Publicidade Enganosa - Análise de Acórdão

28/11/2014 às 18:13
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Trata o presente trabalho de análise de acórdão a respeito, em síntese, de caracterização ou não de publicidade enganosa em anúncio publicitário que indica a não inclusão do valor do frete no preço anunciado do produto, no caso, um automóvel.

Análise de Acórdão

Trata o acórdão sob análise, em síntese, de caracterização ou não de publicidade enganosa em anúncio publicitário que indica a não inclusão do valor do frete no preço anunciado do produto, no caso, um automóvel.

É a partir da decisão do acórdão que acolheu os Embargos de Declaração com efeitos modificativos para dar provimento ao Recurso Especial do Embargante-Réu e, assim, entendendo pela não-caracterização da publicidade enganosa no caso discutido, que se faz uma breve análise a esse respeito.

Inicialmente, cumpre destacar a importância do Código de Defesa do Consumidor com a criação de normas jurídicas que visam proteger o consumidor e as relações de consumo, que se caracterizam, inclusive, como princípio da orem econômica nacional.

Como características gerais apresentadas pelo CDC podemos destacar a as tutelas múltiplas de proteção, a saber: a) tutela material, ou tutela civil; b) tutela administrativa; c) tutela penal; e d) tutela processual. Ainda, ressalta-se que as normas do CDC são de ordem pública e de interesse social e foram regidas mediante utilização de técnica de cláusula geral, havendo maior proteção ao consumidor em detrimento os demais membros da cadeia econômica.

Questão fundamental quando se trata de direito do consumidor é que nem toda relação de consumo é tutelada pelo CDC. O direito do consumidor terá atuação específica para a s relações que, obrigatoriamente, apresentarem determinados elementos, quais sejam: (i) fornecedor; (ii) consumidor;  (iii) objeto. A falta de qualquer dos elementos impede a aplicação do CDC.

Superada, em apertada síntese, a fase introdutória, passa-se a tratar ad proteção ao consumidor.

No artigo 4º do CDC estão dispostos os princípios que regem as relações de consumo, conforme a política nacional, dos quais cumpre destacar três.

1. Princípio da Vulnerabilidade

Trata-se do reconhecimento da fragilidade do consumidor nas relações de consumo. A vulnerabilidade é presunção absoluta pela qual todos os consumidores, sem exceção, se encontram em estado de fragilidade.

A vulnerabilidade apresenta três principais formas de expressão:

a) Vulnerabilidade jurídica – refere-se à ignorância legal do consumidor em relação aos seus direitos e garantias.

b) Vulnerabilidade técnica – refere-se ao desconhecimento do consumidor quanto às características, composição e demais elementos estruturais do produto e/ou serviço ofertado.

c) Vulnerabilidade fática ou socioeconômica – refere-se à exposição do consumidor ao marketing e às demais práticas publicitárias comerciais impostas a ele, pela qual se ciou a cultura do consumismo.

d) Vulnerabilidade política ou legislativa – refere-se à falta de poder político e de mobilização de interesses do consumidor em face do lobby exercido pelas empresas-fornecedoras no que diz respeito à edição e aprovação de leis que tratam das relações de consumo e de defesa dos interesses dos consumidores.

Neste ponto, importante salientar que vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência.

2. Princípio da Segurança

Esse princípio proíbe a inserção de produtos e serviços capazes de apresentar riscos à vida, saúde ou integridade física do consumidor.

Nos artigos 8º a 11 do CDC, disciplina a inserção no mercado de produtos e serviços perigosos e nocivos, sendo dever do fornecedor informar ostensivamente tal condição. Assim, produto inseguro não se confunde com produto perigoso.

3. Princípio da Informação

Esse princípio deriva da boa-fé objetiva e apresenta duas projeções:

a) Acesso à informação – a informação prestada pelo fornecedor deve atingir os consumidores de forma eficiente;

b) Compreensão da informação – para ser compreensível a informação deve ser adequada, suficiente e verídica. Esta projeção está intimamente relacionada à condição de vulnerabilidade do consumidor.

As práticas comerciais estão dispostas no art. 29 o CDC e são cinco:

1. Oferta

O CDC define oferta como “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados”.

A oferta tem força vinculante e permite ao consumidor exigir o total cumprimento das informações prestadas e que o levaram ao consumo do produto ou serviço.

2. Práticas comerciais abusivas

As práticas abusivas estão dispostas no art. 39 do CDC e constituem condutas desleais ou antiéticas capazes de prejudicar o consumidor.

As práticas abusivas atingem o mercado de forma mais abrangente que as demais condutas até aqui tratadas e merecem análise a partir de duas perspectivas: defesa do consumidor e defesa da concorrência.

3. Cobrança de dívidas

Essa prática comercial está disposta nos artigos 42 e 42-A do CDC, os quais têm por objetivo impedir que a cobrança seja feita de forma abusiva.

Se caracterizada a cobrança abusiva, sujeitar-se-á o fornecedor a três possíveis sanções:

a) configuração de dano moral;

b) repetição do indébito em dobro (se o valor foi pago pelo consumidor), conforme parágrafo único do art. 42;

c) configuração do tipo penal, disposto no art. 71 do CDC.

4. Cadastro e banco de dados

Está disposto no art. 43 do CDC.

A realização de qualquer registro restritivo de dados do consumidor deverá ser comunicada por escrito ao mesmo, e o cadastro negativo terá prazo decadencial de cinco anos, contados da data de vencimento da dívida.

5. Publicidade

Para o presente estudo, daremos ênfase à prática da publicidade.

Para a doutrinadora Cláudia Lima Marques, publicidade é “toda a informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado” [1].

Por sua vez, Dorothy Cohen conceitua a publicidade da seguinte maneira: “(...) publicidade é uma atividade comercial controlada, que utiliza técnicas criativas para desenhar comunicações identificáveis e persuasivas dos meios de comunicação de massa, a fim de desenvolver a demanda de um produto e criar uma imagem da empresa em harmonia com a realização dos gostos do consumidor e o desenvolvimento do bem-estar social e econômico”[2].

Já o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, define em seu art. 8º a publicidade comercial, como sendo “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e idéias”[3].

Assim, tem-se que a publicidade não é obrigatória, sendo certo que ao valer-se desse direito, o fornecedor estará submetido aos princípios e requisitos do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece o dever de informar, conforme dispõe o art. 31: “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”

O CDC expressamente proíbe três formas de publicidade:

1. Publicidade abusiva

O art. 37 § 2º do CDC traz um rol exemplificativo, e não taxativo, do que é considerado publicidade abusiva: publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

2. Publicidade Enganosa

Prevista no § 1º do citado artigo, a publicidade enganosa é aquela publicidade falsa, decorrente de ação ou omissão, e que induz o consumidor ao erro.

Importante ressaltar que uma publicidade pode ser enganosa ainda que esteja totalmente correta. Isso ocorre quando o anúncio omite algum dado essencial.

§ 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

3. Publicidade Clandestina

Tratada no art. 36 do CDC, refere-se à abordagem ao consumidor de modo que este tenha plena ciência de que está sendo abordado pelo material publicitário.

A utilização de técnica não percebida pelo consumidor configura publicidade clandestina, sendo esta a modalidade mais difícil de ser discutida na prática.

Esta forma de publicidade afeta tanto a relação com o consumidor quanto a relação concorrencial.

No que se refere à defesa quanto à prática da publicidade, ainda que o anunciante não tenha agido com a intenção de enganar o consumidor, a tese da responsabilidade civil objetiva exige o reparo do dano, na eventualidade de uma publicidade ilícita.

Assim, tendo sido a prática configurada, demostrando-se o nexo causal entre tal prática e o dano publicitário provado, não há que se discutir a existência de dolo ou culpa (elemento subjetivo).

Sobre a responsabilidade objetiva da publicidade, Rizzato Nunes ensina que:

“Seguindo a regra geral da Lei 8.078/90, para a averiguação da abusividade do anúncio não há necessidade de exame do dolo ou da culpa do anunciante. Para que fique caracterizada a infração, basta que o anúncio em si comporte abusividade ou que na sua relação real com o produto ou serviço anunciado possa causar dano. Não há que fazer a pergunta a respeito de dolo ou culpa, porque, mesmo que esses elementos não se verifiquem, ainda assim o anúncio será tido como abusivo. A responsabilidade do anunciante, de sua agência e do veículo é objetiva, e como tal será considerada[4]

Análise do Caso Prático

O caso prático apresentado, pela análise do EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.799 - SP (2007/0302661-5), trata exatamente da publicidade enganosa. Buscou a Autora (VOLKSWAGEN) a anulação do Auto de Infração contra si constituído em virtude de suposta violação ao art. 37, §1º do CDC, ao não informar de forma clara e suficiente ao entendimento do consumidor todas as informações acerca do pagamento de frete dos veículos ali demonstrados, tendo se limitado somente a informar os valores promocionais.

Em sua defesa, alega a Autora, em síntese, que: “(i) os anúncios objeto dos Autos de Infração lavrados pela Recorrida informam os preços dos veículos em oferta, bem como as condições dos planos de financiamento, indicando ainda, por meio de asteriscos impressos ao lado dos preços, algumas informações adicionais, inclusive o custo adicional de frete para todo o país - embora em caracteres menores, todas as informações adicionais foram veiculadas; (ii) no caso, o consumidor, ao examinar os anúncios, sabe claramente que os valores anunciados sofrerão acréscimos em razão do frete e que deverá se informar no revendedor local acerca do respectivo valor; e (iii) na espécie, o custo do frete não é uniforme para todas as concessionárias, não sendo possível informar um valor não variável.”

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Vencido o juízo de admissibilidade, que inicialmente impediu o conhecimento do Recurso Especial, os Embargos de Declaração com efeitos modificativos opostos pela Autora/Recorrente foram acolhidos para dar provimento ao Recurso Especial, sob o argumento de que no caso concreto foi possível constatar que o anúncio não é omisso quanto ao preço do frete do produto.

O acórdão em debate guarda estreita relação com o precedente apresentado, de relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon, pelo qual se verifica o posicionamento majoritário do Colendo Superior Tribunal de Justiça quanto aos critérios capazes de caracterizar a publicidade enganosa.

Ambos os casos analisam a ausência, no anúncio publicitário, dos valores referentes ao frete dos veículos anunciados, bem como a existência de informações reduzidas presentes rodapé da publicidade.

Inicialmente, importa ressaltar que, obstado pela Súmula 7 daquele C. Tribunal Superior, não cabe ao STJ a análise da legibilidade não dos caracteres apresentados pela propaganda, posto que implicaria em revolvimento das provas.

No mérito da questão, com base em um juízo de razoabilidade, entende o STJ que a situação em que o anúncio publicitário não é absolutamente omisso, ou seja, em que há consignado que o valor do frete não está incluído no preço ofertado, não há que se falar em publicidade enganosa, mesmo que tal informação se apresente no rodapé do anúncio veiculado.

Também prevalece no entendimento do STJ que a exigência de se fazer constar o valor do frete do produto no anúncio é inviável, principalmente nas campanhas publicitárias de âmbito nacional, especialmente em razão das proporções continentais apresentadas pelo Brasil, o que causa grandes variações no valor dessa parcela.

Em conclusão, é possível afirmar que não se justifica a configuração de publicidade enganosa apenas pelo fato de informações complementares estarem dispostas em caracteres diminuídos e no rodapé do anúncio, uma vez que o fornecedor cumpriu com os requisitos e exigências do CDC quanto ao dever de prestar informação clara, objetiva e adequada ao consumidor sobre o produto ou serviço que oferece, dever este que decorre do princípio da transparência máxima nas relações de consumo.


[1] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.p. 673.

[2] COHEN, Dorothy. Apud BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 305

[3] Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. Disponível em: <http://www.conar.org.br/codigo/codigo.php>

[4] NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 480, nota 11.

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