A morte replicada

08/11/2014 às 10:17
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Mesmo os piores vírus são transformados em vacinas.

A morte replicada

A tecnologia não é boa, nem má. Muito menos neutra. É profundamente política. O Homo sapiens sapiens é o que é – nós – por causa da política, da tecnologia e das artes. O grego antigo chamava de techné: conjunto de estratégia, prudência e conhecimento aprofundado. Mas, simplificamos por tecnologia. Tecnologia e violência aliadas ao destempero de valores humanizadores, como no nazismo, provocam horrores indizíveis. Opera-se, com efeito, a razão instrumental, quando os objetivos são traçados sem a mediação de pressupostos dignos da Humanidade. É óbvio que os jovens são abalados; porém, os adultos também. É o caso de averiguarmos o uso das redes sociais e dos recursos dos celulares pelo crime organizado. Não é segredo que torcedores combinam conflitos mortais via Internet. Drogas chegam aos tribunais de justiça compradas na chamada Internet suja, o lado obscuro da rede de comunicação. Todos sabem como são difamatórias as investidas de desafetos na rede; adolescentes cometem suicídio ou homicídio por causa disso. Decreta-se a morte social ou a falência política de alguém. A fractalidade, a replicação incontrolada, sem limites éticos, expõem claramente, objetivamente, o bem e o mal, (e)levando-se ao extremo a desregulamentação e o potencial de dado. É preciso aproximar as pessoas e não tratá-las pelos efeitos “à distância”. Não é nada fácil, entretanto, é preciso descomplicar as relações humanas tão marcadas pelo consumismo de si mesmas.
No caso mais recente, em Belém do Pará – após o assassinato um policial militar, suspeito de integrar organização criminosa –, por meio de uma mensagem de vós do whatsapp, foi anunciada uma sentença de morte coletiva para moradores de determinado bairro. Supostamente, seria de outro PM, em retaliação. No fim das contas, morreram mais de dez pessoas – incluindo jovens namorados e um deficiente físico . É a tecnologia que assusta? Também. É a violência? Óbvio! Contudo, assusta muito mais a violência e o horror multiplicados pelos suportes tecnológicos. É um problema trazido pela modernidade: resultados sem princípios; estética sem ética. Tanto quanto é um dos distúrbios da sociedade brasileira: a corrupção do espaço público. Nenhuma instituição está imune. Ninguém está isento ao encaminhar e-mails e mensagens. Tanto quanto é certo que não se deseja o controle autocrático do Poder Político, é urgente a necessidade de repensarmos o papel da tecnologia na modernidade. Para onde vai? O que queremos? Como faremos?
Esse debate é por demais importante para ficar restrito à opinião de especialistas e usuários vorazes. Já temos um Marco Civil Regulatório, uma Magna Carta da Internet, mas que ainda precisa se materializar nas relações cotidianas. Não cobrar pelo acesso às páginas de conteúdo é ótimo à economia popular, é democrático, pois permite que pobres acessem informações livremente; porém, é passada a hora de pensarmos na regulação ética e democrática dos próprios conteúdos e informações. Julgar judicialmente por difamação é uma ação positiva; contudo, quando toma um efeito viral não há remédio jurídico. O que leva a pensar que a saída pode/deve estar na educação de verdade, de qualidade, que compartilhe com os jovens a teleologia (olhar prospectivamente para o futuro) e a responsabilidade social. Fora disso, sem pensar em grandes mudanças de clima no sistema, apenas reproduzimos a barbárie moral de um capitalismo predatório. Mesmo os piores vírus são transformados em vacinas.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
 

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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