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Eficiência administrativa na Constituição Federal

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01/02/2001 às 00:00
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4. Aspectos polêmicos do controle judicial da eficiência administrativa

Apesar da expressa inclusão do princípio da eficiência no rol do art. 37, caput, da Constituição vigente, é vedado, ao nosso ver, ao Poder Judiciário controlar integralmente a eficiência da atividade administrativa.

A eficiência da ação administrativa é objeto de controle interno de cada poder, quando exerce tal função(28), e do controle legislativo(29). Em sede de controle administrativo, a atividade administrativa é amplamente revisada e apreciada. Se a providência administrativa anteriormente tomada passou a se mostrar inconveniente ou inoportuna, ela fica passível de revogação pela administração pública, por não se mostrar mais eficiente para satisfazer o interesse público no caso concreto. Não se está controlando a juridicidade da medida, mas sim sua efetividade.

No caso do controle legislativo, há espaço para que o Congresso Nacional aprecie a economicidade da ação administrativa. O Tribunal de Contas, seu órgão auxiliar, pode impugnar o ato ineficiente, sustando-o caso se persista na sua execução(30).

Aponta Themístocles Brandão Cavalcanti(31), a insuficiência da lei em prever todos os critérios específicos a serem empregados, "só conhecidos de quem tenha o domínio dos conhecimentos técnicos e das condições peculiares à individualização das normas e sua aplicação aos caso concretos". Na apreciação dos critérios técnicos indicados pela autoridade administrativa, o juiz necessariamente terá que recorrer a técnicos e especialistas para aferir, tão somente, sua legalidade, seu respeito à isonomia e sua compatibilidade ética, jamais sua eficiência para fins de invalidação. Não podendo ser esquecido que:

"É preciso esclarecer que os standards e critérios técnicos que orientam o procedimento administrativo, não correspondem a limitações objetivas mas a situações subjetivas que podem ser consideradas quanto à idoneidade de sua aplicação aos casos concretos, pelos órgãos competentes para o contrôle dos atos administrativos"(32).

Analisar a eficiência da ação administrativa é analisar a esfera de sua discricionariedade. A opção por um critério técnico específico, se conciliado com os cânones do regime-administrativo, fica isenta de invalidação judicial por ineficiência. Não cabe ao Poder Judiciário definir a melhor técnica aplicável, mas sim se esta ateve-se aos limites do ordenamento jurídico.

Portanto, havendo mais de uma técnica possível, segundo os cânones científicos e metajurídicos aplicáveis ao caso concreto, e ela guardando compatibilidade com o regime jurídico-administrativo, há necessariamente espaço para discrição.

Não estamos defendendo aqui a discricionariedade técnica(33). Embora seja imperativo o dever da boa administração e da melhor escolha, é impossível a substituição do administrador pelo juiz no papel de perito do interesse público, no que concerne ao aspecto estrito de sua eficiência. Afinal, a administração pública não tem sua razão de ser e de agir na concretização do interesse público? Quem deve dizer que a ação da administração pública materialmente atendeu às expectativas do cidadão, o juiz (enquanto agente público) ou o próprio cidadão, tutelado pela medida administrativa?

Themístocles Brandão Cavalcanti(34) bem alerta sobre essa questão:

"Em um mundo dominado por uma compilação enorme de problemas, ninguém, nem mesmo os juizes, pode pretender possuir o dom de conhecer todos êles e, ainda menos, o de resolvê-los por si.

Mas nem todos os problemas se ajustam ao quadro das soluções técnicas. Há circunstâncias morais, existem razões profundas de ordem jurídica que bastam para orientar um solução. Nesses casos, o juiz é o perito na aplicação do direito.

Para êle está reservada uma larga margem na atividade estatal, mas nenhuma razão existe para colocá-lo como árbitro na atividade específica dos outros pôderes, quando no uso legítimo de sua competência.

O problema surge freqüentemente nos casos em que o juiz tem de dar um fundamento econômico à sua decisão"

Caso o ato administrativo portador de mérito tenha se mostrado inconveniente ou inoportuno, no momento da sua expedição, estaremos diante da quebra da ordem jurídica por violação da isonomia ou moralidade administrativas. Mas, ao se invalidar a discricionariedade administrativa, retira-se do regime jurídico-administrativo o ato dela decorrente, impossibilitando a aferição integral da eficiência ou ineficiência material da providência. A execução material do ato administrativo não se confunde com o próprio ato(35).

Somente a administração pública tem competência e aptidão para, preventivamente, retirar do regime jurídico-administrativo um ato que passou a se mostrar ineficiente para a satisfação do interesse público. Ao se admitir que o Poder Judiciário possa faze-lo, corre-se o sério risco de se eliminar o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes do Estado.

No caso das liminares judiciais de caráter preventivo, não pode o juiz invalidar um ato administrativo sob o único argumento da quebra o princípio da eficiência. Pode o juiz sim, se identificado um potencial perigo de lesão a um direito subjetivo do administrado, em se admitindo a invalidação judicial por ineficiência da opção administrativa, suspender a execução do ato administrativo contestado até a resolução final da lide (o que não implica em sua retirada do regime jurídico-administrativo, em sede de medida cautelar). A concessão desses provimentos jurisdicionais é, inclusive, imprescindível quando a técnica empregada pela administração pública pode se mostrar danosa à ordem pública ou a um bem público, especialmente quando se trata de matéria envolvendo meio ambiente.

O total controle jurisdicional da eficiência implicaria numa intervenção inaceitável do Poder Judiciário na competência administrativa, usurpando as atribuições constitucionais da administração pública(36), pois:

"É a proteção da ordem jurídica, da ordem legal, que se pretende e não a eficiência e economia dos serviços administrativos, da utilidade ou necessidade dêsses atos"(37).

O Poder Judiciário não pode compelir a tomada de decisão que entende ser de maior grau de eficiência. Todos temos nossa ideologia, elemento imprescindível à qualquer ser humano. Mas o ordenamento jurídico rejeita qualquer relevância do que seja ideal para o juiz quando no exercício da função jurisdicional, haja vista o ordenamento jurídico não tolerar outra ideologia senão aquela compatível com os valores e fins constitucionalmente assentados.

Mas a eficiência, quando interpretada em conjunto com os demais princípios jurídicos (especialmente os da moralidade e o da proporcionalidade), pode orientar a aferição da juridicidade da ação administrativa. O que o juiz não pode fazer é, empregando exclusivamente o princípio da eficiência, invalidar o ato administrativo.

É evidente que uma administração pública que atende aos cânones da proporcionalidade e da moralidade está sendo juridicamente mais eficiente, havendo um controle jurisdicional de eficiência quanto às vias empregadas pela administração pública no caso concreto. Verifica-se, portanto, se a administração pública optou devidamente por vias lícitas.

Em suma, a função do Poder Judiciário é esgotada pela comprovação de que as vias eleitas, bem como sua correlação com o interesse público no caso concreto, estão em conformidade com o regime jurídico-administrativo. Não cabe ao juiz, verificado que o administrador atendeu aos padrões de legalidade, impessoalidade, proporcionalidade, isonomia, moralidade e publicidade, determinar se a medida vai ser eficiente ou não, caso esta ainda não tenha sido concretizada. Imagine-se o tumulto que os juizes provocariam se começassem a invalidar atos administrativos que ferissem seus padrões ideológicos particulares.

E como conciliar o direito subjetivo público do cidadão à eficiência com a insindicabilidade do ato administrativo portador de mérito em matéria estrita de eficiência? Embora o Poder Judiciário não possa invalidar o ato administrativo, antes de sua execução, pela ótica estrita da eficiência administrativa, é possível responsabilizar o Estado pelas perdas e danos causados pela ação administrativa(38). O ato estatal lícito, afinal, também gera responsabilização do Estado(39).

É possível, ao nosso ver, discutir-se até, se a ineficiência da administração pública em atender materialmente a um direito subjetivo do administrado (educação, saúde, moradia, lazer, por exemplo), por si só, constitui um dano ao administrado, hábil para produzir efeitos concretos no campo da responsabilidade administrativa, penal ou civil. Mas esse aspecto foge aos limites de nosso trabalho, bastando-nos aqui, apenas suscitar o debate.

A eficiência da ação administrativa somente é efetivamente comprovada quando o ato administrativo é materialmente aplicado. O controle jurisdicional da atividade administrativa não incide sobre a execução material, mas sim, a estrutura e coerência jurídicas da decisão da administração pública e sua relação com o regime jurídico-administrativo. Se da execução do ato adveio dano para o administrado, há espaço para a responsabilidade do Estado.


5. Notas finais.

O cidadão brasileiro encontra-se, desde há muito tempo, exausto pela péssima qualidade dos serviços que lhes são prestados pelo Estado. Embora o "emendão" tenha sofrido todo um conjunto de fortes críticas por parte dos estudiosos do direito público, a introdução expressa da eficiência como princípio jurídico abre novos horizontes para o estudo das questões relacionadas com a ação administrativa.

Resta saber se a palavra "eficiência" vai sensibilizar efetivamente os titulares da administração pública. E, especialmente, como os nossos tribunais irão enfrentar os conflitos entre administração pública e administrado quando diante do argumento da eficiência administrativa.

Mas deve haver certeza em um aspecto: agora, a admissibilidade de um direito subjetivo à eficiência administrativa fica cada vez mais inequívoca.


NOTAS

1. Marcelo Neves, A Constitucionalização Simbólica, São Paulo, Acadêmica, 1994, p. 37.

2. São aqueles valores socialmente considerados imprescindíveis para a sociedade em um dado momento histórico, cuja complexidade demanda um tratamento jurídico diferenciado (Vladimir da Rocha França, "Questões sobre a Hierarquia entre as Normas Constitucionais na Constituição de 1988", In: Revista da ESMAPE, Vol. 2, Nº 4, p. 474). Ver CF, art. 1º e seus incisos.

3. São aquelas metas constitucionalmente fixadas para o Estado e a Sociedade, que devem ser alcançadas por instrumentos jurídicos (idem, ibidem, p. 475). Ver CF, art. 3º e seus incisos.

4. Preceitos normativos, tal como as regras jurídicas infraconstitucionais, que estabelecem um padrão de conduta a ser seguido pelo cidadão diante de uma dada situação jurídica individual, podendo determinar uma permissão, obrigação ou proibição (idem, ibidem, p. 478).

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5. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 11 ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 630.

6. Vladimir da Rocha França, op. cit., pp. 483-492.

7. Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), São Paulo, Ed. RT, 1990, p. 129.

8. Vladimir da Rocha França, op. cit., p.477.

9. Em seu "Administração Pública no Estado de Direito", in: Revista Trimestral de Direito Público, Nº 5/1994, p. 39-40. Cf. Alexandre de Morais, Direito Constitucional, 5 ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 293.

10. Op. cit., p. 293.

11. Op. cit., p. 294 (grifo no original).

12. Em seu Comentários à Reforma Administrativa - De acordo com as Emendas Constitucionais 18, de 05.02.1988, e 19, 04.06.1988, São Paulo, Ed. RT, 1998, pp. 108-109 (grifo no original).

13. Op. cit., p. 75.

14. Em seu Curso de Direito Administrativo, 4 ed., São Paulo, Malheiros, 2000, p. 60.

15. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discricionariedade, 2 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1991, p. 55.

16. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., pp. 629-653; Vladimir da Rocha França, "Fundamentos da Discricionariedade Administrativa", in: Revista dos Tribunais, Vol. 768, pp. 60-75; e Eros Roberto Grau, "Crítica da Discricionariedade e Restauração da Legalidade", in: O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 167-190.

17. Assim como nossos tribunais. Ver, por exemplo, STJ, ROMS nº 5590/95-DF, Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, unânime pelo não provimento, julgado em 16/04/96, publicado no DJ de 10/06/96.

18. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 20 ed, atual. por Eurico de Andrade Azevedo et al, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 299.

19. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, op. cit., p. 55.

20. Op. cit., pp. 295-298.

21. Ver CF, art. 37, § 3º, caput.

22. Ver CF, art. 37, § 3º, I.

23. Ver CF, art. 37, § 3º, II. Interpretamos como "atos de governo" todos os atos emanados do Poder Executivo. Se o atos decorrentes de políticas públicas devem ser informados à coletividade, porque não os simples atos administrativos. O que já é, aliás, determinado pela Lei Maior em seu art. 5º, XXXIII.

24. Ver CF, art. 37, § 3º, III.

25. Caio Tácito, "Direito Administrativo Participativo", in: Revista Trimestral de Direito Público, Nº 15/1996, p. 25.

26. Alexandre de Morais, op. cit., p. 297.

27. Ver CF, art. 41, § 1º, III.

28. Ver CF, art. 74, II.

29. Ver CF, art. 70, e ss.

30. Ver CF, art. 71, X. No caso de contrato administrativo ineficiente, o ato de sustação é de competência do Congresso Nacional, como determina a CF, no seu art. 71, § 1º.

31. Op. cit., p. 437.

32. Idem, ibidem, p. 440.

33. Para uma crítica à chamada discricionariedade técnica, ver Antônio Francisco de Sousa, "Conceitos Indeterminados" no Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 105-112.

34. Op. cit., p. 439.

35. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., p. 270.

36. Themístocles Brandão Cavalcanti, op. cit., p. 445.

37. Idem, ibidem, p. 448.

38. Idem, ibidem, p. 435.

39. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., pp. 654-695; e Lúcia Valle Figueiredo, op. cit., pp. 252-276.


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Sobre o autor
Vladimir da Rocha França

advogado em Natal (RN), professor da UFRN e da Universidade Potiguar, mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE), doutor em Direito do Estado pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Vladimir Rocha. Eficiência administrativa na Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/344. Acesso em: 29 mar. 2024.

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