A utilização pelo STF da súmula vinculante e da repercussão geral no recurso extraordinário

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O artigo traz um comparativo da súmula vinculante e da repercussão geral no recurso extraordinário, comentando-se a eficácia para o descongestionamento processual.

Resumo: O Supremo Tribunal Federal, diante da crise do Poder Judiciário, vem recebendo um número demasiado de processos e recursos para apreciação; sendo que, ao buscar dar maior agilidade ao curso processual, suas decisões acabam por perder a qualidade; por conseqüência, o interesse da parte na demanda fica prejudicado, e para obter a correta aplicação do Direito, reage interpondo mais processos e recursos, aumentando, assim, o congestionamento judiciário. Esse círculo vicioso faz com que a função inerente à Suprema Corte – Guardião Constitucional – fique desconfigurada. Para resolver esse problema, foi imposta pela Emenda Constitucional nº 45/2004 a aplicação da súmula vinculante e da repercussão geral. Tais institutos criados para selecionarem os processos e recursos encaminhados ao STF foram regulamentados pelas leis de nº 11.417/2006 e de nº11. 418/2006, respectivamente, e pelo Regimento Interno da Suprema Corte. A presente monografia busca demonstrar, através de análise de cada instituto, que a súmula vinculante e a repercussão geral não são apenas soluções paliativas de filtragem de processos e recursos, mas mecanismos introdutórios de uma nova forma de vislumbrar a verdadeira e principal competência do Supremo Tribunal: que é a de fiscalizar a exata obediência à Constituição Federal, por meio da apreciação de matérias constitucionais de real importância, e a de determinar um conhecimento uniforme àquelas matérias; sendo que tal unicidade de entendimento deve ser aplicada em consonância com a dinâmica em que vive a sociedade em determinado momento histórico.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal, súmula vinculante, repercussão geral.

Sumário: Introdução. 1. Súmula vinculante. 1.1. Primeiras considerações. 1.2. Histórico. 1.3. Conceito. 1.4. Natureza jurídica. 1.5. Competência e legitimação. 1.6. Objetivo. 1.7. Pressupostos. 1.8. Procedimento. 1.9. Eficácia. 2. Requisito da repercussão geral no recurso extraordinário. 2.1. Histórico. 2.2. Conceito. 2.3. Natureza. 2.4. Competência e legitimação. 2.5. Objetivos. 2.6. Multiplicidade de recursos com idêntica controvérsia. 2.7. Eficácia. 2.8. Vigência. 3. Distinções e semelhanças da súmula vinculante e da repercussão geral. 3.1. Semelhanças. 3.2. Diferenças. 4. Supremo tribunal federal. 4.1. Considerações a respeito de sua competência para utilizar a súmula vinculante e o recurso extraordinário com o requisito da repercussão geral. 4.2. Obediência aos princípios da celeridade processual, do acesso à justiça, à ponderação de valores, e o da segurança jurídica. 4.3. Motivos para adoção dessas medidas. 4.4. Possíveis problemas na aplicação pelo stf desses dois mecanismos. Considerações finais. Referências.


INTRODUÇÃO

A presente Monografia visa à obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito no Instituto Camillo Filho, com o título “A Utilização pelo STF da Súmula Vinculante e da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário”.

O estudo tratado neste trabalho pretende abordar a eficiência da súmula vinculante e da repercussão geral ao serem utilizados pelo Supremo Tribunal Federal, diante da crise judiciária que o acompanha desde sua criação, e que se agrava pelo derrame contínuo de processos e recursos a ele encaminhados para sua apreciação.

Pelo fato de a maior parte das demandas propostas terem a mesma questão jurídica, foi constituído pela Emenda Constitucional nº45/2004 os institutos da súmula vinculante e da repercussão geral, que foram regulamentados pelas leis de nº11. 417/2006 e nº11. 418/2006, respectivamente; com o intuito de fazer com que o Supremo Tribunal Federal selecione com mais objetividade as questões a ela encaminhadas, deixando de ser mais uma instância judiciária para exercer a função que constitucionalmente foi criado: o de Guardião da Constituição.

Para verificar como o STF utilizará desses dois “mecanismos de filtragem”, nesta monografia será apresentado no primeiro capítulo a súmula vinculante, com breve apresentação do seu histórico, enfatizando a origem do efeito vinculante; do seu conceito, da sua natureza, das suas finalidades e dos meios procedimentais para sua aplicação, obedecendo ao que diz a legislação pertinente.

No segundo capítulo foi abordado o instituto da repercussão geral, com apresentação do histórico do Recurso Extraordinário conjuntamente com a criação do Supremo Tribunal Federal, o conceito daquele, sua natureza, e procedimentos para sua aplicação, observando o que dispõe a Carta Magna, a lei nº 11.418/2006 e ao Regimento Interno da Suprema Corte.

No terceiro capítulo foi apresentado um paralelo entre os dois institutos anteriormente comentados, citando as principais semelhanças e diferenças.

No quarto capítulo foram vislumbradas considerações à competência recursal do Supremo Tribunal Federal ao utilizar a súmula vinculante e a repercussão geral, sendo observados os princípios constitucionais da celeridade processual, do acesso à justiça, à ponderação de valores, e o da segurança jurídica; a possibilidade de dificuldades na aplicação conjunta desses institutos; e a exposição das súmulas já editadas; e a demonstração, com base em estudos feitos e demonstrados pelo STF, da aplicação positiva da repercussão geral.

Pelo contido nesta monografia, pretende-se demonstrar que a utilização da súmula vinculante e da repercussão geral não são subterfúgios ineficazes; mas, meios realmente eficazes para diminuir significativamente os processos e recursos encaminhados ao Supremo Tribunal Federal, enfatizando a sua função imposta pela Constituição Federal, e ainda a de selecionar quais as matérias que irá analisar considerando-as pertinentes na busca da unidade das decisões jurídicas.


1. SÚMULA VINCULANTE

1.1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES

Antes de esboçar sobre o conceito da súmula temos que explicitar algumas considerações sobre jurisprudência, pois desta fonte de Direito surgem as súmulas. Como a norma comporta várias interpretações, o sistema jurídico não busca meios de uniformizá-las; e, sendo a lei a base da conduta do magistrado, e por essa poderem-se obter várias interpretações, o jurisdicionado terá decisões diferentes ao mesmo caso, e com isso acaba-se ferindo os Princípios da Legalidade e da Isonomia. Devido ao fato de que as diferentes formas de julgados requerem e viabilizam a uniformização das decisões, surge a Jurisprudência.

A Jurisprudência é fonte de Direito que consiste em aplicar, a casos semelhantes, orientação uniforme dos Tribunais1, ela ocorre no exercício da jurisdição, tendo como referência uma sucessão harmônica de decisões de órgãos colegiados, ou seja, tais decisões devem ter continuidade e coerência. Pelo fato de que o consenso sobre a forma de aplicar decisão à determinada questão jurídica deva ser sintético, surge a súmula; esta é a sinopse da jurisprudência, isto é, objeto do processo de edição de enunciados da orientação jurisprudencial por parte dos Tribunais. Neste sentido, o art. 102. do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que dispõe: “A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal.”

Assim a súmula, em regra, surge como meio de orientar os magistrados, os advogados e os membros dos órgãos colegiados, para facilitar o julgamento de questões semelhantes, conferindo maior estabilidade jurídica às decisões.

1.2. HISTÓRICO DO EFEITO VINCULANTE.

O efeito vinculante não é novidade no sistema jurídico brasileiro conforme análise breve de seu histórico.

O debate sobre as formas mais adequadas para a organização da interpretação das normas acirrou-se após o advento do Iluminismo e das Revoluções burguesas. O positivismo jurídico vedou qualquer atividade de interpretação das normas; e com o objetivo de regular todos os aspectos da atividade humana e evitar lacunas, foram produzidos os Códigos. Sobre esses entendimentos o sistema jurídico brasileiro foi organizado. O regime republicano repeliu qualquer mecanismo judicial de uniformização que vinculasse as decisões do Poder Judiciário, estas só restringiam-se às partes do processo.

Pelo descrito percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro utilizava somente o sistema de controle difuso de constitucionalidade. Na Constituição de 1934 surge o primeiro o esboço para dotar de efeitos vinculantes as decisões judiciais, mas sempre acompanhado de cuidado para preservar a separação dos poderes, especialmente no Poder Legislativo2. Com isso, criava-se um instrumento de efetivação das decisões do Supremo, racionalizando a interpretação normativa de mesma discussão sobre constitucionalidade de lei que fosse repetida várias vezes e, preservando assim, a separação dos Poderes3.

Em meio ao século XX, pós Segunda Guerra Mundial, os países europeus desenvolveram sistemas para fortalecer o controle jurisdicional, com o objetivo de evitar abusos e arbitrariedade por parte do Estado. E com o objetivo de proteger direitos e garantias, foram desenvolvidos sistemas de controle de constitucionalidade, em que as Cortes Supremas poderiam declarar incompatibilidade de uma norma ou ato com a Carta Magna; a partir dessa declaração, esta teria validade erga omnes e efeito vinculante.

No Brasil, o controle concentrado de constitucionalidade passa a coexistir com o controle difuso com a Constituição Federal de 1977, através da ação direta de inconstitucionalidade – ADI -, este instrumento tinha efeito erga omnes, porém ainda vinculava somente as partes envolvidas no processo e servia de orientação para instâncias inferiores.

A criação de ação para declarar a constitucionalidade de uma lei veio com a intenção de dissipar divergências entre as decisões proferidas no controle difuso e no controle concentrado, havendo por conseqüência a harmonização da jurisprudência constitucional. No entanto, o poder outorgado aos juízes de primeiro grau sem um instrumento adequado de ação para os Tribunais Superiores, desobedece à hierarquia idealizada para a preservação da ordem jurídica, pois toda e qualquer questão constitucional pode ser decidida satisfatoriamente, ao menos que órgão superior não suspenda a eficácia das decisões4.

Com isso, inicia-se um movimento de ampliar os mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade, e dotar efeitos vinculantes a outras decisões judiciais. Pela necessidade de conferir o aumento dos poderes judiciais pela ampliação dos legitimados a participar das discussões jurídicas, surge a Constituição de 1988.

O meio utilizado para adquirir essa idealizada uniformização às decisões foi atribuir o efeito vinculante – ainda inexistente em nosso ordenamento - a outro instrumento introduzido pela Emenda Constitucional Nº 3 em 1993 que alterou o §2º do art. 102. da Carta Constitucional, a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC)

As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo5.

A articulação dos dois tipos de controle de constitucionalidade era muito inconstante, pois o decidido pelo controle difuso necessita de apreciação do controle concentrado para se obter efeito erga omnes e vinculante. A consolidação do efeito vinculante veio com a edição das leis 9.868/1999 e 9.882/1999 – esta trata da Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional – e a Emenda Constitucional Nº45 de 2004 que consolidou as ações de controle concentrado de constitucionalidade o efeito vinculante e eficácia erga omnes.

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Com relação à súmula, a idéia de fixar efeito vinculante às orientações dos tribunais ocorreu em 1963, pelo jurista e ministro Victor Nunes Leal, mas a vinculação seria modo de orientação para os demais órgãos jurisdicionais. A jurisprudência da súmula, segundo Victor Nunes Leal citado por Gilmar Ferreira Mendes6, embora não obrigatória para os outros Tribunais e juízes, é indiretamente obrigatória para as partes, porque o interessado poderá fazê-la observar através do mecanismo dos recursos, enquanto não alterada pelo Supremo Tribunal Federal. Este utiliza a súmula como meio de autodisciplina propiciando alto grau de simplificação dos seus trabalhos, que seria inviável alcançar o mesmo resultado por outro modo. Para ele, a súmula não é inspiração ao acaso ou livre imaginação, as raízes desse instrumento estão na abandonada tradição luso-brasileira dos assentos da Carta de Suplicação e na experiência legislativa dos prejulgados.

A natureza orientativa da súmula foi implementada e consolidada em 1998 no Código de Processo Civil, com a alteração do art. 557. no qual diz que:

O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

No entanto, nos últimos anos o sistema judicial brasileiro está em crise, tendo sido diagnosticado que um dos principais motivos é a existência de vários processos que tratam de questões repetidamente idênticas; sendo assim permitida a criação de alternativas para, pelo menos, suavizar a urgente situação. Uma das maneiras de resolver essa circunstância seria a de consolidar decisões judiciais já pacificadas e aplicá-las de modo impositivo.

Nesta linha, a partir da EC/45 em 2004 – Reforma do Judiciário -, que fortaleceu os precedentes judiciais, e ampliou as formas de acesso e utilização do controle de constitucionalidade; assim como criou a súmula vinculante e outros meios de enfrentar a presente situação do Poder Judiciário, foram editadas leis para fortalecer as uniformizações jurisprudenciais, entre elas a Lei 11.417/2006 – que trata da edição, revisão e o cancelamento de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.

1.3. CONCEITO

A súmula vinculante é o enunciado sintetizado de jurisprudência que trata de matéria constitucional editada pelo STF, por aprovação por dois terços de seus membros ou em sessão plenária; sendo que adquire força de lei, vinculando todo o Poder Judiciário e a Administração Pública após publicação em imprensa oficial. É o que diz o Texto constitucional, no seu artigo 103-A: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”7.

Conforme o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no caput do art. 102, entende que “as súmulas só serão aprovadas se o entendimento sobre a matéria de direito for constantemente seguido pelo tribunal, após diversas decisões no mesmo sentido.”

E em conformidade com a Carta Maior, Deocleciano Torrieri Guimarães8 diz que a súmula vinculante é um enunciado de súmula editado pelo STF, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, que tem por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão. A súmula pode ser editada de ofício ou por provocação, dependendo da aprovação de 2/3 dos membros do tribunal, em sessão plenária, e, após publicada na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF/88, art. 103-A; Lei Nº 11.417/2006).

Em linhas gerais, a Súmula Vinculante é conseqüência do processo de transformação do modelo de organização judicial, que culminou com sua previsão constitucional, pela Emenda Constitucional 45 de 2004, e sua regulamentação na lei 11.417/2006. Ela é a consolidação da posição do Supremo Tribunal Federal sobre determinada questão constitucional, derivada de sua atuação no controle difuso de constitucionalidade que, se aprovada por 2/3 de seus membros, será de observância obrigatória pelo Judiciário e pela Administração9.

Para André Ramos Tavares10, a súmula vinculante seria uma espécie de ponte de ligação entre decisões proferidas numa dimensão concreta e uma decisão (sumulada) proferida com caráter geral (abstrato). Ou seja, sua essência está na transposição do concreto para o abstrato-geral; a abstratividade liga-se pela exclusão das questões de mérito (fatores concretos das decisões que serviriam para determinar a criação da súmula) para abster-se somente sobre questão de direito. E ainda reconhece na súmula vinculante instrumento de construção de enunciados por parte da Suprema Corte que sintetizem o entendimento já consolidado do STF sobre matéria constitucional, orientando julgados posteriores, com a expectativa de que esse entendimento, já maturado, seja seguido por todas as demais instâncias judiciais pela Administração Pública.

Contudo, pode-se concluir que a súmula vinculante é o resumo de entendimento consolidado da Suprema Corte – jurisprudência -, em que tratará de questões constitucionais, sendo que, para aprovação de auferir força vinculativa deverá ser aprovada por oito membros do Supremo Tribunal.

1.4. NATUREZA JURÍDICA.

Diante das definições, percebe-se que as súmulas vinculantes têm natureza normativa, ou seja, tem força de lei. É o que as diferem das “outras” súmulas, que tem caráter persuasivo, orientativo. Entretanto, deve-se ressaltar que, por mais clara ou precisa que seja a súmula vinculante comportará diversas interpretações quanto a sua aplicação; pois a subjetividade é inerente à essência humana. A concretude da súmula vinculante sempre estará sujeita à interpretação e aos valores do juiz. Como toda interpretação não é absoluta, o princípio da legalidade exige que todas as interpretações devem estar ao alcance do sentido das normas. Conforme ensina Harbele, citado por Gilmar Mendes, não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada, logo, a regra cogente para as partes envolvidas em um conflito não será a súmula vinculante, ou a lei, ou o ato normativo, mas a interpretação que deles faz o magistrado designado para solucionar a questão11.

A súmula, portanto, é apenas mais um instrumento com que conta o magistrado para decidir por norma mais adequada ao caso concreto.

1.5. COMPETÊNCIA E LEGITIMAÇÃO.

O órgão competente para editar as súmulas vinculantes será somente o Supremo Tribunal Federal (conforme CF/88, art. 103-B e lei 11417/2006, arts. 1º), sendo que a capacidade para propor a edição, revisão ou cancelamento de enunciado sumular foi concedida pela Carta Constitucional e pela Lei ordinária referida a outros personagens públicos. Antes, interessante notar que a atuação oficiosa do STF (lei 11417/2006, art. 2º) é a única hipótese de controle concentrado de constitucionalidade independente de provocação prevista no ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição Federal prevê em seu parágrafo 2º do art. 103-A que “sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade”. Assim, os legitimados para interpor ADI e conseqüentemente os da súmula vinculante são:

1. O Presidente da República;

2. A Mesa do Senado Federal;

3. A Mesa da Câmara dos Deputados;

4. A Mesa de Assembléia Legislativa ou a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

5. O Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal;

6. O Procurador-Geral da República;

7. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

8. Partido político com representação no Congresso Nacional;

9. Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

E a Lei 11.417/2006 adicionou:

1. O Defensor Público-Geral da União,

2. Os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

Além dos descritos, o §1º do artigo 3º da referida lei, confere ao Município legitimação para propor a edição, revisão ou cancelamento de súmula – ao contrário dos outros – de modo incidental no curso de processo em que seja parte, sem que isto autorize a suspensão do processo12. Ainda, em tais procedimentos de enunciados de súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, conforme o que dispuser o Regimento Interno do Supremo Tribunal (lei 11.417/2006, art. 3º §3º).

Note-se que a legitimação dada aos representantes públicos para proposição de tal procedimento, proporcionou maior aproximação da sociedade civil no debate sobre temas a serem uniformizados em súmula, ou seja, a edição das súmulas vinculantes passou a ser mais democrática.

1.6. OBJETIVO.

Segundo o §1º do art. 2ª da lei nº 11.417/2006 “O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão”.

A súmula vinculante versará somente sobre matéria constitucional, para Teresa Arruda Alvim Wambier13 a alusão a matéria constitucional feita pelo legislador quis dizer mais do que disse, já que as súmulas podem tratar de assunto constitucional no sentido amplo, possibilitando análise de tema infraconstitucional, ou seja, o objeto da súmula não será propriamente matéria constitucional.

Tais questões, ainda, devem gerar grave insegurança jurídica e aumento de processos sobre mesma questão, que contribuem para desafogar os órgãos judiciários, dando relevância aos princípios da segurança e isonomia.

1.7. PRESSUPOSTOS.

Para a edição da súmula vinculante, segundo o caput do art. 2º da lei 11.417/2006, exige-se: a) a existência de reiteradas decisões sobre a matéria, de cunho constitucional, discutida pelo STF; b) a ocorrência de controvérsia, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, que tenha por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas (estas podem ser infraconstitucionais, tendo na controvérsia fontes constitucionais); c) a ocorrência de grave insegurança jurídica; d) relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão; d) quórum para aprovação de por dois terços dos membros do STF, em sessão plenária.

a) Reiteradas decisões.

Não bastará que a matéria a ser discutida para a edição de súmula vinculante seja constitucional, a exigência de reiteradas decisões traduz uma consolidação de entendimento da Suprema Corte, pois repetidas decisões manifesta um progresso na discussão da matéria objeto de criação de súmula. O Supremo Tribunal também utiliza, para tal procedimento, o Princípio da Razoabilidade como balizador da quantidade de julgamentos que determinaram a edição da súmula.

Contudo, o conteúdo da súmula vinculante não pode representar apenas o pensamento imediato e isolado da Corte Suprema, deve ter sido objeto de discussões e maturação ao longo e das demais instâncias judiciais, que contribuirá para a formação do pensamento do STF14.

b) Controvérsia atual.

No momento da edição da súmula é necessário que exista divergências acerca de validade, interpretação ou a eficácia de norma constitucional, não pode ser editada se dispor acerca de matéria já pacificada. Mas na aprovação, tal controvérsia tem que estar pacificada, seja pela superveniência de texto legal, seja pela consolidação doutrinária e jurisprudencial15.

Tal divergência deve, ainda, ocorrer entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública; quando esta ocorre, a controvérsia é levada ao Judiciário pelo interessado prejudicado (cidadão ou a própria Administração Pública).

c) Grave insegurança jurídica.

A existência de controvérsia nas decisões de casos idênticos acarreta insegurança jurídica dos jurisdicionados perante o Poder Judiciário, pois tal insegurança é provocada por decisões diferentes a casos semelhantes, devido ao fato de que cada julgador detém de livre convencimento para apreciar o direito pedido e decidir diversamente de outras deliberações ou de qualquer subordinação que não seja a lei; assim, ocorre violação ao princípio da isonomia constitucionalmente protegida e da segurança jurídica.

Percebe-se, pelo visto, que tais divergências decisórias ocorrem por interpretação individual que cada magistrado faz à lei em respeito ao princípio da legalidade buscando a forma mais adequada de solucionar o caso sob sua jurisdição. No entanto, não há como dizer que a interpretação feita estaria incorreta porque a lei comporta diversas interpretações, e nem em todas se verifica a ilegalidade.

Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier diz:

Na medida em que se entenda a lei diversamente, a própria inteligência do texto compromete a certeza do Direito. Daí a necessidade de sistemas corretivos. A diversidade de interpretações implica que um dos valores funcionais do Direito a certeza seja abalado. E quanto mais variadas forem as correntes de pensamento a respeito de uma mesma lei tanto mais seriamente ficará despida de certeza aquela lei e conseqüentemente essa circunstância contribui para que o direito não tenha o grau de certeza desejável, pois como se sabe a linguagem do direito é a lei. Assim, é igualmente de todos os tempos a preocupação dos sistemas jurídicos em encontrar técnicas conducentes a conseguir o quanto isto seja possível, um só entendimento a respeito de um mesmo texto de lei. Pode-se dizer que a lei é vocacionada a ter um só entendimento de uma mesma situação histórica. A diversidade de entendimentos na mesma conjuntura histórica compromete o valor da certeza do Direito.

Aliás, tais técnicas correspondem ao mais comezinho princípio de filosofia ou mesmo de bom senso: uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo sob as mesmas condições. Quer dizer: a lei não poderá ter sentidos diversos, num mesmo momento histórico. Ademais, o problema ora considerado tem como pressuposto a diversidade num mesmo instante a qual reclama a volta à uniformidade. 16 (grifos do autor)

E com o intuito de que a isonomia interpretativa se junte a isonomia material, a súmula é meio eficaz para dar aos casos idênticos fundamentos iguais, representando uma razoável previsibilidade a ser oferecida ao jurisdicionado no sentido de que sua pretensão receberá resposta judiciária de valor análogo às demais.

d) Relevante multiplicação dos processos.

A controvérsia ainda ocasiona a multiplicação de processos interpostos perante o Poder Judiciário sobre a questão constitucional objeto de divergências judiciais. Deve-se observar que esta exigência não se confunde com a condição da existência de reiteradas decisões, a propagação de processos pode ser averiguada em todo Poder Judiciário, não somente o Supremo Tribunal Federal.

Segundo Alexandre de Moraes17, a exigência desse requisito expôs uma das finalidades das súmulas vinculantes, a preservação ao princípio da igualdade, ou seja, a necessidade de uma mesma interpretação a uma questão idêntica que se repete em diversos processos, além de efetivar o princípio da celeridade processual, e impedir a eternização de conflitos cujo posicionamento jurídico já está definido. E com a edição dessas súmulas pelo STF possibilitará a drástica redução do número de processos e a célere pacificação e solução uniforme de complexos litígios, que envolvem toda a coletividade e coloquem em confronto diferentes órgãos do Judiciário ou este com a administração pública.

e) Quórum para aprovação de por dois terços dos membros do STF, em sessão plenária.

A Constituição Federal e a lei 11.417/2006 estabelecem a necessidade de dois terços dos membros do STF, ou seja, oito ministros para aprovarem a súmula com efeito vinculante.

Com relação ao quórum previsto no Regimento Interno do STF no art. 102, §1º18, que exige maioria absoluta (seis ministros) para aprovação de súmula não fica em desuso pela instituição do modo de votação para aprovação da súmula vinculante, pois continuará a ser utilizada quando se tratar de controle de constitucionalidade, e até instituição de súmulas sem efeito vinculante.

1.8. PROCEDIMENTO.

A edição, a revisão e o cancelamento de súmula de efeito vinculante obedecem a um procedimento especial que exige a provocação de agente legítimo – como já descrito - e que contará com manifestação prévia do Procurador-Geral da República, se não tiver sido dele a proposta, como descreve o art. 2º, §2º da lei 11.417/2006:

“O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante.”

Todo o procedimento está esboçado na lei 11.417/2006 e se complementará com o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, conforme o art. 10. da lei que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal:

“Art. 10. O procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante obedecerá,subsidiariamente, ao disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.”

A decisão para aprovar a edição, revisão ou cancelamento da súmula vinculante, dependerá do voto de dois terços dos ministros do STF (oito membros), em sessão plenária19.

Depois da votação, a Suprema Corte terá o prazo de dez dias para divulgar o enunciado da súmula referida. A publicação ocorrerá duas vezes, uma no Diário Oficial da União e no Diário da Justiça20. A partir da divulgação que a súmula adquirirá o efeito vinculante.

Quando decisão judicial ou ato administrativo contrariar súmula vinculante, negar sua vigência ou aplicá-la de modo indevido caberá reclamação ao STF.21 Caso tal meio interposto seja julgado procedente, a Suprema Corte anulará a decisão (judicial ou administrativa), determinando que a súmula seja aplicada.

A reclamação, segundo Cândido Rangel Dinamarco, é meio mediante o qual se leva aos tribunais, especialmente ao STF ou ao STJ, a notícia de usurpação de sua competência ou desobediência a julgado seu cometido por juiz ou tribunal inferior22. Sua finalidade é a de preservar a integridade da competência do STF ou assegurar a autoridade do seu julgado. Os pressupostos da sua aplicação são: a existência de uma relação processual em curso; um ato que se ponha contra a competência do STF ou que contrarie decisão.

1.9. EFICÁCIA.

Como já foi dito, a eficácia da súmula vinculante ocorre com a sua dupla publicação, no Diário de Justiça e no Diário Oficial da União. No entanto, sua eficácia ocorrerá como dispuser a Suprema Corte, como veremos.

O disposto no art. 4º da lei da súmula vinculante23 regula que:

A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público. (grifos meu)

Primeiramente, observa-se que a eficácia será imediata após sua dupla publicação, sendo assim, antes de decorrido o prazo de dez dias, como dispõe o §4º do art., 2º da lei em comento. Após a divulgação terá força de lei a súmula oriunda do Supremo Tribunal Federal.

Em outro momento, o referido artigo da lei autoriza a Suprema Corte limitar a eficácia da súmula com relação aos seus efeitos no tempo – restrições no passado ou ter eficácia apenas prospectivamente.

Contudo, a lei permite que os efeitos no tempo da súmula vinculante sejam fixados de acordo com o momento histórico, tendo como base a ponderação de bens e interesses envolvidos. Somente diante da existência de segurança e excepcional interesse público é que a Corte Maior poderá restringir os efeitos da súmula vinculativa; é de se observar que tal atribuição para conferir tais restrições à súmula, dada pelo legislador, é de ampla discricionariedade do Supremo Tribunal Federal no âmbito desta competência.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia Final apresentada à Coordenadoria do Curso de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Prof. Camillo Filho, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Esp. Cláudio Moreira do Rêgo Filho

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