O Direito de Voto do Preso Provisório

11/11/2014 às 18:17
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Em um artigo anterior analisamos os avanços da participação popular no voto, e hoje veremos um pouco mais sobre o direito do preso provisório ao exercício do sufrágio universal.

I. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO PRESO PROVISÓRIO E SUA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

1. O Preso Provisório e Sufrágio Universal 

A Magna Carta de 1988 foi estruturada sob a forma de princípios e regras, que de acordo com a maioria da doutrina constituem espécies de normas jurídicas.

Quanto à forma de aplicação, podemos dizer que os princípios são mandados de otimização, “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes.”  As regras, por outro lado, são normas imperativas que dispõem sobre uma exigência (proíbem, autorizam, determinam), a qual será, ou não, realizada.

Quanto ao problema do conflito e sua solução, pode-se dizer que os princípios coexistem, e não se excluem. Isso quer dizer que no conflito entre um princípio e outro haverá um juízo de ponderação, balanceando os valores de um e de outro princípio, para se aplicar aquele que seja mais condizente para aquele caso.

Com as regras, tal juízo de ponderação não é aferido, pois uma exclui as outras, ou seja, no conflito entre regras, atendido as condições previstas para sua aplicação, por uma delas, será esta aplicada de forma automática, excluindo-se a aplicação de outras regras existentes. 

Vale, ainda, salientar que os princípios são aplicados às regras, e o inverso não é verdadeiro.Para o fenômeno da Participação, os princípios são garantias do direito à liberdade, e muitos são os princípios que reforçam esse entendimento, estabelecendo limites ao Estado, para que este não possa, de forma arbitrária, segregar esse direito dos indivíduos, ou no nosso caso, do preso provisório. 

Dentre os princípios descritos pela Carta Política de 1988, daremos ênfase àqueles que mais dão respaldo à aplicação da liberdade como um todo, possibilitando ao preso provisório a sua participação política. 

Passamos a listar cinco princípios constitucionais de maior destaque para a participação política: a) princípio da dignidade da pessoa humana; b) princípio do devido processo legal; c) princípio da legalidade; d) princípio da presunção de inocência e suas mitigações; e e) princípio da motivação das decisões judiciais.

1.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Presente no art. 1º, III, da Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana é visto como um valor a ser seguido pela República Federativa do Brasil.

Trata-se de: 

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. 

Esse princípio (valor) é uma vertente do direito brasileiro. Todo e qualquer ato que emane dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deve ter por fim o respeito ao ser humano.As medidas cautelares introduzidas pela Lei 12.403/11 tiveram esse fim. Com elas, o legislador ordinário estabeleceu meios mais humanos para garantir o processo penal, impondo outras formas de restrição da liberdade, diversas da prisão.Por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, podemos notar a existência de outros princípios aplicáveis às liberdades, tais como o devido processo legal, a legalidade, entre outros.

1.2. Princípio do Devido Processo Legal

O art. 5º, LIV, da CF, prescreve que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Tal “princípio se resume em assegurar à pessoa a defesa em juízo, ou em não ser privado da vida, liberdade ou propriedade, sem a garantia que pressupõe a tramitação de um processo, segundo a forma estabelecida em lei.”   (grifo nosso).

Para Greco Filho , o devido processo legal: 

(...), é indispensável à aplicação de qualquer pena, conforme a regra nulla poena sine judicio, significando o devido processo como necessário, valendo, também, a regra para qualquer restrição de direitos. (grifo nosso)

Ora, conforme se percebe, para a aplicação de qualquer limitação de direitos, seja a liberdade, ou qualquer outro, deve-se, sempre, seguir um rito previsto em lei, que, também, garanta aos indivíduos meios para a defesa de suas liberdades.

Não é diferente para a imposição de qualquer medida cautelar, seja ela a prisão, ou não.Por serem limitações de direito, a liberdade na maioria dos casos, mesmo que de forma mitigada, deverá o Estado, ante a possibilidade de decretar qualquer dessas medidas, seguir os tramites legais e assegurar aos indiciados, ou acusados, a incidência de todos os direitos que a lei lhes confere.

Uma garantia decorrente deste princípio, e que foi expressamente prevista pela Lei 12.403/11, é a existência, quando possível, de contraditório prévio (art. 282, § 3º, CPP) para a decretação de qualquer medida cautelar, e que será analisado adiante.

O devido processo é base, também, para a legalidade, pois todo o procedimento que vise à restrição de direitos deve ser previsto em lei, e é a legalidade que será vista a seguir.

1.3 Princípio da Legalidade

Segundo o art. 33, do Código de Processo Penal, modelo para Ibero-América:

As únicas medidas de coerção possíveis contra o acusado são as que este Código autoriza; terão caráter excepcional e serão proporcionais a pena ou medida de segurança e correição que se espera do procedimento, com estrita sujeição às disposições pertinentes.  (grifo nosso)

Conforme se percebe do Código modelo, qualquer medida restritiva da liberdade deve, antes de qualquer coisa, estar prevista em lei.

Trata-se de uma garantia para os indiciados, ou acusados, de que não haverá, no processo penal, um poder geral de cautela, como é de praxe no processo civil.Vale expor aqui a lição de Magalhães Gomes Filho , que diz:

[...] não se pode cogitar em matéria criminal de um “poder geral de cautela”, por meio do qual o juiz possa impor ao acusado restrições não expressamente previstas pelo legislador, como sucede no âmbito da jurisdição civil; tratando-se de limitação da liberdade, é imprescindível a expressa permissão legal para tanto, pois o princípio da legalidade dos delitos e das penas não diz respeito apenas ao momento da cominação, mas à “legalidade da inteira repressão”, que põe em jogo a liberdade da pessoa desde os momentos iniciais do processo até a execução da pena imposta. (grifo nosso)

Da mesma opinião compartilham Delmanto Jr. e Odone Sanguiné.

Embora não seja esse princípio previsto de forma expressa no Código de Processo Penal brasileiro, encontra ele respaldo no art. 5º, LIV, da CF, inciso que prevê o devido processo legal.

Ora, a negativa de voto ao preso provisório, em sede de medidas cautelares,  devem estar previstas em lei, por tratar-se a liberdade de direito maior que o direito de punir do Estado.

Frise-se ainda, que a legalidade das medidas restritivas, cautelares ou não, é defendida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Sendo assim, não se deve aplicar qualquer forma de restrição ou privação da liberdade , sem que estas estejam previstas em lei.

Por fim, devemos salientar que, se há a legalidade em sede de medidas cautelares, há, também, a sua taxatividade, não podendo outro ato, que não a lei, estabelecer outras tutelas restritivas.

Essa taxatividade legal não é unânime na jurisprudência, conforme se denota de julgado do TRF-4ª Região:

Tem há muito admitido esta Corte a criação jurisprudencial de medidas cautelares, ainda que sem específica previsão normativa, dentro dos limites da necessidade e suficiência, pois além de se constituírem em medida ínsitas à jurisdição, são elas criadas em favor do processado, substitutivamente a mais gravosa cautelar legal de prisão. Política criminal encampada na Lei 12.403/11, ampliadora do rol legal de cautelares no processo penal.  (HC 5015479-13.2011.404.000, 7ª T., v.u., rel. Néfi Cordeiro, 08.11.2011)

1.4 Princípio da Presunção de Inocência – A Garantia de Não Produzir Provas Contra Si Mesmo e a de Permanecer em Silêncio

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Leciona o art. 5º, LVII, da CF, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Esse preceito constitucional garante a inocência de todo indivíduo até que o Estado prove, de forma definitiva, a sua culpa.

Sendo assim, podemos concluir que, não cabe ao Estado, sob o pretexto de garantir o processo, aplicar medidas cautelares com o fim de antecipar a pena, pois esta só será atribuída àqueles que sejam considerados culpados em decisão transitada em julgado.

Derivam deste princípio duas garantias, a saber: a de não produzir provas contra si; e a de ter o direito de ficar calado.

Por terem as medidas cautelares, como será analisado adiante, como um de seus escopos, a garantia da investigação ou da instrução criminal, tal tende a sugerir que, em alguns casos, deva o indiciado ou acusado colaborar, de alguma forma, com o desfecho do caso.

Pois bem, pelo princípio em tela vemos que o ônus da prova cabe ao Estado, e não ao acusado. Para se provar a culpa de alguém, o Estado deve apresentar e confirmar as provas que expõe. Ao acusado não cabe à produção de provas que lhe comprometam, podendo este mentir sobre fatos, e até mesmo, permanecer calado.

Este direito, derivado do princípio da inocência, vem expresso na Carta Magna, em seu art. 5º, LXIII, que prevê que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, (...)”. (grifo nosso)

Com isso, percebemos que, primeiro, não pode o Estado aplicar medida cautelar com fim punitivo, antes que seja provada a culpa do indivíduo, pois, como outrora visto, todos são inocentes até o transito em julgado da sentença condenatória.

Segundo, a aplicação de uma medida cautelar não pode impor ao acusado, ou indiciado, uma obrigação de produzir provas que lhe prejudiquem, com fim de colaborar com as investigações, ou com o processo.Por último, não tem as medidas cautelares o condão de fazer com o indiciado, ou acusado, fale, colabore, pois poderão permanecer calados até o fim do processo, se assim lhes aprouver.

Destarte verificamos a necessidade de maior fortalecimento de um padrão de relacionamento entre Estado e sociedade, no qual o instituto da participação, através da opinião popular e das entidades constituídas, lutam por aprimorar a democracia pela via do primado da lei e da justiça.

Ainda conforme fora depreendido do estudo realizado, o preso provisório tem direito às liberdades políticas, em especial o direito ao sufrágio universal, não podendo as chamadas medidas cautelares, obstarem este direito. 

Aliás, hoje, com a edição da Lei 12.403/11, as medidas de cautela englobam não apenas as prisões cautelares, mas, também, outras medidas alternativas a estas, que, de certa forma, são mais benéficas, já que a maioria não priva a liberdade, mas apenas a restringe de alguma maneira, permanecendo todos os outros aspectos da liberdade intactos, sendo mais consentâneo com o direito ao sufrágio. 

Embora o sistema não seja perfeito, pois há dúvidas no que tange à fiscalização dessas medidas, é patente que o legislador nacional quis privilegiar o preceito constitucional que se resume na máxima pela liberdade dos indivíduos, sendo a prisão uma exceção.

Da pesquisa realizada, podemos constatar que cabe ao juiz, durante a aplicação das medidas cautelares, analisar todos os pressupostos e condições necessárias ao seu cabimento, aplicando a medida mais adequada ao caso, e se possível, a que lese menos o direito à liberdade do ser humano, optando preferencialmente por medidas alternativas à prisão.

É patente que a prisão, hoje, só é decretada por meio de decisão judicial, e a lei em apreço extinguiu as prisões automáticas, respeitando os preceitos da Constituição Federal.

A conclusão que se chega, é que houve um avanço por parte do legislador ordinário ao prever medidas que garantam o provimento jurisdicional, mas que não lesem a liberdade de indivíduos, sendo tal liberdade ferida, apenas, nos casos de extrema gravidade.

Desse modo, impossível a restrição ao preso provisório do direito ao sufrágio universal, pois é fundamento da República Federativa do Brasil a cidadania, o que tem íntima relação com a participação. 

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Sobre a autora
Gabriela Paiva

Estudante do 5º ano de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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