Offshore a brasileira

22/10/2014 às 14:27
Leia nesta página:

Seis mil brasileiros devem investir em Offshore em 2014.

Seis mil brasileiros de maior patrimônio líquido, 52% do total, devem investir em Offshore (paraíso fiscal) em 2014. Significa que mais da metade dos maiores empresários e bilionários brasileiros estão enviando seu capital para o estrangeiro. Procuram investimentos de renda fixa lastreados em dólar. Uma parte porque o dólar está rentável e, a outra parte, simplesmente para levar o dinheiro para longe do país. Trata-se, evidentemente, dos mais ricos do Brasil. Os dados refletem apenas os que lidam com dinheiro no bolso – patrimônio líquido –; porém, temos de pensar no restante do capital: há os que levam ou montam suas fábricas lá fora; outros nem trazem os lucros para cá; alguns vendem o que podem e investem por lá.

Temos o dinheiro do grande crime organizado e da corrupção pública. Estimava-se que – entre sonegação de impostos e corrupção oficial – os números comeriam perto de 30% (trinta por cento!) do Produto Interno Bruto (PIB). Se somarmos com o capital que vai ao exterior e volta só se o dono quiser, então, não é difícil concluir que nenhum dinheiro é limpo.
Uma parte da grana pode ser limpa, alega-se, porque não fazem uso de meios ilícitos para obtê-los: são lucros. Todavia, o lucro é obtido com o trabalho do outro (mais-valia) e também não se garante, a priori, que seja faturado sem nenhuma violação aos direitos e às garantias trabalhistas. Muitos estão na mira do Ministério Público porque impõem “condições análogas à escravidão” – como a FRIBOI, condenada em 2014 – e, outros tantos, por crime ambiental: a começar do agronegócio. É o lucro sem controle que se explora aqui e, agora, especula-se lá fora. Na corrupção, sem contar o variado tráfico internacional, praticamente todas as grandes construtoras do país respondem no Judiciário por corrupção ativa: essas notícias são abundantes. Deve-se somar, a todos esses casos, o político profissional e o servidor público desonesto que fazem o pé de meia com remessas ilegais de divisas: o banco no exterior vira o laranja que precisam para lavar o dinheiro sujo. Além do sistema financeiro que teve 300% de lucro, o impostômetro registra a alimentação diária de uma classe social de “gestores”. São servidores do Estado que mais “se servem” do que servem ao público, contribuinte, para fixar ganhos e faixas salariais. Quer dizer, além das exceções de praxe no empresariado, e dos trabalhadores e servidores públicos honestos (que “servem ao público” e não praticam corrupção passiva), dá para dizer que o dinheiro foi ganho honestamente? Por essa associação, pouco dinheiro não é sujo.

Não é ideologia, de ser a favor ou contra o capital acumulado com a mais-valia imposta ao trabalhador. Mesmo se desconsiderarmos a fórmula capitalista D-M-D' (dinheiro/mercadoria/dinheiro: o capital investido produz mercadorias com mais-valia e lucro embutidos), a expropriação do “capital nacional” é gigantesca. Empresas transnacionais exportam seu superávit, sem controle social. Também não temos taxação sobre grandes fortunas ou cobrança de Imposto de Renda escalonada: o professor universitário federal recolhe sob a mesma faixa que os donos da AmBev. Os mais ricos do Brasil pagam o mesmo percentual que eu! Por isso, quem não vive de rendas (e que também é explorador), ou paga ao fisco ou concede sobre-trabalho ao empregador – ou as duas condições associadas. Por fim, os dados refletem o capitalismo globalizado; daí ser piada falar do empresariado brasileiro. Via de regra, o capitalista aparece na eleição para financiar o candidato que lhe trará mais lucros futuros. O investidor na política não deixará de cobrar cada tostão apostado? É como corrida de cavalos, mas com a ressalva de que aqui os animais são inflados com anabolizantes cancerígenos.
 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos