Do benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente – Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e a posição adotada pelo STF.

05/12/2014 às 10:12
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O presente estudo trata do benefício assistencial de prestação continuada, previsto na Lei nº 8.742/93 - Lei Orgânica da Assistência Social, que em seu art. 20 e § 3º prevê a concessão de 1 (um) salário mínimo ao idoso e ao deficiente.

INTRODUÇÃO

A Seguridade Social prevista na Constituição da República de 1988 subdivide-se em: Previdência, Assistência e Saúde. No presente estudo iremos tratar apenas da Assistência Social, que está prevista no art. 203 da Carta da República e foi objeto de regulamentação com a edição da Lei nº 8.742/93.

A Assistência Social está assim posicionada na Constituição Federal:
 
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A Lei nº 8.742/93, Lei da Organização da Assistência Social, vulgarmente conhecida como ‘LOAS’, veio com o intuito de regulamentar a matéria e estabeleceu em seu art. 20, caput, os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial ao idoso e ao deficiente.

Os citados requisitos, são: a) ser idoso ou deficiente; b) não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

DO CONCEITO E DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO LOAS

Segundo ensinamentos dos ilustres Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito Constitucional, p. 663), “A assistência social destina-se a garantir o sustento, provisório ou permanente, dos que não têm condições para tanto. Sua obtenção caracteriza-se pelo estado de necessidade de seu destinatário e pela gratuidade do benefício, uma vez que, para seu recebimento, é indiferente que a pessoa contribua ou não com a seguridade social”.

Ainda explicitam os mesmos doutrinadores que necessitados são todos aqueles que, segundo o regramento legal, não possuem condições de garantir seu mínimo existencial.

Ademais, citando o art. 203 da Carta da República, ensinam-nos que os objetivos da assistência social são a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice.

Na mesma linha, temos os apontamentos de João Ernesto Aragonés Vianna (Curso de Direito Previdenciário, p. 34 e 35), que desta que “Pessoa com deficiência é aquela que em impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. A lei define como impedimentos de longo prazo aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 anos. O conceito de deficiência da lei não confunde-se com o de deficiência física”.

E para exemplificar o assunto, este estudioso ilustra sua explanação com o teor do julgamento do REsp. nº 360202, publicado no DJ de 1º de julho de 2002, no qual o STJ entendeu que a deficiência para os fins do recebimento do benefício assistencial não é aquela deficiência física que incapacita o indivíduo de se locomover e realizar as tarefas básicas de uma vida independente.

Vejamos o citado julgado:
RECURSO ESPECIAL N° 360.202 - AL (2001/0120088-6)
[...]
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, § 2o DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
I - A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.
II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador.
I I I- Recurso desprovido.

Ensina ainda Aragonés Vianna que “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário-mínimo”.

Assim, temos que a norma regulamentadora da matéria, Lei nº 8.742/93, estabeleceu como critério para o recebimento do benefício mensal de um salário mínimo seja o indivíduo portador de deficiência ou idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Vejamos o conteúdo do dispositivo legal da Lei da Assistência Social:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o  Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o  Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.     (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o  Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

O primeiro critério diz respeito aos requisitos objetivos para que a pessoa seja considerada idosa ou portadora de deficiência. Define a lei como idoso o indivíduo com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e como deficiente a pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho (art. 20, caput e § 2º).

Com o advento da Lei nº 10.741/2003, passou a ser considerada idosa a pessoa de idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos de idade, com vistas a se enquadrar ao Estatuto do Idoso .

Quanto ao requisito da miserabilidade, o mesmo tem sido o cerne das discussões travadas no judiciário, resultando, inclusive numa ADI 1.232-1/DF, na qual o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º da LOAS, que exigia a observância do critério objetivo de ¼ da renda per capita para concessão do benefício.

Entretanto, mesmo com a decisão do STF na citada ADI, a questão não se tornou menos divergente, resultando mais adiante na submissão pelo STF do instituto da repercussão geral ao RE 567985/MT, nos termos do art. 543-B do CPC, culminando com a mudança de posicionamento dessa Corte Suprema, entendendo-se pela declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade do disposto no art. 20, § 3º da LOAS, o qual já havia sido declarado constitucional na ADI 1.232-1/DF.

Anteriormente, por ocasião da decisão na ADI 1.232/DF, a suprema deixou assentado o seguinte:

“O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra o § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que prevê o limite máximo de 1/4 do salário mínimo de renda mensal per capita da família para que esta seja considerada incapaz de prover a manutenção do idoso  e do  deficiente  físico,  para efeito de concessão de benefício previsto no art. 203, V, da CF ("A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos :... V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."). Refutou-se o argumento de que o dispositivo impugnado inviabilizaria o exercício do direito ao referido benefício, uma vez que o legislador pode estabelecer uma hipótese objetiva para efeito da concessão do benefício previdenciário, não sendo vedada a possibilidade do surgimento de outras hipóteses, também mediante lei. Vencidos, em parte, os Min. Ilmar Galvão, relator, e Néri da Silveira, que emprestavam à norma objeto da causa interpretação conforme à CF, segundo a qual não ficam limitados os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso.
ADIn 1.232-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, red. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, 27.8.98.” (Informativo – STF nº 120, de 24 a 28 de agosto de 1998)

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Tem-se, então, que o Colendo STF decidiu, em ação declaratória de inconstitucionalidade, que a exigência contida no artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93 seria constitucional, e mais, que este dispositivo LIMITAVA os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso.

Posteriormente, entretanto, não obstante a decisão de constitucionalidade do teor do art. 20, § 3º da Lei da Assistência Social, devido aos fatores econômicos e sociais vigorantes em nosso país, o referido dispositivo sofreu um processo natural de desconstitucionalização, até culminar com a mudança de entendimento da Corte Suprema, a qual acolheu na sessão plenária do dia 18 de abril de 2013 a tese da inconstitucionalidade do critério de aferição da miserabilidade, para fins de recebimento do benefício assistencial, por considera-lo insuficiente, ante todas as mudanças ocorridas após a elaboração da norma.

Vejamos trechos da ementa do acórdão proferido no julgamento do RE nº 567.985-3/MT:

 “1. Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.
(...)
 O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critério objetivo.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
 
Assim, conforme lição do mestre Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, “A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica (LOAS – Lei n. 8.742/93) demonstra que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o processo de insconstitucionalização desse artigo. Portanto, revela-se incompatível com a Constituição a utilização de renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, como critério para a concessão de benefício assistencial a idosos ou deficientes. O Tribunal considerou que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade que a Constituição buscou tutelar, o que corrobora as considerações precedentes”.

CONCLUSÃO

Como vimos, o benefício assistencial de prestação continuada, LOAS, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal e no art. 20, §3º da Lei Orgânica da Previdência Social é um benefício concedido ao idoso com idade igual ou maior que 60 (sessenta) anos de idade e ao deficiente, cuja renda per capita familiar não garanta a própria manutenção ou na impossibilidade de tê-la provida no seio da própria família.

Percebemos, também que a Suprema Corte no julgamento do Recurso Extraordinário nº 567.985-3/MT concluiu pela inconstitucionalização  incidental do §3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, considerando que o critério de aferição da miserabilidade para os fins de recebimento do benefício assistencial, qual seja renda per capita de ¼ do salário-mínimo, atualmente, revela-se insuficiente, tendo em vista as transformações sociais e econômicas ocorridas desde o advento da lei.

Ressaltamos, por fim, que o STJ vem decidindo reiteradamente que deve haver a adoção de outros critérios para a aferição de miserabilidade do idoso ou deficiente, tais como se há gastos com remédios, alimentação especial, necessidade de ajuda para realização de atividades corriqueiras, dentre outros.

BIBLIOGRAFIA


- AMADO, Frederico. Curso de direito previdenciário, 5ª Edição. Salvador: Ed. Juspodivm, 2014;
- CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de direito Previdenciário/ Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari. – 16. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014;
- VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito Previdenciário – 6. Ed., São Paulo: Atlas, 2013;
- Constituição Federal de 1988, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm, consulta em 26 de novembro de 2014.
- Lei nº 8.213/91, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm, consulta em 26 de novembro de 2014.
- http://jus.com.br/artigos/32274/o-cenario-juridico-ate-que-o-stf-module-os-efeitos-da-decisao-que-alterou-o-conceito-de-miserabilidade-para-fins-de-concessao-do-beneficio-amparo-assistencial
- Resp. nº 360202 /AL - https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200101200886&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea

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