Transplantes de órgãos, tecidos e partes do corpo humano

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03/12/2014 às 09:23
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5. CLASSIFICAÇÃO CIENTIFICA DOS TRANSPLANTES

Comumente é empregado o termo transplante para designar todo ato cirúrgico que retire o órgão, tecido ou parte de corpo humano vivo ou morto para implantá-lo em outra pessoa.Sendo assim, a literatura médica lançou mão de uma categorização para identificar com precisão os tipos de cirurgias existentes nos anais da medicina. Como bem esclarece o professor Catão(2004, p.202) [...] “em geral os transplantes estão submetidos a uma classificação no âmbito cirúrgico voltada, principalmente, a resguarda a compatibilidade biológica entre doador e receptor”.

Assim sendo, para um adequado atendimento em torno das necessidades do doador e receptor foi instituído uma categoria no campo da medicina legal para denominar os vários tipos de transplantes( CATÃO,2004)

Já para Santos (1992, p.132) a terminologia adotada pela doutrina médico legal padeceu de Imprecisões. Entretanto, explica que foi acolhida uma categorização como a mais adequada pelas ciências, quais sejam:

  1. Isogênico ou isotransplante: Transplante de tecido ou órgão entre indivíduos da mesma espécie e com caracteres hereditários idênticos. É o caso dos gêmeos univitelinos.

  2. Alotransplante ou homotransplante de tecido ou órgão entre indivíduos da mesma espécie, porém com diferentes caracteres hereditários. Este pode ser dividido em:

    • Homotransplante entre vivos, quando a parte anatômica provém de pessoa viva através de cirurgia terapêutica eletiva, que realizo-se possivelmente por acidente ou fato por lesão.

    • Homotransplante do cadáver quando sua origem é de corpo humano sem vida. Se para o homotransplante entre pessoas vivas a preocupação é proteger a saúde do doador, já na doação de cadáver o problema centra-se na certeza do momento da morte do disponente para mantença da vida do receptor.

  3. Autotransplante ou autógeno: transferência de tecido ou órgão de um lugar para o outro, na mesma pessoa. Um exemplo é as cirurgias plásticas corretivas, que deslocam pele de um lugar para o outro na mesma pessoa.

  4. Xenotransplante: é a transferência de órgãos ou tecidos de um ser vivo para outro de espécie diferente. É o caso do aproveitamento de órgãos e tecidos de animais em pessoas; chipanzé ao homem: doador e receptor de espécies diferentes.

Para a área cirúrgica esta divisão torna-se importantíssima, pois identifica os transplantes pelo grau de afinidades biológica entre o doador e o receptor, ou seja o fenômeno imunológico do grau de rejeição.

Os transplantes também são distintos quanto à natureza das partes anatômicas:

  1. Isotransplantes, que são utilizados em virtudes de traumatismos ou processos mórbidos irreversíveis e necessários, não só para suprir funções secundárias, mas também para reintegrar ao organismo em seu aspecto morfológico;

  2. Organotransplantes, estes são destinados a suprir a função total de um órgão comprometido, estando este com completas lesões anatômicas difusas ou circunscritas, não remediáveis com o enxerto daquela parte alterada.

Essa distinção segue uma sequência de maior abrangência, porém para as considerações adiante é satisfatório o exposto. Como bem menciona Santos (1992) Em razão desse amoldamento o legislador pátrio entendeu que deveria contemplar na lei especial as duas espécies citadas.

Logo, para efeito do assunto aqui abordado se tratará do transplante entre indivíduos da mesma espécie, tendo em vista as disposições trazidas no texto da lei de transplantes.


6. CONSENTIMENTO INTER VIVO E POST MORTEM

O termo consentimento, em sua acepção alude, “acordo de vontade das partes para alcançar um objeto comum” ou, uniformidade de opiniões, concordância de declaração, aceitação, pressupõe, por fim a existência de dois sujeitos que reciprocamente manifesta conscientemente a sua vontade sobre o mesmo objeto.

Alude enfatizar que o uso da expressa, consentimento, contido no texto de lei, sob a ótica da ambiência medica em especial o código que rege a categoria, legitima o profissional a atuar neste complexo e polêmico segmento, isto é pautado nos ditames legais na ética, e acima de tudo no principio constitucional da dignidade da pessoa humana.

No campo doutrinário especializado, estar pacificado que, na relação médico paciente, há que existir a necessidade do consentimento. Assim, em regra o acordo prévio, expresso ou tácito, será necessário, salvo três exceções: quando a lei de intervenção vislumbrar risco para a saúde público; quando ocorrer incapacidade do paciente, sendo nestas condições, delegado aos familiares ou pessoas próximas se posicionarem; quando da hipótese de se deparar com um caso de urgência, e o perigo da demora erigir dano irreparável ou óbito (BANDEIRA, 2001)

6.1 Consentimento inter vivos

O estudo concernente aos transplantes de órgãos e tecidos entre pessoas vivas requer que situemos dentro do contexto legal vigente lei nº 9.434/97 artigo 9º parágrafos 3º ao 8º, faz-se necessário a transcrição do artigo 9º lei 9.434/97 com a atual redação apresentada pela Medida Provisória nº 1959-27 de 24 de outubro de 2000 (CATÃO, p 205)

Art. 9º É permitido a pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecido, órgãos e parte do próprio corpo vivo para fins terapêuticos ou para transplante em cônjuge ou consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do 4º deste artigo, ou qualquer pessoa mediante autorização judicial, dispensada essa em relação á medula óssea.

Em conformidade com o acima exposto, nos transplantes inter vivos é sempre necessário que o doador tenha pleno conhecimento das implicações que poderá advir desse ato. Pois a disposição de pare do corpo em vida por alguém se entende como manifestação da vontade, seria e definitiva.

6.2 Consentimento post mortem

No procedimento de transplante de órgão e tecidos advindo de um corpo humano em óbito, suscita grande discussão no meio cientifico, duvidas no que concerne ao exato momento da determinação da morte, todavia a questão encontra-se pacificada no art. 4º na lei especial nº 9.434/97, a partir do qual habilita o procedimento da colheita, surge neste aspecto o problema do consentimento da família, notadamente quando a pessoa falecida não manifestou em vida vontade.

Diante do modelo de consentimento dotado pela lei especifica, se faz necessário trazer a baila uma reflexão critica dos aspectos, mas relevantes, no sentido de promover a efetivação dessa forma de doação, ou seja, a retirada de material orgânico do cadáver.

Desse modo, ante a constatação da morte encefálica, caberá à família desse possível doador, autorizar os procedimentos da colheita dos órgãos e tecidos, neste aspecto torna-se imprescindível a habilidade multidisciplinar para capitação desses órgãos, eis que trata-se de momento de dor e constemação para os parentes. Fragilizados pela noticia da perda de seu ente querido, associado ao desconhecimento da matéria (BANDEIRA, 2001, p 139)

Vale lembrar que no período de 1968 a 1977 era legítimo o consentimento da vontade do individuo no que concerne à disposição de seu corpo após sua morte. Todavia a redação do atual diploma passou a outorgar a aludida decisão para família, demonstrou-se então que a questão do consentimento, ainda é um obstáculo na capacitação de órgãos de doadores mortos.

Bandeira faz as seguintes considerações (201, p. 67)

[...] diversos projetos de lei foram apresentados para regulamentar a caótica situação da cirurgia de transplante. Mas, somente em 02/09/92, a Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados aprovou o projeto que, com intenção de elevar o numero de transplante, propunha que, se a pessoa se manifestasse em vida com doadora, não semas necessária a consulta a família para retirada de órgãos, depois de sua morte.

Ainda sob o aspecto do consentimento, Catão (2004, p.216) leciona no sentido de que deva ser observada e executada a vontade objetiva por ato inter- vivos, cuja eficácia e respeito se verificam após morte.

Nessa direção o professor Roquette (2006, p. 9) esclarece que

Se para uns a outorga do direito de disposição à família corresponde a um apelo de natureza solidária, ainda assim consideramos que a lei 10.211/01 viola o direito à integridade em sentido imaterial ou moral da pessoa humana ao considerar o individuo como centro emanador de vontade sobre si mesmo conforme principio constitucional da liberdade individual, transferindo à sua família o direito de dispor sobre o corpo humano post mortem do mesmo.

Nesta seara, no que pese todo esforço legislativo para atender os princípios que norteiam a matéria e solucionar a questão do consentimento, observa-se que esta não surtiu o efeito desejado, eis que a norma ora pontificada, no intuito de garantir o principio constitucional da liberdade individual, acabou por restringir o fenômeno do consentimento, gerando grave incongruência com Carta Magna, uma vez que o próprio texto constitucional, estatui que a lei infraconstitucional disporá no sentido de facilitar a remoção de órgãos.

Em suma, o espírito do texto constitucional no que versa sobre a determinação de facilitação por meio da lei infraconstitucional, poderá ser viabilizado, de forma a contemplar com, mas eficácia o problema perene da escassez de órgãos, para tanto deverá o aludido texto coadunar-se com ideia de atribuir maior importância a liberdade individual sem prescindir do fenômeno do consentimento em ser doador ou se opor a esta condição expressamente.

Na hipótese de ocorrer ausência expressa do doador, para satisfazer o mandamento constitucional, e a eficácia do sistema de transplante, cumprirá a família decidir sobre a doação, em decidindo positivamente estará dinamizando e disponibilizando mais órgãos para transplante.

Ainda no que tange aos argumentos aduzidos, é impossível perder de vista, a condição de permanente limitação de órgãos no país.

No Brasil, a legislação atual especial que versa sobre a doação de órgãos para fins de transplante adotou o consentimento informado, logo, com a certificação da morte encefálica, pertencerá à família a decisão de reconhecer a vontade do de cujus autorizando ou não a doação.

Assim, no momento de concordar ou discordar da disposição dos órgãos para doação, é o parente maior, na linha reta ou colateral, até o segundo grau que poderá determinar a retirada de órgãos, e tecidos para transplante

Lembrando ainda, que após a decretação da morte encefálica, o tempo decorrido entre a solicitação do consentimento dos parentes e o tempo necessário para que possam formular sua vontade, poderá inviabilizar a retirada dos órgãos e consequentemente o êxito do transplante. (BANDEIRA, 200, p. 140)

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6.3 O consentimento no direito comparado

A questão trazida como maior desafio pra a legislação transplantologica brasileira, é sem dúvida o consentimento. Esta afirmação justifica-se pela ineficiência apresentada pelo modelo atual (DINIZ, 2008)

Neste sentido, importante se faz promover um estudo das legislações aplicadas em outros países, tendo em vista a existência de quatro modalidades para doação de órgãos e tecidos.

Na classificação descrita por Diniz, (2008, p. 318) o modelo adotado nos Estados Unidos, Brasil, Canadá, México, Inglaterra e outros são o do consentimento, que exige a anuência expressa do doador ou de sua família para realização da doação.

O modelo de informação, adotado pela Italia determina que em não havendo manifestação da pessoa, após sua morte é feita uma comunicação aos seus parentes sobre a intenção da retirada dos órgãos e tecidos para salvar humanos.

E por fim o da oposição ou discernimento ou do consentimento presumido, sistema adotado na Áustria, Dinamarca, Suécia, Bélgica, Austrália, França e outros, poderá o cidadão se opor, caso não o faça tornar-se-á um doador em potencial depois que os médicos constatarem a morte encefálica.

Esse tipo de doação como anteriormente dito vigou no Brasil, por determinado período, entretanto acabou sendo substituída por pressão das entidades religiosas, ensejando assim o atual modelo. Este por sua vez revelia que a pessoa falece e, meso que tenha deixado registrado vontade de doar seus órgãos, essa anuência não terá validade, seus familiares é quem tem a palavra final.

A inexistência dessa espécie de consentimento demonstra dificuldade reais que são exteriorizadas na recusa dos familiares, à doação dos órgãos de seu parente, pois trata-se de um pedido num momento dificílimo e muitas vezes estão presas as suas convicções religiosas.


7. CONCLUSÃO

Os avanços da medicina e das ciências biológicas em geral, cada vez mais, vão colocar desafios para entendimento do home comum, principalmente quando geram possibilidades de modificar o seu cotidiano.

Quanto ao transporte, para o jurista, esse desafio será duplo, pois implica o entendimento do que vem a ser essas mudanças e a sintonia com a visão de mundo e os direitos do individuo de se submeter, ou não as intervenções possibilitadas por esses avanços.

O consentimento para as doações de órgãos e tecidos abre um leque de questões que necessitam de respostas tanto da medicina quanto do Direito, ness diapasão apresenta-se a questão da manifestação para doação de órgãos, tecidos e parte do corpo, disciplinada por lei especial § 4 da lei nº 9.434/97 determinando que o consentimento para doação de material orgânico post mortem seja única e exclusivamente de responsabilidade da família. Logo com a certificação da morte encefálica, pertencerá aos parentes a decisão de reconhecer a vontade do de cujus, autorizando ou não a doação.

Desta forma, o texto legal limitou a manifestação de vontade à quem no momento de dor e sofrimento, nem sempre concorda em doar os órgãos de seu ente querido, talvez por desinformação, convicções religiosas ou simplesmente por não saber a vontade do falecido.

Vale lembrar que no período de 1968 a 1997 era legitima a vontade da pessoa para disposição de seu corpo após sua morte. Entretanto com a entrega dessa decisão à família, demonstrou que a questão do consentimento, ainda é um obstáculo na capacitação de órgãos de doadores mortos.

Ainda no que tange os argumentos aduzidos a Constituição Federal determina que a lei infraconstitucional “disporá de condições que facilitem a remoção de órgãos”, por conseguinte , a matéria em análise não recebeu o tratamento que deveria, tendo em vista o entrave criado aos que desejam dispor de seus órgãos em vida para doação após a morte.

Por fim, propõe-se o crescimento desse debate, para o transplante no Brasil deixe de enfrentar os problemas ligados a qualidade e quantidade de órgãos, tecidos ou partes do corpo doado.


REFERÊNCIAS

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BANDEIRA, Ana Claudia Pirajá. A questão jurídica do consentimento no transplante de órgãos. Curitiba: Juruá, 2001 p 17 39.

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CLAMENTE,Isabel. O Drama do transplante de órgãos v , n.533 p. 106, 08/2008.

CORRÊA, Elidia; ANDRADE, Aparecida de: Biodireito e dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2007. P. 156,159.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2.ed. São Paulo: Saraiva,2002. 252 p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio século XXl: o minidicionário da língua portuguesa. 5. Ed. Rio de Janeiro.

FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 2007.

GARCIA, Valter Duro; NEUMANN Mario Abbud Filhorge. Transplantes de órgãos e tecidos. 2. Ed, São Paulo: Segmentofarma, 2006.

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ROQUETE, Marcelo. Da Vulnerabilidade do corpo humano “post mortem” sob o prisma do Biodireito e da Bioética. Jus navigandi,Teresina, ano 10, n. 1089, <https://jus.com.br/artigos/8559/da-vulnerabilidade-do-corpo-humano-post-mortem-sob-o-prisma-do-biodireito-e-da-bioetica>, 25.

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SAUWEN, Regina Fiuza, O direito in vitro: da bioética ao biodireito. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000. P, 140- 142.

SGRECCIA, Elio, Manual de bioética : fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loiola, 1996.

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Sobre o autor
Mauricio Lima da Silva

Acadêmico do curso do curso de Direito pela Faculdade de Olinda -FOCCA

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Pré-projeto apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Olinda – FOCCA, como requisito parcial ao desenvolvimento da Monografia.

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