A propriedade privada urbana e os aspectos socioambientais à luz do Estatuto da Cidade

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2. A INSTITUIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

2.1 A constitucionalização do Código Civil de 2002 em face do Direito de Propriedade 

A Carta Magna promulgada em 1988, constituída por normas de supremacia jurídica e instituidora das normas infraconstitucionais no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, possui uma organização sistemática, em que é dotada de uma superioridade hierárquica e de fundamento de validade jurídica em relação às demais normas do sistema jurídico.(BARROSO,2009)

Para Miguel Reale, 2002, as normas constitucionais são as normas supremas, às quais todas as outras têm de se adequar, a Constituição, além de delimitar as esferas de ação do Estado e dos particulares.

A consagração do fundamento da hierarquia das normas constitucionais no âmbito do ordenamento jurídico ocorreu através da teoria do partidário do positivismo jurídico, Hans Kelsen, 1998,  na obra Teoria Pura do Direito, em que afirmava:

Se perguntar pelo fundamento de validade de uma norma pertencente a uma determinada ordem jurídica, a resposta apenas pode consistir na recondução à norma fundamental desta ordem jurídica, quer dizer na afirmação de que esta norma foi produzida de acordo com a norma fundamental.

Portanto para obtenção desta validade jurídica, as normas infraconstitucionais têm seguir o parâmetro da interpretação das normas diante do texto constitucional, para que sejam consagrados e condicionados os valores e princípios da normativa suprema da Carta Magna. Neste sentido as normas a serem inseridas no sistema são submetidas ao fenômeno da constitucionalização do direito.

A constitucionalização é um fenômeno essencial, que submete ao direito positivado os fundamentos de validade constitucional necessários para formação das leis infraconstitucionais. É um dos métodos em que se estabelece a contextualização dos princípios constitucionais, para a normatização instituída pela legislação em formação.

A constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Esse fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalados, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma óptica constitucional (BARROSO, 2009).

Para concepção da constitucionalização do Direito Civil, será incluída como instrumento de embasamento, a extração dos princípios constitucionais, com a intenção de inserir estes termos para a formação e aplicação do Direito Civil, obtendo assim notória validade jurídica.

Pode afirmar-se que a constitucionalização é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionara observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional (LÔBO ,1999).

Ao analisar as pretensões, direitos e deveres dos particulares, os juristas deverão se atentar a utilização dos instrumentos inovadores de interpretação das normas, que é de precioso saber, que a interpretação do Código Civil deverá ser realizada segundo a Constituição Federal e não a Constituição segundo o Código, isto preceitua os ensinamentos de Paulo Lôbo, 1999, vejamos:

Na atualidade, não se cuida de buscar a demarcação dos espaços distintos e até contrapostos. Antes havia a disjunção; hoje, a unidade hermenêutica, tendo a Constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil. A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como ocorria com freqüência (e ainda ocorre).

Podemos entender que constitucionalização do Direito Civil, se obstina ao feito da publicização (LÔBO ,1999). Este termo é caracterizado pelo processo de intervenção legislativa infraconstitucional. Advém neste momento à intervenção do Estado em direitos que anteriormente era de interesse privado do indivíduo.

Então a intervenção do Estado que tem natureza do direito público, se efetivará através da legislação por meio de um controle do espaço privado, para que sejam efetivadas as exigências do Estado social.

Percebemos esta intervenção nas garantias individuas estabelecida pela Constituição Federal quanto ao direito de propriedade. A doutrinadora Roxana Borges, 1998, leciona que:

Com o advento da Constituição da República de 1988 o direito de propriedade deixa de ter sua regulamentação exclusivamente privatista, baseada no Código Civil, e passa a ser um direito privado de interesse público, sendo as regras para o seu exercício determinadas pelo Direito Público e pelo Direito Privado. Este processo de publicização do direito de propriedade é fundamental para a implementação da legislação referente à proteção do meio ambiente, que impõe limites ao exercício daquele direito.

A Propriedade foi elencada no texto constitucional de 1988, no mesmo grau dos direitos de primeira geração que são: o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança, sendo estes compreendidos como direitos de garantia fundamentais.

O direito de propriedade é garantido no art. 5º, XXIII na Constituição Federal de 1988, observamos que a incorporação deste artigo define a garantia da propriedade privada e ao mesmo tempo insere o termo de que esta tem que obedecer a função social.

Observamos também a ótica da dimensão intervencionista onde este direito tem que ser compatível com os interesses maiores, por ser objetivada a ordem social prevalecendo diante da ótica individual.

Destarte, que para a intervenção do Estado ao direito individual da propriedade, tem que ser observar o princípio da proporcionalidade, que este se configura a finalidade de estabelecer uma harmonia entre os direitos individuais e os direitos coletivos.

É de fundamental importância o princípio da proporcionalidade para as relações de conflito em questão. Nesta relação se enquadra duas partes conflitantes: a primeira parte desta se configura no direito individual compreendido na propriedade privada, e a segunda parte é formada pela intervenção do Estado em defesa da ordem social.

A utilização do princípio da proporcionalidade é relatado por Clarissa Marques,2007 da seguinte forma:

Todavia, a utilização da proporcionalidade como meio de permitir limitações razoáveis e suportáveis é mais freqüente quando o cenário envolve uma colisão entre direitos fundamentais, distanciando-se da hipótese de limitação imanente. Isto porque a teoria da ponderação se propõe a pôr fim ao conflito estabelecido diante dos fatos utilizando, para isso, uma solução tida como proporcional a partir da análise de alguns critérios à luz dos princípios envolvidos, diferentemente do que propõe a teoria da imanência.

No art. 170, nos incisos II, III e IV, no Capítulo da Ordem Econômica e Financeira, a Constituição Federal aborda o conteúdo constitucional da propriedade e de sua função social, sendo observadas como um dos princípios norteadores que justificam a ordem econômica, que por fim possui o intuito de assegurar a todos os cidadãos a existência digna conforme os ditames da justiça social.

O conteúdo econômico em face da propriedade fixado pela Constituição Federal. É apresentado que nas relações do exercício econômico da propriedade, não poderá apenas ser composta por interesses individuais do proprietário, mas sim deverá considerar os critérios das funções sociais, para que seja possível a garantia dos valores instituídos na Constituição, com o objetivo de alcançar a existência digna da pessoa humana.

A Constituição Federal distingue a propriedade como urbana no art. 182, § 2º e rural no art. 186, ao mesmo tempo definiu de forma bem clara os meios de intervenção do Estado, no caso de não cumprimento da função social e ambiental. No caso da propriedade privada urbana não atendendo as limitações do Plano Diretor e ao direito constitucional de moradia, e a propriedade rural não obedecendo ao aproveitamento racional e adequado dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente, o proprietário não cumprido os ditames legais, sofrerá sanções da desapropriação e expropriação.

Com o advento do Código Civil de 2002, o direito de propriedade propagado no art. 1.228, foi constitucionalmente contextualizado aos parâmetros atribuídos pelo princípio da propriedade e da função social. O Código Civil legitima a função sócio-ambiental da propriedade em sua legislação especial, como intuito de limitar o conteúdo do direito de propriedade, restabelecendo o que foi regido pela Constituição Federal.

 No art. 1228, § 1º é atribuído de forma explicita os conformes da Constituição Federal, em que as faculdades do proprietário de usar, gozar, dispor e reaver da coisa são contornadas as exigências das limitações que é definida no próprio parágrafo § 1º, demonstram que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais de modo que seja preservado o meio ambiente estatuído pelo art. 225 da CF/88.

Contudo, vimos que o conteúdo ao direito de propriedade estabelecido pelo Código Civil de 2002, é um instituto que foi interpretado à luz da Constituição Federal de 1988, que afirma a constitucionalização do direito positivado em lei infraconstitucional.

2.2 A propriedade e o princípio constitucional da Função Socioambiental 

Diante do que foi observado anteriormente, a respeito da constitucionalização do direito civil, percebemos que o entendimento do direito de propriedade do Código de 2002, obteve aptidão e validade no sistema jurídico, pois seguiu os parâmetros do contexto estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em que prevalece o interesse social.

A configuração do termo função social dissolveu definitivamente do texto legal do ordenamento jurídico atual, os paradigmas do individualismo e absolutismo do direito de propriedade. No entanto, à função socioambiental da propriedade, regida na Constituição Federal tornou-se parte integrante do conceito de propriedade.

A função socioambiental é uma condição para efetivação da propriedade, objetivando assim, a solução dos conflitos existentes entre o indivíduo proprietário, os interesses sociais e proteção ao meio ambiente.

A função socioambiental, não se confunde como um tipo de limitação do direito de propriedade, mas como um meio de conformação de seus elementos, para que seja condizente com o interesse social e ambiental. De certa forma a propriedade será sujeita a limitações civis, penais, administrativas, ambientais e constitucionais (LEMOS,2008).

No entanto, para que seja possível a efetivação do exercício do direito de propriedade, deverá este ser regado impreterivelmente pelo o princípio da função sócio-ambiental.

Contudo, para entendermos a preponderância da junção dos princípios da função social e ambiental, que são comportamentos positivos para que seja efetivado o direito de propriedade, observaremos analiticamente, a finalidade e a importância de cada princípio.

Afinal percebemos que para a efetivação de um direito individual é necessário que este esteja de acordo com preeminência do interesse social. Assim sendo, é indispensável conceituar e entender os aspectos de cada termo, para que possamos chegar à definição final desses princípios.

2.2.1 O conteúdo constitucional do princípio da Função Social 

            Com a nova concepção constitucionalista que defende o Estado social de Direito, influenciado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e dos fins sociais, frente à nova codificação civilista que normatiza uma inovação ao direito de propriedade, percebemos que o Estado passou a intervir no que tange aos aspectos e conseqüências que a propriedade privada possa causar a coletividade.

Nunca, porém, em toda a história constitucional brasileira, a função social recebeu tratamento tão amplo e tão concretizante como o que se vê na atual Constituição. Não foi ela apenas referida como direito e garantia individual e como princípio da ordem econômica, mas ganhou, ao lado de seu adequado posicionamento no sistema constitucional, indicação de um conteúdo mínimo, expresso no que tange à propriedade imobiliária (GUSTAVO & SCHREIBER,2005).

Ainda que o proprietário seja conduzido por sentimentos individuais, por possuir este a prerrogativa das faculdades dos elementos constitutivos que são: o de usar, gozar, dispor e reaver da coisa, ou seja, de impor suas vontades frente aos demais, este direito por ser tão complexo, deverá atingir as finalidades previstas no art. 1228, § 1º, que será o comprometimento do que seus atos poderão causar ao meio social.

Então, foi à instituição desse termo da função social que tem por balizador elementos constitutivo de interesses sociais, sendo este protegido por limites aos direitos absolutamente individuais. Para entendermos o contexto do princípio da função social, faremos uma abordagem sintética da terminologia do que vem a ser função e a substância do conteúdo social.

O significado do termo função vem do latim functio, de fugi (desempenhar, realizar). Trata-se de uma imputação que algo tem de consentir ou exercer uma finalidade formada, com a tentativa de atender a um objetivo. Por exemplo, uma capacidade que apresenta um intuito ou um dever, a disposição para a satisfação de interesses não simplesmente individuais, mas que possa atingir o interesse de terceiros.

A palavra função convoca o leitor a compreensão de que alguma coisa, ser ou órgão desempenha um papel, uma atividade. Quem tem função de algo a desempenhar, a cumprir, a exercer, a corresponder dentro da concepção de ser e de objeto que possua corpo, forma existência, quer no mundo fenomênico, real ou formal. A função é o exercício ou atividade de um ser dotado ou não de vida. Corresponde ao papel a que deve desempenhar em dado momento ou circunstância quando empreendido para uma finalidade, para alcançar um objetivo, para cumprir seu conteúdo (CARVALHO,2008),.

O conteúdo social é entendido como aquilo que pressupõe sobre as relações e interações humanas que sejam estabelecidas valores de moralidade e a ética. Social é um conceito histórico-determinável, vago, elástico, no qual se “encaixariam” os valores relevantes moralmente e eticamente à época analisada (SOARES,2009).

A conjectura do termo é afirmada pelo estudioso J. J. Calmon de Passos,2002 da seguinte forma:

Função social, conseqüentemente, pode ser entendida como o resultado que se pretende obter com determinada atividade do homem ou de suas organizações, tendo em vista interesses que ultrapassam os do agente. Pouco importa traduza essa atividade exercício de direito, dever, poder ou competência. Relevantes serão, para o conceito de função, as conseqüências que ela acarreta para a convivência social. O modo de operar, portanto, não define a função, qualifica-a.

No conteúdo da função social no direito de propriedade, deve ser observado, na atuação do proprietário na satisfação de suas necessidades na utilização da sua propriedade, este deve colocá-las diante dos interesses sociais, ou seja, é a atribuição de uma responsabilidade social, que é a harmonia das relações sociais e econômicas.

Entendemos que a função social é o dever jurídico imposto ao titular do bem móvel e imóvel, de atender às exigências legais e morais, de modo a compatibilizar o uso, gozo e fruição da coisa, respeitando os direitos da coletividade e operando a vontade de socializar os frutos, que podem ser produzidos com correta utilização do bem da vida (CARVALHO, 2008).

Então a função social é uma ponderação do direito próprio de propriedade, em que o interesse individual deve ser compatível ao interesse social, o seu exercício deve ser realizado no sentido de utilidade para e si e para a sociedade. Deste modo, todo instituto jurídico deverá atender a uma função social, pois o objetivo principal é abranger a coletividade estabelecendo que os fins sociais sejam proeminentes diante dos interesses individuais, mas é importante frisar, que deverá ser estabelecida uma razoabilidade diante dos valores éticos e morais para que possa haver uma harmonia entre os direitos e garantias do homem e da ordem social. 

2.2.2 O conteúdo constitucional do princípio da Função Ambiental 

A questão ambiental foi notavelmente estabelecida pela primeira vez na Constituição Federal de 1988, sendo esta classificada na ordem dos direitos fundamentais, afinal as diretrizes de proteção ao meio ambiente se encontra inserida no texto constitucional, no capítulo específico sobre meio ambiente, sendo no título que abrange a Ordem Social (Capítulo VI do Título VII) (SILVA,2010).

O conteúdo constitucional do princípio da função ambiental, ganha destaque com o art. 225 CF/88, caracterizado por ser um direito intrinsecamente difuso, ou seja, pertence a todos os cidadãos, pois é um bem comum do povo ao direito-dever ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurando a dignidade da pessoa humana e à sadia qualidade de vida.

O meio ambiente é um bem coletivo de desfrute individual e geral ao mesmo tempo, O direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela sendo ao mesmo tempo “transindividual”. Por isso, o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada (MACHADO,2010).

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Enfim, já foi visto o que significa função no tópico anterior, vamos ao conceito do que vem a ser “ambiental” nos parâmetros desse princípio, o termo vem de ambiente de origem latina – ambiens, entis, que significa: o que rodeia, o que nos cerca, o meio em que vivemos.(MACHADO,2010)

Desta maneira o doutrinador José Afonso da Silva explicada seguinte forma:

O meio Ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A interação busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais (SILVA,2010).

A conjectura do significado de função ambiental em nossa legislação tem como âmbito principal a abordagem da proteção e defesa ao meio ambiente. Essa função ambiental é justificada através da Teoria Antropocêntrica em que a proteção do meio ambiente tem por finalidade o melhor meio de vida e bem-estar do ser humano, ou seja, está voltada para a satisfação das necessidades humanas ( FIORILLO,2009).

Meio ambiente é , de acordo com a chamada visão antropocêntrica – que tem no homem o centro e a razão de ser do ambiente - o lugar em que vivem as pessoas em interação com tudo aquilo que as cerca, sejam os demais seres vivos ou outros componentes. Esta é a mais simples das definições do termo, que para alguns estudiosos e doutrinadores, traz um aparente erro de linguagem: meio significa no centro, inserido em outra coisa; ambiente é definido como o lugar onde habitam os seres vivos. Sendo assim, em vista de o termo meio vir englobado pelo termo ambiente – seria desnecessário (JORGE & GENTIL,2009).

A visão antropocêntrica é conceituada da seguinte forma:

Antropocêntrico vem a ser o pensamento ou a organização que faz do Homem o centro de um determinado universo, ou do Universo todo, em cujo redor (ou órbita) gravitam os demais seres, em papel meramente subalterno e condicionado. É a consideração do Homem como eixo principal de um determinado sistema, ou ainda, do mundo conhecido. Tanto a concepção quanto o termo provêm da Filosofia (MILARÉ & COIMBRA,2004).

A melhor pretensão a proteção ambiental deverá ser entendida na visão da teoria do Ecocentrismo e não pela teoria do Antropocentrismo, pois esta tem por finalidade a preocupação do ecossistema global, todas as outras formas de vida devem ser protegidas e não apenas exclusivamente a humana.

De acordo com essa posição, os animais assumiriam papel de destaque em face da proteção ambiental, enquanto destinatários diretos do direito ambiental brasileiro. Todavia, não nos parece razoável a idéia do animal, da fauna da vida em gral dissociada da relação com o homem. Isso importa uma vez mais reiterar que a proteção do meio ambiente existe, antes de tudo, para favorecer o próprio homem e, senão por via reflexa e quase simbiótica, proteger as demais espécies. De qualquer maneira, para aqueles que advogam a idéia antes debatida, o alcance constitucional do termo todos, fixado no art. 225 da Carta Magna, seria infinitamente maior, o que resultaria na revolução dos critérios de interpretar o direito positivo em vigor ( FIORILLO,2009).

A proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico como a realização do cumprimento da função ambiental da propriedade, deverá garantir o desenvolvimento sustentável somado a concretização das normas programáticas enraizadas nos princípios fundamentais, como por exemplo, saúde, educação e outros que resultarão no desenvolvimento humano, como também a proteção ao equilíbrio do Ecossistema garantindo aos outros meios de vida e recursos naturais.

A função ambiental tem por fim restringir os atos e deveres atribuídos ao direito de propriedade, que compreende na preservação do meio ambiente e o cumprimento da função social. Os princípios da função social e função ambiental se complementam na efetivação do direito de propriedade.

Observamos o liame da função social e ambiental no art.1.228 do Código Civil, no seu § 1º, pois este estabelece que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais de modo que sejam preservados, conforme o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

O poder do titular do domínio sobre um bem de fazer uso do mesmo dentro dos limites impostos pelo seu deve de atender uma Função social, corresponde ao uso de acordo com os interesses da coletividade, e uma Função Ambiental, para o cumprimento da qual o proprietário deverá promover o uso ordenado e ecológico da Propriedade que vise à proteção dos bens ambientais nele existentes (CADEVON &PADILHA, 2009).

Portanto, a função ambiental garante uma proteção constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que o indivíduo titular do direito de propriedade utilize o bem de forma adequada, para que todos os meios de vida sejam tutelados, existindo o equilíbrio ambiental e os recursos naturais disponíveis, e também objetivando a utilização por todos e conservação para as futuras gerações.

 

2.3 A Função Socioambiental da propriedade urbana à luz da Constituição Federal

 

Diante do que foi ressaltado anteriormente, a função social e ambiental não poderão ser vistas de modo separado, pois o há um liame existente entre ambas. Os dois princípios expostos são considerados premissas fundamentais que integram o conceito de propriedade tanto na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002.

A função socioambiental da propriedade urbana, consagrada pela Carta Magna de 1988, serviu tanto como parâmetro para criação do novo conceito social e ambiental da propriedade no Código Civil de 2002 e principalmente com o Direito Urbanístico, como também com a elaboração da Lei 10.257 de 2001 que se refere ao Estatuto da Cidade.

A Constituição Federal estabelece como competência da União a edição de normas gerais de direito urbanístico, condicionando a ação do Poder Público Municipal, no que se refere ao princípio da função social da propriedade, à promulgação de lei ordinária federal que licencie sua imposição. Entretanto, a lei federal – Estatuto da cidade – não pode restringir a atribuição outorgada pela constituição, art. 30, I, e, VIII, não sujeitando o Município a atuação legiferante, tendo a lei federal apenas o condão de descrever alguns instrumentos de política urbana, corroborando para a padronização da nomenclatura e para a uniformização de sua aplicação (DALLARI & MACIEL,2009).

A instituição do Estatuto da Cidade, sendo norma do Direito Urbanístico, foi anteriormente tratada no texto constitucional, a partir dos art. 182 e 183, que compreende políticas urbanas que norteiam o desenvolvimento urbano, sendo uma intervenção estatal, executada pelo Poder Público do município, que tem por objetivo através de diretrizes gerais fixadas em lei, o pleno desenvolvimento urbano e garantir o bem-estar dos habitantes residentes nos centros urbanos.

 A fundação em nosso ordenamento jurídico se deu logo após a concepção do texto Constitucional a Lei 10.257 de julho de 2001 nomeada como Estatuto da Cidade, com a função de estabelecer uma legislação pertinente que tem a tendência de configurar a essência e os limites da propriedade privada urbana e sua concretização com a função socioambiental.

A Lei 10.257/2001 foi introduzida no ordenamento Jurídico brasileiro com o objetivo de “regulamentar” os mandamentos constitucionais contidos nos artigos 182 e 183 de nossa Lei Fundamental, com vistas e regular o uso da propriedade urbana em benefício da coletividade, da segurança e do bem-estar dos cidadãos e, também, do equilíbrio ambiental (ANTUNES,2007).

            O Estatuto da cidade institui diretrizes para a criação do Plano Diretor, sendo este utensílio pertencente ao direito urbanístico.O Plano Diretor será o regimento a ser seguido pelo Município com mais de 20 mil habitantes, tendo como principal prerrogativa para o instrumento do Poder Público Municipal para o desenvolvimento urbano e social e também para regulamentar os fins da propriedade privada urbana.

A Constituição da República de 1988 estabelece, em seu art. 182, que a função social da propriedade urbana deverá ser efetivada pelo Poder Público Municipal. Esta Tarefa deve ser realizada de acordo com diretrizes gerais estabelecidas em lei federal, e com as leis municipais necessárias, dentre elas o plano diretor (SOARES & FERES,2006)

Para que a função social da propriedade privada seja efetivada, a Lei 10.257/01 estabelece a competência ao Poder Público Municipal, com a finalidade de utilização de instrumentos que regulem a organização do espaço urbano diante do desenvolvimento urbano para que possa garantir os fins sociais e o bem-estar da coletividade. 

Com a constituição Cidadã, o Plano Diretor assume a função de instrumento básico da política urbana do Município. Esta tem como propósito a ordenação do pleno desenvolvimento das conhecidas funções sociais da cidade – trabalho, circulação, lazer e moradia. Seu propósito é garantir o bem estar social da comunidade (HUMBERT,2010).

No caso de descumprimento da normativa do Estatuto da cidade, admitida no Plano diretor, a Constituição estabeleceu penalidades para os proprietários que não utilizaram de forma adequada a sua propriedade urbana, ou seja, quando estes não cumprirem devidamente a função social e ambiental, os mesmos sofrerão penalidades, como o parcelamento ou edificação compulsórias, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e a desapropriação.

Vale destacar, caso o Município seja omisso na elaboração do Plano Diretor, isto ocasionará a privação do Município na possibilidade de utilização dos novos instrumentos urbanísticos disponibilizados pelo Estatuto da Cidade. Quando o Plano diretor não existe, o Poder Municipal permanece impossibilitado de exigir do proprietário a concretização da função social da propriedade, desde que seja a sua competência (MACIEL,2009).

No Capítulo Terceiro, o tema Estatuto da Cidade será melhor abordado, pois neste capítulo vimos apenas a parte constitucional para instituição desta lei.

 3. PROPRIEDADE PRIVADA URBANA E O ESTATUTO DA CIDADE: ENTIDADES DO DIREITO AMBIENTAL URBANO

 

3.1 A Lei nº 10.257/2001 e o princípio da função social da cidade: instrumento de reforma urbana

 

O processo de urbanização no Brasil tem por incentivo a migração populacional para os centros urbanos, sendo este fator ligado a industrialização e ao capitalismo fontes do desenvolvimento econômico. O aumento populacional é um dos principais motivos para o crescimento desordenado das cidades brasileiras, que intensifica os problemas sociais diminuindo assim o desenvolvimento sustentável da cidade em questão.

Este processo migratório intenso desestabiliza a administração e dificulta o planejamento urbano. Se, por um lado, os investimentos em infraestrutura e equipamentos urbanos são fatores de atração, por outro o aumento populacional demanda mais recursos nestas áreas. É um círculo vicioso: os diversos setores de atendimento às necessidades da população (escolas, hospitais, saneamento básico, moradias, empregos não crescem na mesma medida e as cidades transformam-se em verdadeiros caos (COELHO & SOARES,2002).

Assim, as cidades possuem dificuldades para organizar seus espaços urbanos pelo motivo que as políticas de organização urbana não conseguem acompanhar o crescimento acelerado da população, que consequentemente, causam problemas sociais como, por exemplo: desigualdades sociais, formação de favelas, aumento nos índices de criminalidade e falta de moradia; e também por questões ambientais tais como variados tipos de poluição e destruição dos elementos naturais e do ecossistema (COELHO & SOARES,2005).

O Espaço urbano é constituído pelo meio ambiente artificial, identificado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos configurados por ruas praças, áreas verdes espaços livre (espaço urbano aberto) (SILVA,2010).

E são esses citados elementos artificiais – os edifícios, as casas, as ruas, as praças as avenidas, os monumentos – que se mostram imprescindíveis para perfeita construção do chamado meio ambiente artificial, o qual, devido à sua estreita relação com o conceito de cidade, enquadra-se com adequação em uma segunda denominação: meio ambiente urbano (JORGE & GENTIL,2009).

A paisagem urbana, que corresponde ao meio ambiente artificial como já mencionado, engloba tanto os aspectos do meio ambiente natural como os elementos artificiais que configuram a natureza transformada pelo homem. Vejamos o que defende o doutrinador Fiorillo:

A paisagem nas cidades (conjunto urbano paisagístico) absorve, não só os aspectos vinculados ao meio ambiente natural (recursos naturais), mas principalmente todas as formas de expressão, bem como modos de vive dos diferentes grupos formadores de determinada sociedade abrangida por determinado espaço territorial. [...] Destarte, a paisagem urbana, ao receber tutela jurídica necessita considerar a defesa do meio ambiente cultural, artificial e natural no plano da ordem econômica capitalista, isto é a paisagem urbana tem que ser observada no que se refere à aplicação da tutela jurídica ambiental dentro do contexto da sociedade contemporânea na qual vigora (FIORILLO,2008).

Portanto, o meio ambiente artificial constituído pelo espaço urbano deverá ser norteado por políticas urbanas e fundamentado no princípio da função social da cidade, para que sejam atribuídas diretrizes para uma melhor organização urbana que é essencial para o desenvolvimento sustentável e humano.

Na Constituição Federal de 1988, no art. 182 foi instituído que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme as diretrizes gerais fixadas em lei têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Então percebemos no texto constitucional que o princípio da função social da cidade, não possui uma definição concreta do que realmente se trata a função social da cidade.

O estudo sobre a função social da cidade foi tratado anteriormente, na Carta de Antenas em 1933, criada por um grupo internacional de arquitetos, sendo esta resultada do IV CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), neste congresso se discutia como o paradigma da arquitetura moderna poderia responder as problemáticas causadas pelo rápido crescimento das cidades (MESQUITA,2009).

O surgimento da Carta de Antenas indicava que a organização da cidade possuía quatro funções: habitação, trabalho, circulação e recreação, vejamos o termo 77(MESQUITA,2009):

Primeiro, assegurar aos homens alojamento saudável, isto é lugares em que o espaço, o ar puro e o sol, estas três condições da natureza, estejam amplamente garantidas;

Segundo, organizar os lugares de trabalho de modo que estes em vez de ser uma penosa sujeição recuperem seu caráter de atividade humana natural;

Terceiro, prever as instalações necessárias para uma boa utilização das horas livres, fazendo-as benéficas e fecundas;

Quarto, o vínculo entre estas diversas organizações por meio de uma rede circulatória que garanta os intercâmbios sem deixar de respeitar as prerrogativas de cada uma delas. 

O princípio da função social da cidade, fundada na Constituição Federal de 1988, quando se harmoniza com os preceitos estabelecidos nos art. 5º e 6º do texto constitucional. A função social da cidade se cumpre quando esta proporciona aos seus habitantes os direitos individuais que são: à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade, e à liberdade; e também aos direitos de ordem social que são: à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, entre outros direitos (FIORILLO,2009).

Portanto a função social da cidade atinge sua finalidade quando desempenha o bem-estar de seus habitantes, proporcionado a estes o desenvolvimento sustentável, a qualidade de vida e o contentamento dos direitos fundamentais em harmonia com o meio ambiente.

Além da idéia de função social da cidade, vislumbramos o escopo de proteger o meio ambiente, daí a cidade cumpre a sua função ambiental quando garante a todos o direito ao meio ambiente urbano ecologicamente equilibrado: áreas verdes, espaços de lazer e cultura, transporte público, água, esgoto, luz etc. (LEMOS,2008).

O método de ordenamento do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, é instituído pela Política urbana com finalidade de proporcionar a melhoria e desenvolvimento das cidades, foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro a Lei 10.257, de 10 de julho 2001, definido como o Estatuto da cidade que tem por desígnio, regulamentar o estabelecido inicialmente nos art. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988.

O Estatuto da cidade tem o objetivo de desempenhar a função social e ambiental, tendo como ponto de partida a adequação da propriedade urbana em prol do bem coletivo, objetivando o bem estar social, a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável.

Sendo a mais importante norma regulamentadora do meio ambiente artificial, o Estatuto da Cidade, ao ter como objetivo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante algumas diretrizes gerais criou a garantia do direito das cidades sustentáveis (FIORILLO,2009).

O plano normativo da lei 10.257/2001 tem como prerrogativa estabelecer o pleno desenvolvimento da função social da cidade, fator essencial para construção da normativa da Política Urbana, que na aplicação de seus instrumentos de reforma urbana tem como metas promover a inclusão social e territorial das cidades brasileiras analisando os aspectos urbanos, sociais e políticos das cidades.

O Estatuto delimita quais são as ferramentas que o Poder Público Municipal, admitiram para a criação e inclusão do Plano Diretor, para que possua o devido caráter de combater os principais problemas sociais, econômicos e ambientais relevantes no desenvolvimento sustentável das cidades.

O Estatuto da cidade no art. 2º define as diretrizes gerais para o desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitação, trabalho, circulação e recreação) e da propriedade urbana ( MEIRELLES,2006). Os principais instrumentos e diretrizes da política urbana com o intuito da reforma urbana deverão ser estabelecidos da seguinte forma (SAULE JÚNIOR & ROLNIK,2001):

{C}·         Diretrizes gerais da política urbana, cabendo destacar a garantia do direito às cidades sustentáveis, à gestão democrática da cidade, à ordenação e controle do uso do solo visando evitar a retenção especulativa de imóvel urbano, à regularização fundiária e à urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda;

{C}·         Instrumentos destinados a assegurar que a propriedade urbana atenda a sua função social, tais como o Plano Diretor, o parcelamento e edificação compulsória de áreas e imóveis urbanos, imposto sobre a propriedade urbana (IPTU) progressivo no tempo, desapropriação para fins de reforma urbana, o direito de preempção, a outorga onerosa do direito de construir (solo criado);

{C}·         Instrumentos de regularização fundiária, como o usucapião urbano, a concessão de direito real de uso, as zonas especiais de interesse social;

{C}·         Instrumentos de gestão democrática da cidade: conselhos de política urbana, conferências da cidade, orçamento participativo, audiências públicas, iniciativa popular de projetos de lei, estudo de impacto de vizinhança.

O propósito do Estatuto da cidade não é apenas assegurar a execução dos dispositivos constitucionais disciplinados, o Estatuto também possui a prerrogativa de fixar deveres e proibições a particulares e a agentes públicos, renovar a ordem jurídica e institutos jurídicos, estabelecer sanções para os que transgredirem os preceitos por ela fixados, além de exigir a produção de normas, no âmbito municipal, que garantam a sua total aplicabilidade (MACIEL,2009).

A finalidade do Estatuto da cidade é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana e delimitar o ordenamento jurídico dos Planos Diretores municipais, para que se possa garantir o instrumento básico da política urbana, de forma que a propriedade privada urbana configure a sua função social e também assegure a qualidade de vida, o bem-estar dos cidadãos, ao equilíbrio ambiental e o desenvolvimento sustentável das cidades.

 

3.2 O posicionamento do STF perante a propriedade privada urbana e os aspectos do Estatuto da Cidade

 

.           No estudo da ciência jurídica, a demonstração jurisprudencial é indispensável para a verificação e validade de determinada matéria. Assim, a jurisprudência é o resultado hermenêutico do direito, apresentado de forma delimitada por decisões judiciais uniformes e reiteradas

Diante do que foi defendido e exposto anteriormente, a respeito da propriedade privada urbana, dos aspectos sócio ambientais, o regimento do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor, veremos adiante o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, considerando a decisão de alguns casos práticos com a pretensão de exemplificar os termos divulgados.

No primeiro caso em tela observamos a interpretação do art. 225 da Constituição Federal, que tem por escopo a proteção e defesa ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Demonstra neste julgado que o direito a integridade do meio ambiente, não constitui ao um direito individual, mas sim o direito difuso, sendo este configurado no direito típico de 3ª geração, ou seja, pertence a toda coletividade, vejamos:

O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-1995, Plenário, DJ de17-11-1995). No mesmo sentido: RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma, DJ de 22-9-1995[2].

As políticas urbanas para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitação, trabalho, circulação e recreação) que regulam o uso da propriedade urbana, têm a finalidade de garantir aos habitantes o bem estar social e a segurança e o equilíbrio ambiental.

Município de Belo Horizonte. Pedido de licença de instalação de posto de revenda de combustíveis. Superveniência de lei (Lei 6.978/1995, art. 4º, § 1º) exigindo distância mínima de duzentos metros de estabelecimentos como escolas, igrejas e supermercados (...). Requerimento de licença que gerou mera expectativa de direito, insuscetível – segundo a orientação assentada na jurisprudência do STF –, de impedir a incidência das novas exigências instituídas por lei superveniente, inspiradas não no propósito de estabelecer reserva de mercado, como sustentado, mas na necessidade de ordenação física e social da ocupação do solo no perímetro urbano e de controle de seu uso em atividade geradora de risco, atribuição que se insere na legítima competência constitucional da municipalidade”. (RE 235.736, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 21-3-2000, Primeira Turma, DJ de 26-5-2000)[3].

Neste julgado perceberemos a competência Municipal diante a obrigatoriedade da elaboração do plano diretor para as cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

“O caput do art. 195 da Constituição do Estado do Amapá estabelece que 'o plano diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento econômico e social e de expansão urbana, aprovado pela Câmara Municipal, é obrigatório para os Municípios com mais de cinco mil habitantes'. Essa norma constitucional estadual estendeu, aos Municípios com número de habitantes superior a cinco mil, a imposição que a CF só fez àqueles com mais de vinte mil (art. 182, § 1º ). Desse modo, violou o princípio da autonomia dos Municípios com mais de cinco mil e até vinte mil habitantes, em face do que dispõem os art. 25, 29, 30, I e VIII, da CF, e o art. 11 do ADCT”. (ADI 826, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 17-9-1998, Plenário, DJ de 12-3-1999)[4].

Portanto, com a exemplificação das decisões expostas pelo STF, verificamos que o posicionamento jurisprudencial é configurado pela consagração dos fatores da ordenação e organização das políticas urbanas de desenvolvimento social da cidade, que possui a finalidade da regulamentação da propriedade de acordo com Estatuto da Cidade, para que possa garantir a coletividade e bem-estar social, segurança, desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado para presentes e futuras gerações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Mediante a investigação da perspectiva histórica do conceito de propriedade, com um breve esboço, percebemos que em conjunto a evolução da humanidade e da ciência jurídica contribuiu imensamente para a formação do direito de propriedade.

Deste modo, verificamos que nos primórdios da origem da civilização, a propriedade não era definida, o indivíduo vivia a partir das necessidades dos recursos naturais. Assim com o fim da vida nômade e com o aperfeiçoamento da agricultura, propriedade foi constituída por uma concepção coletiva, logo após se transformando a ser um direito individual, absoluto e inviolável. Por fim a propriedade atingiu a concepção atual, de direito individual ponderado ao princípio da Função social.

A instituição dos conceitos de propriedade presentes na legislação atual corresponde a uma evolução bem sucedida do termo; que por sua vez, não é mais considerado como um direito individualista, inviolável e absoluto.

A instituição do direito de propriedade na Constituição de 1988 é considerado um direito fundamental ao indivíduo, elencado no caput do art.5º Sendo assim, o direito de propriedade é afirmado quando atende aos limites constitucionais da função social, onde este é uma exigência que deverá ser cumprida obrigatoriamente. A partir da concepção da função social, foi associada à função ambiental que deve ser cumprida obrigatoriamente pela propriedade privada urbana.

Assim, o conteúdo da função social no direito de propriedade, se estabelece quando o proprietário, na satisfação de suas necessidades com a utilização da propriedade, atende aos interesses sociais. A função social é a atribuição de uma responsabilidade social formada pela harmonia das relações sociais e econômicas. A função ambiental da propriedade incide também nos deveres atribuídos ao proprietário na utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e da preservação ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Com a análise dos princípios da função social e ambiental constatamos que a proteção ambiental está associada ao conceito do conteúdo da função social da propriedade, que esse liame certamente determina uma vinculação ambiental, que se pode caracterizar como uma Função Ambiental.

Destarte, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu um capítulo especial a Política Urbana com o intuito de constituir uma limitação a propriedade privada urbana, com o objetivo de estabelecer requisitos para que seja atendida a função social. Esta função social será efetivada quando forem correspondidas as exigências legais prevista no Estatuto da Cidade e exclusivamente no Plano Diretor Municipal.

Então, com a criação do Estatuto da Cidade que tem por finalidade democratizar as funções sociais da cidade (habitação, trabalho, circulação e recreação) em prol dos habitantes, e ordenar a propriedade privada urbana através do Plano Diretor, bem como estabelecer medidas para a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

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Legislação:

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BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade.

Jurisprudência:

BRASIL. STF. MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-1995, Plenário, DJ de17-11-1995). No mesmo sentido: RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma, DJ de 22-9-1995. Disponível em <  http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp>. Acesso em: 13.fev.2011.

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BRASIL. STF. ADI 826, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 17-9-1998, Plenário, DJ de 12-3-1999. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp> Acesso em: 13. fev.2011.


 Art. 1.228 § 1º “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

BRASIL. STF. MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-1995, Plenário, DJ de17-11-1995). No mesmo sentido: RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-1995, Primeira Turma, DJ de 22-9-1995. Disponível em <  http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp>. Acesso em: 13.fev.2011.

{C}[3]{C}BRASIL. STF. RE 235.736, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 21-3-2000, Primeira Turma, DJ de 26-5-2000. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp>>. Acesso em: 13.fev.2011.

 BRASIL. STF. ADI 826, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 17-9-1998, Plenário, DJ de 12-3-1999. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp> Acesso em: 13. fev.2011.

Sobre a autora
Renata Menezes

Mestranda pela Universidade de Lisboa, na área de Ciências - Jurídicas Ambientais e Advogada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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