1 - Introdução
A denominada “Terceirização” no âmbito da Administração Pública é tema de grande relevância no contexto jurídico, diante dos problemas que gerou ao longo do tempo, tendo os Tribunais, por muitas vezes, “entrado em cena” para resolver diversos conflitos ocasionados em razão da dimensão desta exceção à regra criada.
2 – Legislação, doutrina e jurisprudência sobre a “Terceirização”
No que se refere à contratação indireta (Terceirização), o Decreto-Lei nº 200/67, fruto do Plano de Reforma do Estado no Governo Fernando Henrique Cardoso, previu a hipótese de o Estado, a Administração direta e indireta, se valer da execução de atividade por interposta pessoa, no seguinte sentido:
“Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.”
Posteriormente, o Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997, regulamentou a questão:
Art . 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta. (Grifou-se)
§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
E conforme consta também na decisão proferida pelo Plenário do Tribunal de Contas da União, TC 006.919/2010-3 (Apenso: TC 019.805/2011-0), sessão de 25/01/2012, “Ainda sobre o tema “terceirização”, importa mencionar que em 5/11/2007, por meio da Advocacia Geral da União e do Ministério do Planejamento, a União assinou com o Ministério Público do Trabalho Termo de Conciliação Judicial (TCJ) no âmbito do processo 00810-2006-017-10-00-7. Nesse documento a União comprometeu-se a contratar terceirizados apenas nas hipóteses previstas no Decreto nº 2.271/97, sendo responsabilizado solidariamente com o ordenador de despesas o gestor que assinar contrato em desacordo com tal dispositivo.”
O Enunciado 331, da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, ainda dispõe sobre a legalidade na contratação dos serviços terceirizados no âmbito da Administração Pública:
“Contrato de Prestação de Serviços – Legalidade
(nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Histórico:
Súmula mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Súmula alterada (inciso IV) - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000
Nº 331 (...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a res-ponsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das em-presas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).
Redação original (revisão da Súmula nº 256) - Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994
Nº 331 (...)
II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).
(...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.
E Ressalte-se a importância da fiscalização da administração nesses tipos de contratação, a fim de não se caracterizar a culpa e a consequente responsabilização subsidiária do administrador, de acordo com a nova interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal à Súmula 331 do TST, acima transcrita. Confira-se trecho do esclarecedor artigo produzido pelo Procurador Federal: “SANTOS, Daniel Guarnetti dos. Revisão da Súmula 331 do TST: imprescindibilidade de prova da conduta culposa para fins de responsabilização subsidiária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 92, 01/09/2011. Retirado do Sítio na Internet www.ambito-juridico.com.br:
1. Introdução
Em razão do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal-STF da Ação Declaratória de Constitucionalidade-ADC nº 16 que declarou constitucional o § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93[1], o qual estabelece que a inadimplência dos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais pelo contratado não transfere à Administração Pública a responsabilidade pelo seu pagamento — contrariamente ao texto do item IV da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho vigente à época[2] —, havíamos manifestado-nos no sentido de que não restaria ao TST outra alternativa senão alterar o aludido item, voltando o mesmo a ter a sua redação anterior com a exclusão da excerto "inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista", retificando assim o entendimento até então sedimentado naquela Corte Trabalhista acerca da responsabilidade subsidiária objetiva da Administração Pública, que doravante passaria a ser discutida em regular instrução processual no curso da reclamatória trabalhista para fins de apuração de eventual responsabilidade subjetiva[3].
2. Da alteração da Súmula 331 pelo Tribunal Superior do Trabalho-TST
Nesse contexto, conforme publicado no sítio do Tribunal Superior do Trabalho em 24/05/2011 (“TST modifica texto da Súmula nº 331”)[4], aquela Corte Trabalhista, reportando-se à decisão proferida pelo STF na ADC nº 16 na qual o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, consignou que o resultado do julgamento “não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade com base nos fatos de cada causa”, informou que os seus Ministros posicionaram-se no sentido de que a Justiça Laboral não mais poderia generalizar, e doravante teria que investigar com mais rigor se a inadimplência do empregador teria como causa principal a falha ou a falta de fiscalização pelo órgão público contratante.
(...)
Na mesma data (24/05) o TST também publicou em sua página na internet o seguinte informe: “Terceirização na administração pública: presidente do TST esclarece mudanças”[5], aduzindo que as alterações operadas na Súmula 331 foram adequadas ao entendimento esposado pelo STF no julgamento da ADC nº 16, com a mantença da responsabilidade subsidiária do ente público nos casos de terceirização, nos débitos contraídos pela empresa prestadora de serviços, nas hipóteses em que esta não honrar seus compromissos para com seus empregados que prestam serviços ao poder público, em havendo, conduta culposa do ente público na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa contratada. (Grifou-se)
2.1 Do entendimento jurisprudencial do TST acerca da aplicação da Súmula 331
Frise-se, por oportuno, que mesmo antes da revisão da súmula 331 em razão da ADC nº 16, a jurisprudência do TST já vinha reconhecendo a necessidade de prova da conduta culposa do órgão público contratante, não se podendo falar em decreto condenatório apenas e tão somente em razão da inadimplência da empresa contratada para com seus empregados. Confira-se as seguintes ementas (os destaques não constam no original):
“PROCESSO Nº TST-RR-123200-74.2007.5.15.0125
Pub. 18/03/2011
A C Ó R D Ã O (4.ª Turma)
RECURSO DE REVISTA DO SEGUNDO RECLAMADO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO. Para que seja autorizada a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, conforme o disposto na Lei n.º 8.666/93, deve ser demonstrada a sua conduta omissiva no que se refere à fiscalização do cumprimento das obrigações relativas aos encargos trabalhistas. Esse, aliás, foi o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal que, em recente decisão (ADC 16 - 24/11/2010), ao declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, asseverou que a constatação da culpa in vigilando, isto é, a omissão culposa da Administração Pública em relação à fiscalização quanto ao cumprimento dos encargos sociais, gera a responsabilidade do ente contratante. Assim, não estando comprovada a omissão culposa do ente em relação à fiscalização quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas, não há de se falar em responsabilidade subsidiária.
Recurso de Revista conhecido e provido.
(...)
E também cabe trazer ao feito trecho da decisão proferida pelo Plenário do Tribunal de Contas da União no AC-0587-08/12-P, que bem dispõe sobre a importância da cautela que deve pautar os atos do administrador nesse tipo de contrato, inclusive fazendo menção à Instrução Normativa nº 2/2008 MPOG:
Cabe, no entanto, à administração pública contratante acautelar-se quanto à responsabilidade subsidiária imposta pela Súmula N. 331 do TST, porque esta responsabilidade também abrange a regularidade do (eventual) pagamento de vale-transporte. Essa providência, aliás, já resta exigida pelo art. 34 da IN nº 2/2008 do MPOG, o qual determina que, na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas e sociais nas contratações continuadas com dedicação exclusiva dos trabalhadores da contratada, seja exigida a comprovação dos seguintes itens: a) regularidade para com o INSS e FGTS; b) pagamento de salários no prazo previsto em lei, referente ao mês anterior; c) fornecimento de vale-transporte e auxílio-alimentação, quando cabível; d) pagamento do 13º salário; e) concessão de férias e correspondente pagamento do adicional; f) realização de exames admissionais, demissionais e periódicos, quando for o caso; g) fornecimento de cursos de treinamento e reciclagem exigidos por lei; h) cumprimento das obrigações contidas em convenção coletiva, acordo coletivo ou sentença normativa em dissídio coletivo de trabalho, e de cumprimento de todas as demais obrigações estabelecidas na legislação laboral em relação aos empregados vinculados ao contrato administrativo. Para assegurar a efetividade dessa fiscalização pelo ente público contratante, o art. 36 da Instrução Normativa exige que a Administração, no ato do pagamento da prestação mensal do serviço, exija da empresa a comprovação do pagamento de todas as suas obrigações trabalhistas relativas à fatura anterior, sob pena de retenção do valor da fatura para pagamento direto aos trabalhadores.
3 – Conclusão
De todo o entendimento exposto, conclui-se que, não obstante a maciça utilização da terceirização pelos variados entes públicos, esse instrumento não é uma regra, mas sim uma exceção a favor da Administração Pública. Portanto, conforme legislação em vigor e jurisprudência de nossas Cortes Superiores, é ilegal a terceirização ligada diretamente ao produto final, ou seja, à atividade-fim, assim como é ilícita qualquer terceirização de atividade-meio com correspondência no plano de cargos e salários do ente administrativo.
Dessa forma, os empregados terceirizados que prestam serviços somente podem exercer atividades acessórias, jamais possuindo atribuições vinculadas à atividade-fim da Administração, que deve ser exercida por servidores públicos, que ingressam nos respectivos quadros por meio de concurso público, nos termos previstos na Constituição Federal.
4 – Referências
SANTOS, Daniel Guarnetti dos. Revisão da Súmula 331 do TST: imprescindibilidade de prova da conduta culposa para fins de responsabilização subsidiária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 92, 01/09/2011.