a nobreza quanto a plebe insurgiram-se contra o poder de tributar do príncipe João, e o impuseram um estatuto que determinava que os súditos deveriam aprovar a cobrança de tributos de maneira prévia. Estabelecia-se neste momento, um dos meios balizadores do Estado de Direito, e como fenômeno marcante na tributação, o referido princípio é o “fundamento de toda a tributação, sem o qual não há como se falar em Direito Tributário”, como bem argumentou Ruy Barbosa. Diante disso, o presente trabalho intenta apresentar a evolução histórica do princípio da legalidade tributária ante as Constituições Brasileiras, assim como definir em linhas simples o que vem a ser o referido princípio e a possibilidade de sua mitigação, estabelecendo distinções imprescindíveis para a compreensão do tema.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
O princípio da legalidade tributária foi consagrado em todas as Constituições Brasileiras.
O artigo 171 da Constituição Imperial de 1824 já determinava que:
Art. 171 - Todas as contribuições directas, á excepção daquellas, que estiverem applicadas aos juros, e amortisação da Divida Publica, serão annualmente estabelecidas pela Assembléa Geral, mas continuarão, até que se publique a sua derogação, ou sejam substituídas por outras.
Depreende-se do artigo em comento que apesar da Constituição Imperial não mencionar diretamente a necessidade de edição de lei para a instituição de tributos, afirmou o princípio da legalidade ao dispor acerca da competência legislativa tributária.
Percebe-se que foi atribuída somente à Assembléia Geral a competência para instituir tributos. A Constituição do Império reconheceu que o Imperador não poderia tomar para si esta competência.
A Constituição de 1981, em seu artigo 72, também trouxe em seu bojo o princípio mencionado:
Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 30 - Nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em virtude de uma lei que o autorize.
Infere-se do artigo mencionado que a Constituição de 1981 submetia todos os impostos à obediência do princípio da legalidade. Segundo Aliomar Baleeiro (1974, p. 13-14) este princípio também se estendia às demais espécies tributárias.
A Constituição de 1934 contemplou o princípio da legalidade em seu artigo 17, inciso VII:
Art. 17 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VII - cobrar quaisquer tributos sem lei especial que os autorize, ou fazê-lo incidir sobre efeitos já produzidos por atos jurídicos perfeitos;
(...)
Explícito está no artigo a imposição do princípio da legalidade tributária.
Dando continuidade, a Constituição de 1937, apesar de não apresentar o princípio mencionado de maneira explícita, expõe seu conteúdo através do artigo 13:
Art. 13 - O Presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, excetuadas as seguintes:
(...)
d) impostos;
(...)
Ressalta-se ainda que a Constituição de 1937, em seu artigo 180 asseverava que: “Enquanto não se reunir o Parlamento nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União", o que resultou em um afastamento temporário do princípio da legalidade tributária.
Entretanto, a Constituição de 1946 consagrou plenamente o princípio da legalidade tributária, em seu artigo 141, in verbis:
Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 34 - Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.
Observa-se através do artigo mencionado que o princípio da legalidade tributária está incluído no rol de direitos e garantias individuais.
Com a promulgação da Constituição de 1967, o princípio da legalidade tributária foi erigido como verdadeira limitação ao poder de tributar da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, estabelecendo em seu artigo 20, a vedação a estes entes de "instituir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça, ressalvados os casos previstos nesta Constituição".
Retomando-se o texto do parágrafo 34 do artigo 141 da Constituição de 1946, percebe-se a previsão das exceções ao princípio da legalidade. Com o advento da Emenda Constitucional de 1969, houve alteração destas exceções, pois se albergou também os Impostos Sobre Produtos Industrializados.
A Constituição Federal de 1988 seguiu o modelo das Constituições anteriores, manteve o princípio da legalidade entre os Direitos e Garantias Individuais (art. 5º, II) e o consagrou como limitação ao poder de tributar no artigo 150, inciso I, determinando que:
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal:
I-exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça;
(...)
Depreende-se da evolução histórica apresentada, que o princípio da legalidade tributária possui previsão constitucional desde a existência da primeira constituição, objetivando a proteção dos contribuintes, uma vez que o poder tributário emana do povo, que o exercita por meio de seus representantes, através da elaboração das leis que regulamentam as condutas tanto dos contribuintes quanto dos entes tributantes.
Para uma melhor compreensão acerca do tema mencionado, necessário é analisar, ainda que brevemente, o que vem a ser o princípio da legalidade. Incumbindo-se dessa tarefa o próximo tópico.
3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
Esculpido está no texto constitucional o princípio da legalidade tributária, nenhum tributo pode ser instituído ou majorado senão por meio de lei.
Eduardo Sabbag preleciona que:
Se tributo é veículo de invasão patrimonial, é prudente que isso ocorra segundo a vontade popular, cuja lapidação se dá no Poder Legislativo e em suas Casas Legislativas. Tal atrelamento, no trinômio “tributo-lei-povo” assegura ao particular um “escudo” protetor contra injunções estatais feitas por instrumento diverso de lei (SABBAG, 2012, p.65).
Depreende-se do raciocínio do referido doutrinador que o consentimento popular é imprescindível para a instituição das exações, haja vista que a invasão patrimonial será privada em prol da coletividade. Assim, pressupõe-se que tanto a instituição quanto a extinção, o aumento e a redução sejam efetuadas por meio de lei.
Nesse sentido, insta destacar as palavras de Roque Antonio Carrazza (2008, p.245): “é da essência de nosso regime republicano que as pessoas só devem pagar os tributos em cuja cobrança consentirem”.
A cobrança do tributo é autorizada pelo povo, uma vez que este é o detentor do poder tributário.
Resta esclarecer ao que o constituinte se referia ao mencionar o vocábulo “lei”, quando disse que os tributos deverão ser instituídos por meio destas.
Partindo-se do pressuposto de que os tributos devem ser instituídos mediante o consentimento popular, exsurge entendimento de que o legislador referia-se a lei em sentido estrito, e não a todo e qualquer ato normativo, dessarte que “a lei consentida é aquela emanada da entidade titular da competência tributária correspectiva”, o tributo federal provirá do Congresso Nacional, o tributo estadual da Assembléia Legislativa, o tributo Municipal da Câmara dos Vereadores. (SABBAG, 2012, p.66)
Consoante o esposado, compreende-se que o veículo normativo hábil para a instituição dos tributos é a lei ordinária, aprovada nas Casas Legislativas mediante maioria simples.
Todavia, há alguns tributos federais que avocam para sua instituição a Lei Complementar, devendo ser aprovados pela maioria absoluta dos representantes do Poder Legislativo. (SABBAG, 2012, p. 66)
Portanto, consoante o exposto, infere-se que os tributos, no geral deverão ser instituídos por meio de Lei Ordinária, ressalvado os casos em que a própria legislação tributária determina que alguns tributos federais devem ser instituídos por meio de Lei Complementar.
4. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
A Constituição Federal de 1988 estabelece que todos os tributos estão sujeitos ao princípio da legalidade.
No entanto, segundo José Eduardo Sares de Melo (2008, p.20) o princípio em comento apresenta uma “aparente exceção” quanto às alíquotas. Segundo assevera o artigo 153, § 1º, há quatro impostos federais que podem ter suas alíquotas majoradas (ou reduzidas) por ato do Poder Executivo Federal, por meio de decreto presidencial ou portaria, são eles:
• Imposto sobre Importação (II);
• Imposto sobre a Exportação (IE);
• Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
• Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF).
Observa-se que os impostos mencionados possuem caráter extrafiscal, ou seja, são usados como instrumento financeiro, estimulando ou inibindo condutas, visando não somente a arrecadação.
Ressalta-se também o fato e que a lei determina o “teto e o piso” das alíquotas, não podendo o Poder Executivo aumentá-las ou reduzi-las a seu bel prazer, devendo modificá-las dentro dos limites instituídos por lei.
Nesse diapasão, se presencia reflexos em linhas claras do princípio da legalidade, permitindo-se em situação excepcional de extrafiscalidade sua atenuação.
5. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO TRIBUTO
Após a análise das questões atinentes a possibilidade de atenuação do princípio da legalidade tributária, imprescindível mencionar a questão da majoração do tributo.
Acerca disso, expõe-se o texto do artigo 97 do Código Tributário Nacional:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
(...)
§1º. Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§2º. Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
Consoante o esposado no artigo, a majoração da base de cálculo, que implica no seu aumento acima dos índices monetários do período em análise, somente deverá ser feita mediante lei, permitindo-se que a atualização, correção monetária dentro dos índices do período em análise, poderá ser feita por atos normativos infralegais (portaria, circulares, instruções normativas, entre outros).
Assim, não se deve confundir atualização com majoração tributária, estabelecendo a lei que a majoração implica aumento da exação devendo conformar-se ao princípio da legalidade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, depreende-se que o princípio da legalidade tributária determina que nenhum tributo será instituído, extinto, aumentado ou reduzido sem lei. Do vocábulo lei entende-se lei em sentido estrito, elaborada nas Casas Legislativas e aprovada mediante maioria absoluta, uma vez que tributo demanda consentimento popular, e os membros do Poder Legislativo representam o povo, o qual detentor do poder tributário.
Lembrando que alguns tributos serão instituídos por meio de Lei Complementar por determinações da legislação tributária.
O princípio da legalidade tributária deve ser observado obrigatoriamente por todos os tributos, havendo apenas atenuação, exercitável dentro dos limites legais, quanto à majoração ou redução das alíquotas do Imposto sobre a Importação, Imposto sobre a Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros.
Ressaltando-se que a atualização, correção monetária dentro dos índices admitidos no período em análise, poderá ser efetuada através de atos infralegais, pois não se enquadra nos casos de majoração mencionados por lei.
Nesse diapasão, o princípio da legalidade tributária é meio garantidor e assegurador dos direitos dos contribuintes, que tem o seu patrimônio invadido em prol da coletividade. Diante de tal invasão, o aludido princípio atua como limitador do poder de tributar e meio garantidor da segurança jurídica dos contribuintes.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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