A guerra fiscal pelo ICMS e a inconstitucionalidade do protocolo ICMS 21

20/11/2014 às 14:30
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O artigo trata da declaração de inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21 pelo Supremo Tribunal Federal, tecendo breves explanações acerca de competência tributária para evidenciar as razões que implicaram na inconstitucionalidade do referido Protocolo.

RESUMO: O presente artigo trata da recente declaração de inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21 pelo Supremo Tribunal Federal. O Protocolo ICMS 21 fora editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), no ano de 2011, fixando regras para o comércio eletrônico interestadual, onde se permitia que Estados sem empresas de distribuição recebessem parte do tributo devido nas referidas operações. O mencionado protocolo buscava solucionar a guerra fiscal provocada pelo crescimento de vendas por meio da internet, todavia, agredia diversos princípios tributários previstos expressamente em nossa Constituição Federal, o que foi arguido nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade de nº 4.628 e nº 4.713, as quais foram julgadas procedentes.

Palavras-chave: Competência Tributária. ICMS. Inconstitucionalidade. Protocolo ICMS 21.

1 INTRODUÇÃO

O Estado foi criado com duas finalidades principais, quais sejam: atender demandas públicas que não poderiam ser supridas individualmente e criar normas capazes de regulamentar o convívio humano em sociedade. O nosso Estado brasileiro possui sua ordem econômica fundada na livre iniciativa, conforme dispõe o art. 170, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). Devido a isto, vivemos um capitalismo neoliberal onde a intervenção direta do Estado na atividade econômica manifesta-se de forma excepcional. O próprio art. 173, caput, da CRFB, fundamenta esta afirmação, conforme vemos a seguir:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Neste sentido, como o Estado não atua diretamente na atividade econômica, salvo em casos excepcionais, Ele necessita encontrar alguma outra forma de se manter, bem como para atingir as finalidades que fundamentam a sua existência. É para isso que existe a atividade tributária do Estado. Contudo, voluntariamente ninguém contribuiria com Estado sem receber uma contrapartida direta e imediata pela prática deste ato. Por isso, o poder de tributar estatal cria uma obrigação de natureza compulsória para os particulares, tendo em vista que decorre da própria Soberania do Estado, que sendo esta una e indivisível, faz daquele uma parcela de seu exercício.

Infere-se, portanto, que o poder de tributar pertence ao Estado, eis que o povo lhe atribuiu tal poder por meio da Constituição. Entretanto, a competência para instituir tributos pertence aos entes federados. Neste sentido, leciona o ilustre doutrinador Luciano Amaro (2008, p.93) que:

Competência tributária é aptidão para criar tributos. (...) O poder de criar tributo é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição.

A nossa Constituição Federal além de prevê a instituição de tributos em seu art. 145, utiliza-se de outros dispositivos para outorgar as competências tributárias e estabelecer limites ao poder de tributar. A atribuição da competência tributária de cada ente federado está prevista nos arts. 153 a 156, da CRFB, devendo cada ente atuar dentro dos limites de exercício do poder impositivo que lhe fora atribuído pela Constituição. (SABBAG, 2012)

Em seu art. 146, inc. III, “a”, a Constituição da República afirma que cabe à lei complementar “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente no que se refere à definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos, dos seus respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”, entre outras atribuições.

Até a presente data, todavia, a referida lei complementar não foi criada, sendo, por isso, recepcionada pela CRFB a Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional) que atualmente desempenha este papel. Esta consiste em uma lei ordinária com força de lei complementar.

É válido ressaltar, neste momento, um interessante e recente episódio que vivenciamos em nosso país no tocante à cobrança do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cuja breve explanação acerca desta temática fundamenta a elaboração do presente trabalho.

Com as crescentes realizações de compras por meio da internet, alguns Estados se sentiram prejudicados em relação à forma como ICMS estava sendo cobrado e, devido a isso, decidiram se reunir para criar novas regras de cobrança do referido imposto, objetivando uma repartição mais isonômica das riquezas auferidas com o recolhimento do tributo. Com isso, no ano de 2011, foi criado o Protocolo ICMS 21 cuja inconstitucionalidade fora suscitada na ADI nº 4.628, bem como na ADI nº 4.713 e no RE nº 680.089, já tendo o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestado, recentemente, acerca das referidas suscitações.

Cumpre-nos, neste ponto, adentrar um pouco mais no conceito de ICMS a fim de que possamos compreender toda a situação que envolveu a elaboração do Protocolo 21.

2 IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) E O PROTOCOLO 21

Como fora dito anteriormente, a lei complementar de que fala o art. 146, da CRFB, ainda não foi criada, tendo sido, por isso, recepcionada pela CRFB a Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional) que atualmente desempenha este papel, possuindo, inclusive, força de lei complementar. Todavia, em se tratando de ICMS esta norma já existe e consiste na Lei Complementar nº 87/1996.

Conforme dispõe o art. 155, inc. II, da CRFB, ICMS é um imposto cuja instituição é de competência dos Estados e do Distrito Federal e que incide sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.

Nos últimos anos, houve um grande avanço nas vendas por meio da internet, o que provocou uma verdadeira guerra fiscal entre os Estados que disputavam a cobrança do ICMS. Segundo o art. 155, § 2º, inc. VII, “b”, da CRFB, deve ser adotada a alíquota interna nas operações e prestações de bens e serviços destinados a consumidor final situado em outro Estado quando o destinatário não for contribuinte deste imposto. Conforme ensina Felipe Peixoto Braga Netto (2010, p.87), entende-se por consumidor final aquele que adquire o produto ou serviço, de modo alheio às finalidades profissionais, sem procurar, através da aquisição, aumentar seus lucros. Com relação ao conceito de contribuinte, a Lei Complementar nº 87/96 dispõe:

Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Deste modo, a título exemplificativo, quando uma empresa sediada em São Paulo vende determinado produto a consumidor final residente no Ceará, cabe ao fisco paulista o recolhimento do ICMS correspondente, não tendo o Ceará direito a recolher qualquer valor a título de ICMS.

Diante deste cenário, os Estados de Alagoas, Acre, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe e Distrito Federal, sentindo-se prejudicados com a substituição do comércio tradicional pela aquisição de bens e serviços por meio da internet, decidiram se reunir para criar novas regras de cobrança de ICMS alegando que apenas os Estados mais industrializados se beneficiavam com esta prática, tendo em vista que as sedes das principais empresas de vendas pela internet estão situadas nas regiões Sul e Sudeste do país.

A partir deste fato foi criado o Protocolo ICMS 21, de 1º de abril de 2011, editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o qual fixava regras para o comércio eletrônico interestadual, onde se permitia que Estados sem empresas de distribuição recebessem parte do tributo devido nas referidas operações. Diante da evidente afronta aos princípios tributários constitucionais pelo referido protocolo, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) impetraram, respectivamente, com as ADIs nº 4.628 e nº 4.713, buscando a declaração de sua inconstitucionalidade. As referidas ações foram julgadas conjuntamente pelo STF no dia 17 de setembro de 2014, momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21. Oportunamente, passaremos a analisar os fundamentos utilizados pelos Ministros do STF ao declarar inconstitucional o Protocolo ICMS 21/2011.

3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO PROTOCOLO 21

Em fevereiro do corrente ano, o ministro Luiz Fux, relator das duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade anteriormente mencionadas, suspendeu, em caráter de medida liminar, os efeitos do Protocolo ICMS 21 sob o fundamento de que “os Estados não podem, diante de um cenário que lhes seja desfavorável, simplesmente instituir novas regras de cobrança de ICMS, desconsiderando a repartição estabelecida pela Constituição”.

Em ambas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, bem como em relação ao RE nº 680.089, que também tratava da matéria, os ministros do STF entenderam que “a repartição do ICMS não poderia ser estipulada por meio de protocolo, tendo em vista que a Constituição já trata sobre a questão. Conforme o art. 155, § 2°, VII, alínea b, aplica-se a alíquota interna, no estado remetente da mercadoria, quando são vendidos produtos ou serviços de forma não presencial a consumidor final não contribuinte desse imposto”.

O ministro Gilmar Mendes reconheceu o problema da concentração de recursos, porém negou o pedido do Estado de Sergipe no RE nº 680.089, por avaliar que a norma utilizada não é válida. O ministro Luiz Fux, por sua vez, reafirmou a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21, declarando que a medida poderia gerar “odiosa hipótese de bitributação”, entendimento plenamente plausível a partir da análise da cláusula primeira do referido protocolo, conforme colação a seguir:

Cláusula primeira Acordam as unidades federadas signatárias deste protocolo a exigir, nos termos nele previstos, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS - devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom.

Parágrafo único. A exigência do imposto pela unidade federada destinatária da mercadoria ou bem, aplica-se, inclusive, nas operações procedentes de unidades da Federação não signatárias deste protocolo. 

O ministro Marco Aurélio afirmou que o Confaz demonstrou “cara de pau incrível” ao tentar fazer uma reforma tributária fazendo uso de um mero protocolo. As regras acerca da cobrança de ICMS é questão de competência tributária, cabendo unicamente à Constituição Federal outorgá-la. Assim, somente através de emenda constitucional é possível fazer alterações em relação às regras de recolhimento de ICMS nas vendas virtuais.  Inclusive, já existe a PEC 197/2012, que está em tramitação no Congresso, visando o deslinde desta problemática. 

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Segundo matéria veiculada na Revista Consultor Jurídico (2013) acerca da PEC 197/2012, temos que:

O texto proposto pela PEC 197/2012, conforme parecer recém aprovado, altera os incisos VII e VIII do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal. O objetivo da matéria é esclarecer que toda e qualquer venda interestadual a consumidor final, contribuinte ou não do ICMS, sofrerá incidência da alíquota interestadual (devida ao estado de origem) e da alíquota resultante da diferença entre a alíquota interna e a interestadual (devida ao estado de destino). Entretanto, questionamentos poderão persistir por causa das regras de responsabilidade e sobre a possibilidade de caráter mercantil da venda.

Quantos aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do protocolo ICMS 2, fora decidido por maioria de votos que a inconstitucionalidade só valeria a partir de fevereiro de 2014, quando o ministro Luiz Fux suspendeu a aplicação das regras do documento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, infere-se que o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal ao declarar a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21 demonstrou-se como um verdadeiro resguardo à proteção da segurança jurídica de nosso Estado.

Era inconcebível permitir que o referido protocolo permanecesse em vigor estando, evidentemente, em confronto com diversos princípios tributários consagrados expressamente em nossa Constituição Federal. A necessidade de uma regulamentação adequada à matéria revela-se imprescindível, todavia, não se pode permitir que esta seja feita de qualquer forma, mormente em desacordo às disposições constitucionais, bem como penalizando o consumidor que, consequentemente, restava sujeito a uma absurda situação de bitributação.

Resta-nos, neste momento, aguardar e acompanhar a tramitação da PEC 197/2012 com a expectativa de que esta guerra fiscal pelo recolhimento do ICMS chegue, adequadamente, ao fim.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 8. ed. São Paulo: Método, 2014.

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor: à luz da jurisprudência do STJ.  5. ed. Salvador: Edições Juspodivm, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 02 de novembro de 2014.

BRASIL. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Disponível em:     < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm> Acesso em: 02 de novembro de 2014.

BRASIL. Protocolo ICMS 21, de 1º de abril de 2011. Disponível em: <http://www1.fazenda.gov.br/confaz/confaz/protocolos/ICMS/2011/pt021_11.htm> Acesso em: 02 de novembro de 2014.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. Aprovada PEC que regula ICMS em comércio online. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-mai-08/camara-aprova-pec-altera-cobranca-icms-operacoes-internet> Acesso em: 02 de novembro de 2014.

REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. Cobrança extra de ICMS em compra pela internet é suspensa. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-fev-20/liminar-suspende-cobranca-adicional-icms-compras-internet > Acesso em: 19 de setembro de 2014.

REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. Em compra pela internet, estado de destino não pode cobrar ICMS, decide STF. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2014-set-17/compra-internet-estado-destino-nao-cobrar-icms > Acesso em: 19 de setembro de 2014.

REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. Especialistas elogiam proibição de cobrança de ICMS no estado de destino. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2014-set-18/especialistas-elogiam-proibicao-cobranca-icms-destino > Acesso em: 19 de setembro de 2014.

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Sobre a autora
Isaelite Macedo Garcia Dantas

Bacharela em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - FAP

Informações sobre o texto

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