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O princípio da eficiência na administração pública e o cidadão

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01/03/2000 às 00:00
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6. Cidadania: direito à qualidade

Todos os Poderes do Estado devem observar a eficiência nas funções. Esta por força do artigo 37 da CF, no seu caput.

Com a nova ordem constitucional a sociedade tem a possibilidade de invocar a cidadania para cobrar a qualidade no serviço público. Para isto existe a ação civil pública para defesa de interesse difuso ou coletivo, salientando sempre que poderá a demanda ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias.

Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Assim, provimento judicial pode determinar que a Administração Pública execute reparação de obra ou serviço prestado sem qualidade. Para isto, se vale o Judiciário de instrumentos para formar a prova.

Exemplificando, temos a reparação de estrada de rodagem feita pelo DNER – Departamento Nacional de Estrada de Rodagem. Comumente se observa a má qualidade nos serviços de recapeamento de auto-estradas e rodovias por todo o território nacional, podendo o Judiciário condenar o DNER a reparar os trechos asfálticos não condizentes com o mínimo exigido pelas normas básicas de engenharia civil. A prova, se necessária em caso de demanda judicial contra a administração, é obtida com perícias técnicas especializadas que demonstrem a razoabilidade, de relativa facilidade.

Se pagamos tributos, considerados os mais onerosos do mundo, merecemos serviços de qualidade, inclusive boas estradas. A arrecadação tributária, quanto ao volume, é de primeiro mundo e as estradas de terceiro.

A eficiência, hoje princípio da Administração, é de observância obrigatória pelos administradores. Com este argumento devem pautar pelo mínimo de satisfatoriedade na execução de atividades. Na reparação de estradas, o que se tem visto, é a deterioração instantânea de trechos quando advêm as primeiras chuvas do período invernoso.

Ressalto que os anos perpassam e as estradas são repetidamente reparadas. Vejo que a continuidade de serviços inadequados faz emergia possível infração ao princípio da moralidade. Questiono: agem dentro da moralidade os engenheiros do DNER que concordam com reparações superficiais das estradas, permeando a mediocridade? Devem respeitar o mínimo de qualidade quando executam tais serviços, destinados ao público ?

O cidadão tem o direito a serviço público de bons resultados. Tem o princípio da dignidade da pessoa humana destaque na Constituição, prevalecendo até sobre outros princípios nela consagrados.

Pelo que se percebe, pretendeu-se, com a inclusão do dever de eficiência dentre os princípios constitucionais aplicáveis às atividades da Administração Pública, tornar induvidosa que a atuação do administrador, além de ater-se a parâmetros de presteza, perfeição e rendimento, deverá se fazer nos exatos limites da lei, sempre voltada para o alcance de uma finalidade pública e respeitados parâmetros morais válidos e socialmente aceitáveis. E tudo isso mediante a adoção de procedimentos transparentes e acessíveis ao público em geral. Significa dizer que não bastará apenas atuar dentro da legalidade, mas que ter-se-á, ainda, necessariamente, que visar-se resultados positivos para o Serviço Público e o atendimento satisfatório, tempestivo e eficaz das necessidades coletivas. (8)

Muitas são as responsabilidades do Estado e podem ser exigidos direitos como requisito da cidadania. Pela disposição do art. 23 da Carta Magna é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Art. 196 CF).

São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (Art. 197 CF)

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (art. 205 da CF).

Como obter saúde e educação para todos, de forma irrestrita? A Administração tem o dever de programar-se, com métodos e modos de atuação, onde sejam implantadas avaliações do controle de qualidade.

Ausente o Estado na sua função de servir, o cidadão deve cobrar do Ministério Público posicionamento efetivo voltado para efetivar o direito na Constituição consagrado, se não optar por ação judicial individual para obter tutela judicial a seu favor.

O parágrafo terceiro do artigo 37 da C.F. preconiza que lei regulamentará formas de participação dos usuários na administração pública direta e indireta com previsão de reclamações relativas à prestação de serviços, de iniciativa de qualquer do povo, além de avaliação periódicas externas e internas, acessos a registros administrativos e direito à informação sobre atos do governo, observado o artigo 5º, X e XXXIII da C.F., e disciplina da representação contra exercício negligente e abusivo no exercício de cargo, função ou emprego públicos.

O pacto social, vislumbrado por Jean-Jacques Rousseau(9), traz até hoje seus fundamentos: o Estado é constituído para satisfazer a coletividade; as cidades só existem para propiciar o bem do homem; quando os princípios estão estabelecidos, a máquina deve funcionar e cumpre localizar o poder as decisões em conformidade com a lei; os associados escolhem um soberano e dão-lhe poderes para administrar o coletivo; a passagem do estado de natureza ao estado civil faz surgir no homem o instinto pela Justiça, e conferindo às suas ações a moralidade que lhe faltava antes.


7. Dos atos discricionários

Caberá ao administrador a escolha de melhor solução quando houver necessidade de decidir, presente duas ou mais alternativas. Mas a eficiência, agora, influenciará sua decisão por ter ele que respeitar o princípio inserido pela Emenda 19.

Imporá o princípio da eficiência a adoção da melhor opção ? É esta a visão de Marcelo Harger. (10) Diz ele que é esta a grande utilidade do princípio e o ato ficará eivado de invalidade se houve desrespeito a este entendimento.

Reafirma que não se pretende eliminar a discricionariedade, mas impor limites a um instituto que tem sido considerado um "terreno melindroso" (11).

Atuando sempre objetivando a solução mais eficiente, desde a Emenda 19, o administrador ficará adstrito à nossa de qualidade. Deverá observar que o mérito administrativo agora é compromissado com a melhor forma de solução, com verdadeira obrigação de optar pelo meio mais eficiente, virtude de produzir efeito mais rápido, perfeito de acabamento, e com pouco custo para a administração.

A doutrina clássica do controle judicial dos atos administrativos já não atende aos avanços do estado Democrático de Direito. (12) A solução de equilíbrio no que diz respeito à extensão do controle do ato judicial do ato administrativo será aquela que permita, na defesa do interesse público, a bem da moralidade do ato administrativo e com base nos princípios da boa administração e do atendimento ao melhor interesse público, a anulação dos atos por motivo de conveniência e oportunidade.

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Arremata José de Ribamar Barreiros Soares que a moralidade administrativa está ligada a um dever de boa administração pública, voltada para o interesse público, em que o administrador age com honestidade, probidade, lealdade, justiça, retidão, equilíbrio, boa-fé, ética e respeito à dignidade do ser humano. O ato que viole esses requisitos estará maculado pelo vício da imoralidade e, portanto, passível de exame e anulação pelo Poder Judiciário.


8. Considerações finais

Infiro que o Ministério Público pode agitar ação civil pública para que o Poder Judiciário profira tutela no sentido de determinar a realização do serviço ou obra com o mínimo de eficiência, cobrando-se em todas as esfera de Poder.

Pode também o cidadão encetar ação judicial individual para forçar o Estado a garantir o serviço com grau mínimo de satisfatoriedade, a ser analisada pelo julgador.

Eficiência tem como corolário a boa qualidade. Era este o ingrediente que faltava para que a sociedade pudesse cobrar a efetividade de direitos relativos à educação e saúde, com bom nível. Isto faz com que o Estado tenha que responder às expectativas quanto às suas funções básicas, principalmente as sociais.

O povo brasileiro não pretende riqueza. Basta-nos vida digna com saúde, educação, renda regular e lazer, requisitos defendidos por qualquer sociedade socialista. O Estado pode e deve garantir meios para atender a estas necessidades com enfrentamento permanente de questões sócio-econômicas, assegurando desenvolvimento sustentável setorizado.

Fazer valer o escrito na Constituição Federal tem sido o principal escopo de todos que vislumbram a realização das políticas sociais. Inegável que a atual Carta Constitucional traz avanços, mas falta implementação de direitos básicos, de primeira necessidade.

Manifestação do Superior Tribunal de Justiça, em 1993, (13) tinha externado que não era permitida a perquirição judicial sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato administrativo, cabendo somente a análise quanto à sua legalidade. Tal tese cai quanto à eficiência, tornando o princípio, inclusive, fonte para declaração de inconstitucionalidade.

Agora há possibilidade da análise pelo Judiciário de questões que, conforme a jurisprudência e a doutrina tradicionais, anteriormente lhe eram vedadas por se referirem ao mérito administrativo.

Com a inserção da eficiência na C.F., o cidadão passa a ter o direito de questionar a qualidade das obras e atividades públicas, exercidas diretamente pelo Estado ou por ente terceirizado. Nesta idéia, boa parte dos princípios e regras utilizados para exigir-se eficiência dos particulares em prestações de serviços podem ser aplicados ao Estado e o Judiciário tem o dever de zelar pelo direito de todos que a ele forem para cobrar boa qualidade.

De que vale o Estado se não realizar atividades que satisfaçam as necessidades dos cidadãos ?


NOTAS

  1. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, 176 pág.
  2. Marcelo Harger, Reflexões Iniciais sobre o Princípio da Eficiência, Boletim de Direito Administrativo – Dezembro de 1999.
  3. SOARES, José de Ribamar Barreiros. O Controle Judicial do Mérito Administrativo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.
  4. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998.
  5. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 1999.
  6. MORAES, Alexandre de: DIREITO CONSTITUCIONAL. 6ª ed. –São Paulo, Atlas, 1999.
  7. Internet: www.planalto.gov.br/secom/colecao/99mens7.htm
  8. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE EFICIÊNCIA - Airton Rocha da Nóbrega, Advogado e Professor da Escola Brasileira de Administração Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
  9. ROUSSEAU, Jean-Jacques (tradução Antônio de Pádua Danesi): O Contrato Social. 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  10. Parecer citado (ver bibliografia).
  11. Victor Nunes Leal, apud Odete Madaur, Poder Discricionário da Administração, RT 610,p.38.
  12. Obra de Soares citada. (v. bibliografia)
  13. Diário de Justiça, Seção I ,18 out. 1993 – STJ – 1ª T. – RMS n. 628-0/ RS Rel. Min. Milton Luiz Pereira)

Bibliografia

  1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998.
  2. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 1999.
  3. MORAES, Alexandre de: DIREITO CONSTITUCIONAL. 6ª ed. –São Paulo, Atlas, 1999.
  4. Internet: www.planalto.gov.br/secom/colecao/99mens7.htm
  5. ROUSSEAU, Jean-Jacques (tradução Antônio de Pádua Danesi): O Contrato Social. 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  6. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE EFICIÊNCIA Airton Rocha da Nóbrega Advogado e Professor da Escola Brasileira de Administração Pública da FGV – Publicado na internet. (http://www.geocities.com/CollegePark/Lab/7698/art.htm )
  7. Marcelo Harger, Reflexões Iniciais sobre o Princípio da Eficiência, Boletim de Direito Administrativo – Dezembro de 1999.
  8. Diário de Justiça, Seção I ,18 out. 1993 – STJ – 1ª T. – RMS n. 628-0/ RS Rel. Min. Milton Luiz Pereira)
  9. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, 176 pág.
  10. SOARES, José de Ribamar Barreiros. O Controle Judicial do Mérito Administrativo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.
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Sobre o autor
Michel Pinheiro

juiz de Direito no Ceará, mestrando em Direito pela UVA/UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Michel. O princípio da eficiência na administração pública e o cidadão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/341. Acesso em: 27 abr. 2024.

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