INTRODUÇÃO
A presente reflexão tem por objetivo um estudo analítico do recurso integrativo do ordenamento jurídico da analogia, em especial, sua utilidade no direito tributário.
É inegável que a analogia exercer na ordem jurídica, papel de garantir a completude do sistema legal, no direito tributário, ela possui uma expressa aplicação limitada, principalmente, pelo princípio da legalidade que é intrínseco ao mencionado ramo jurídico. Dentro da sistemática teleológica tributária, na aplicação analógica não pode resultar na criação de tributos ou penalidades, assim como, estabelecer isenções e outros institutos fiscais regidos pelo princípio da legalidade estrita.
I. ANALOGIA - PARTE GERAL
O mundo fático é complexo e dinâmico, de sorte que não é possível estabelecer todas as situações em dispositivos legais. Assim, diante de uma situação para a qual não há dispositivo legal específico, aplica-se o comando pertinente a situações semelhantes, análogas, afins.
A analogia constitui raciocínio que permite passar de um particular a outro particular, diferenciando-se nesse aspecto dos raciocínios indutivo e dedutivo em que as passagens são de particular para geral e de geral para particular, respectivamente. A analogia situa-se entre os argumentos prováveis, ao lado dos de congruência e de hipótese, distinguindo-se dos argumentos concludentes.
Karl Larenz preconiza a aplicação da analogia, como método de integração, com vistas a preencher as lacunas da lei.
Se se trata de uma lacuna da lei patente, a integração acontece, a maior parte das vezes, por via da analogia ou do recurso a um princípio ínsito na lei. Também é possível uma orientação à natureza das coisas´. Entendemos por analogia a transposição de uma regra, dada na lei para a hipótese legal (A), ou para várias hipóteses semelhantes, numa outra hipótese B, não regulada na lei, ´semelhante´ àquela. A transposição funda-se em que, devido à sua semelhança, ambas as hipóteses legais hão de ser identicamente valoradas nos aspectos decisivos para a valoração legal; quer dizer, funda-se na exigência da justiça de tratar igualmente aquilo que é igual. A integração da lacuna da lei, por via de um recurso a um princípio ínsito na lei, funda-se em que a situação de facto não regulada expressamente na lei é aquela a que o princípio (igualmente) se refere, sem que aqui intervenha um princípio contrário.[2]
O argumento por analogia limita-se à inferência do provável. Embora desenvolvido sob um aspecto lógico, não está preocupado com a verdade de suas conclusões, mas somente com a verossimilhança. Assim, quanto maior a probabilidade de aceitação de suas conclusões, maior será a sua carga retórica, bem como a possibilidade de legitimação da tese desenvolvida.[3]
Tem-se por analogia o expediente de que se serve o aplicador da lei, ao colher em norma que incide em caso semelhante a disciplina jurídica que o sistema positivo não mencionou expressamente.[4]
Duas são as espécies: a analogia por força de compreensão, isto é, a aplicação da norma positiva a um caso já compreendido no seu espírito e aí latente, embora não previsto expressamente, e a analogia por extensão, que ocorre quando se estende a norma positiva a situações nela não previstas, não compreendidas no seu espírito, embora tenha com a situação prevista ponto de contacto. A diferença entre uma e outra é que a primeira não implica criação de norma nova, a segunda, sim, em flagrante desrespeito ao princípio da legalidade.[5]
II. ANALOGIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO
Para Norberto Bobbio "entende-se por analogia o procedimento pelo qual se atribui a um caso não regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante".[6]
No sentido jurídico – lingüístico integrar é completar o todo, de incorporar apenas o complemento que a tentativa de demonstração do todo revela estar faltando, mais uma vez, a idéia de completude do direito é realizada, na medida em que temos disponível a previsão da integração por meio da analogia.
Por isso a interpretação precede e possibilita ou não a integração. A ausência de disposição de ser expressa ou oculta. Se oculta, especialmente, a interpretação, não apenas do texto, mas do contexto, demonstra não existir omissão ou lacuna porque da sistemática decorre a disposição. O problema existe, como refere o art. 108 do CTN, no caso de ausência de disposição expressa. Para a solução no campo tributário o CTN indica o recurso à analogia, aos princípios gerais de Direito Tributário e Público e à equidade.[7]
Miguel Reale adverte:
O processo analógico é no fundo um raciocínio baseado em razões relevantes de similitude. Quando encontramos uma forma de conduta não disciplinada especificamente por normas ou regras que lhe sejam próprias, consideramos razoável subordiná-la aos preceitos que regem relações semelhantes, mas cuja similitude coincida em pontos essenciais.[8]
O art. 108 do Código Tributário Nacional estabelece:
Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributaria utilizará, sucessivamente, na ordem indicada:
I-a analogia
II-os princípios gerais de direito tributário
III-os princípios gerais de direito publico
IV-a equidade
Parágrafo primeiro. O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
Texto criticável, por estar eivado de imperfeições, assim, afirma Eduardo Marcial Ferreira Jardim:
Por outro lado, os incisos do referido art. 108 nomeiam a analogia, os princípios gerais de direito tributário e de direito público e finalmente a equidade. Como se vê, o legislador conferiu inaceitável privilegio à analogia enquanto a dispôs em posição cronologicamente superior aos princípios de direito tributário e público.[9]
A hierarquização à qual o CTN subordinar aos elementos de integração, é descabida, tendo em vista aos equívocos que o respeito a tal sistemática pode resultar, v.g., se o emprego da analogia não se adequar à inteligência de um princípio, prevalece o princípio, e não da analogia. No próprio parágrafo primeiro do art. 108, encontra-se um choque, em que a analogia, não se pode exigir tributo, deixando claro que é em decorrência do princípio basilar do direito tributário (o da legalidade). Este limite na prevalência do princípio em relação à analogia deverá ocorrer sempre quando houver esta antinomia.
Luciano Amaro complementa:
Além disso, nem sempre, se poderá preferir este ou aquele dos instrumentos de integração arrolados, pois situações há em que mais de um deles merece ser invocado. A analogia pode, por exemplo, ser o instrumento necessário a que se dê efetividade a um princípio.[10]
Então, a analogia no Direito Tributário deve observar alguns parâmetros importantes, só se utiliza quando insuficiente à expressividade das palavras da lei. Por isso só pode ser utilizada com extrema cautela, a fim de não inovar a ordem jurídica ou atropelar normas válidas, vigentes e eficazes. Hugo de Brito Machado afirma: “A analogia presta-se tanto ao fisco como do contribuinte. Qualquer lacuna na legislação tributaria pode, e deve, ser preenchida pelo recurso à analogia, respeitada apenas a ressalva do parágrafo primeiro do art. 108.”[11]. Neste sentido se manifesta à jurisprudência:
Revela-se inviável a pretendida interpretação analógica do art. do DL 2.354/87, no sentido de corrigir monetariamente o valor retido do imposto de renda decorrente de aplicações financeiras, uma vez que, na esteira da construção jurisprudencial desta Corte, exige-se lei que determine tal correção, vedando-se o uso da analogia.[12]
TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – TAXA DE COLETA DE RESÍDUOS – MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA-PB – EXIGÊNCIA DA UFPB – FIXAÇÃO DO MONTANTE DEVIDO – CRITÉRIO DA CATEGORIA DO IMÓVEL – NÃO PREVISÃO DE IMÓVEL PÚ- BLICO – IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE CERRADA OU DA tipicidade TRIBUTÁRIA – 1. A fórmula prevista na Lei Complementar Municipal 27/01, do Município de João Pessoa/PB, para fixação do montante devido a título de Taxa de Coleta de Resíduos, tem como um dos elementos o Fator de Utilização do Imóvel, que é fixado de acordo com a categoria na qual se enquadra o bem (comercial, residencial, industrial, etc.), sendo essa, portanto, imprescindível para se quantificar o tributo devido. 2. Inexistindo categoria na qual se enquadre o imóvel da UFPB, não pode lhe ser aplicada a interpretação extensiva ou analógica, em face da vedação contida no art. 108, parág. 1º do CTN. 3. A pretensão do Município de João Pessoa-PB em enquadrar o imóvel da UFPB como comercial afronta aos princípios da legalidade e da tipicidade tributária, uma vez que a cobrança de qualquer tributo somente pode ser feita se todos os elementos para a sua incidência estiverem clara e expressamente previstos na norma legal. Precedentes deste TRF5: AC 372.580/01-PB, Rel. Des. Federal LÁZARO GUIMARÁES, DJU 03.05.06, p. 689; e AC 372.831-PB, Rel. Des. Federal Francisco WILDO, DJU 15.02.06, p. 782. 4. Apelação improvida.[13]
Da mesma forma que o uso da analogia não pode criar tributos, ele, também, não pode ser utilizada para reconhecer isenção (art. 111, incisos I e II, do CTN), nem para aplicar anistia (art.111, I, do CTN), nem para dispensar o cumprimento de obrigações acessórias (art. 111, III, CTN), assim como instituir penalidades.
Outra utilização da analogia jaz latente na chamada interpretação econômica do Direito Tributário, pela qual o aplicador deve inspirar-se no conteúdo econômico do negócio, mais do que na forma jurídica de que se socorreu o contribuinte, para escapar à tributação mais severa ou mesmo evadir-se do ônus.[14]
Convém desde logo não confundir interpretação extensiva com aplicação da lei por analogia. Interpretação extensiva existe quando a situação de fato é clara, mas a de direito obscura, ou incompleta. O intérprete procura fazer o texto alcançar a situação de fato, ele demonstra que um caso não parece estar incluído na norma, nela está compreendido.
Carlos Maximiliano propõe uma distinção entre as duas espécies do gênero analogia, o que nos faz concluir que a analogia legis confundir-se-ia com a interpretação extensiva.
A respeito de analogia duas possibilidades merecem registro: ou falta uma só disposição, um artigo de lei, e então se recorre ao que regula um caso semelhante (analogia legis); ou não existe nenhum dispositivo aplicável à espécie nem sequer de modo indireto; encontra-se o juiz em face de instituto inteiramente novo, sem similar conhecido; é força, não simplesmente recorrer a um preceito existente, e, sim, a um complexo de princípios jurídicos, à síntese dos mesmos, ao espírito do sistema inteiro (analogia juris) (...) A analogia legis apóia-se em uma regra existente, aplicável a hipótese semelhante na essência; a analogia júris lança mão do conjunto de normas disciplinadoras de um instituto que tenha pontos fundamentais de contato com aquele que os textos positivos deixaram de contemplar; a primeira encontra reservas de soluções nos próprios repositórios de preceitos legais; a segunda, nos princípios gerais do Direito. [15]
É por isso, chamada interpretação extensiva da lei. Já na aplicação analógica a situação de direito é clara, mas a de fato obscura, o texto descreve com clareza uma determinada situação de fato e o intérprete pretende aplicar essa descrição a outra situação fática, por ser concretamente análoga à descrita no texto.[16]
Portanto, a diferenciação encontra-se em que na analogia, a lei não teria levado em consideração a hipótese, mas, se o tivesse feito, supõe-se que lhe teria dado idêntica disciplina, já na interpretação extensiva, a lei teria querido abranger a hipótese, mas, em razão de má formulação do texto, deixou de fora do alcance expresso da norma.[17]
CONCLUSÃO
A norma jurídica por não permanece estática, assim como, o meio fático em que se insere, o aplicador da norma relaciona-se como a interpretação, como recurso de dirimir a tensão existente no silogismo norma-fato.
Mas, mesmo durante o estágio de interpretação, esta muitas vezes, não satisfaz a individualização da conduta no contexto jurídico, passando-se para o próximo estágio da completude do ordenamento, consistente na integração.
Assim, quando o estágio interpretativo não satisfaz a necessidade de silogismo legal, a integração analógica, será invocada, mesmo no direito tributário, que vigora o princípio da legalidade estrita, a analogia pode ter sua contribuição. Respeitando – se os limites tipificados em lei. Atendendo a justa equação legalidade e completude do ordenamento.
REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6. Ed. Brasília: UNB, 1995.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 4. ed., trad. José Lamego, Lisboa : Fundação Calouste Gulbekian, 2005.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 15. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.
MORAES, Oswaldo de. A analogia no direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15. ed., São Paulo: Saraiva, 1999.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
SOUZA, L. S. F.de. O papel da ideologia no preenchimento das lacunas no direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
[1] Advogado, Professor efetivo do Curso de Bacharelado em Direito da UESPI-PI e da Faculdade Piauiense Mauricio de Nassau; Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes e Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca-Espanha
[2] LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, 4.ed., trad. José Lamego, Lisboa : Fundação Calouste Gulbekian, 2005, p. 461.
[3] SOUZA, L. S. F.de. O papel da ideologia no preenchimento das lacunas no direito. 1993, p. 226.
[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 103.
[5] MORAES, Oswaldo de. A analogia no direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965, p.66-67.
[6] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6. Ed. Brasília: UNB, 1995, p. 151.
[7] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 98-99.
[8] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 85.
[9]JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 239.
[10] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 211.
[11] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 126.
[12] REsp. 389.403/RS. STJ, 1 turma, Rel. Min. Luiz Fux. DJU: 11.11.02.
[13] TRF 5ª R. – AC 2005.82.00.012796-2 – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Napoleão Nunes Maia Filho – DJU 28.02.2007.
[14] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 680.
[15] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 15.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.210.
[16] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.100.
[17] AMARO, Luciano. op. cit., p. 212.