Maximização de Bem Estar Social pelo Critério de Detenção de Propriedade Imobiliária entre os Direitos de Propriedade e das Obrigações

Um modelo de auto avaliação controlado pelo livre mercado (working paper)

Resumo:


  • O modelo proposto visa maximizar o bem-estar social ao modificar a detenção de propriedade imobiliária, equilibrando benefícios públicos e privados.

  • Baseia-se na Teoria da Escolha Racional, analisando comportamentos de agentes relevantes (Estado, compradores e vendedores) e propondo um esquema de "autoavaliação controlada pelo livre mercado".

  • Enfrenta problemas como o "holdout" e alocações sub-ótimas, promovendo a eficiência alocativa e incentivando a cooperação entre os agentes, com potencial de aumentar a arrecadação tributária e otimizar o bem-estar social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este artigo propõe um modelo para maximizar o bem estar social modificando o critério da detenção de propriedade imobiliária – objetivando maximizar os benefícios públicos (arrecadação tributária) e os benefícios privados.

Resumo: 

Este artigo propõe um modelo para maximizar o bem estar social modificando o critério da detenção de propriedade imobiliária – objetivando maximizar os benefícios públicos (arrecadação tributária) e os benefícios privados (facilitando a alocação eficiente, transferindo a propriedade àquele que mais a valorize). O método consiste na aplicação da Teoria da Escolha Racional pelos agentes relevantes (Estado, compradores e vendedores) discutindo em cada caso as fraquezas do sistema atual de detenção de imóveis e como ele poderia ser aprimorado além das propostas existentes com base na AED (Análise Econômica do Direito) –  tal como os modelos de Saul Levmore (1982). Trata-se de propor um esquema em que a transferência de imóveis seja economicamente viável dando alternativas de aquisição por vias administrativas e privadas – evitando o dead weight loss (perda de bem estar) que pode ocorrer devido a situações como o holdout (problema de captividade) ou os efeitos de endowment (efeito de dotação); e também propor uma solução ao problema comum da definição de valor para tributação proporcional de imóveis quando há sub pagamento de tributos devido a uma  avaliação subestimada, qual seja,  permitir que os proprietários definam a base de cálculo dos tributos sobre seus imóveis levando em consideração suas disposições em mantê-los e utilizando tal valor como base para calcular o preço da aquisição administrativa das propriedades. A conclusão relaciona este modelo às premissas do Teorema de Coase e propõe um segundo passo para a proposta de Hernando de Soto (2001). O modelo promove o desenvolvimento por intermédio de atribuições de direitos de propriedade, mas também sugere reduzir os custos de transações em casos extremos; bem como que sejam feitos estudos em que se aplique a “auto avaliação controlada pelo livre mercado” nos contratos de natureza privada, para assim proteger vendedores e compradores de variações de preços e preveni-los de enfrentar valorações irreais para pagamento de obrigações proporcionais ao valor do imóvel (condomínios, tributos territoriais ou financiamentos, por exemplo).

Palavras-chave: propriedade imobiliária, detenção de imóveis, política de regulação de imóveis, tributos sobre imóveis, análise econômica do direito.

JEL: K – Direito e Economia; JEL K4C Economia e regulação; JEL K10C Propriedade.

Se alguém furtar boi ou ovelha, e o degolar ou vender, por um boi pagará cinco bois, e pela ovelha quatro ovelhas. Se o ladrão for achado roubando, e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do sangue. Se o sol houver saído sobre ele, o agressor será culpado do sangue; o ladrão fará restituição total; e se não tiver com que pagar, será vendido por seu furto. Se o furto for achado vivo na sua mão, seja boi, ou jumento, ou ovelha, pagará o dobro. Êxodo 22:1-4

 

1.Introdução e objetivos:


            Os direitos de propriedade têm sido reconhecidos e discutidos por milhares de anos, com exemplos encontrados em escrituras antigas como a Bíblia Sagrada – reconhecendo a segurança jurídica do direito à propriedade e as leis que a sustentam, como mostrado acima. A definição ampla de "direitos de propriedade" – delineada por Sztajn, Zylbersztajn e Muller (2005), adota diversas concepções de estudos jurídicos e econômicos e propõe que o conceito é um “conjunto de direitos” protegido contra ações de terceiros sobre um valor economicamente apreciável (incluindo os direitos de usar, gozar, usufruir, defender, vender e emprestar). A propriedade não seria absoluta e a sua proteção legal variaria, assim como o conjunto de direitos a ela relacionados – o que determinaria o aumento ou a diminuição do valor da propriedade.

Calabresi e Melamed (1972) desenvolveram uma teoria para explicar os casos nos quais transações voluntárias ou involuntárias, respectivamente, seriam mais eficientes economicamente. O argumento dos autores destaca a noção de que os direitos de propriedade (property) devem ser protegidos por regras de direito criminal, evitando transações involuntárias, quando os custos de transação são mais baixos do que os custos administrativos. Considerando que a proposição contrária tenha fundamento, que os custos administrativos sejam mais baixos que os custos de transação, os direitos teriam então de ser protegidos por regras de Direito das Obrigações e a compensação deveria ser garantida por uma obrigação (liability) – promovendo, em consequência, transações involuntárias.

Na maioria dos sistemas legais, o critério para transação de imóveis é um exemplo extremo da aplicação das leis de proteção à propriedade. Problemas associados ao elevado preço das transações são claros nos holdout problems (problemas de captividade)  – especialmente no land assemblage, consolidação de propriedades. Fernandes (2002) afirma que o problema é consideravelmente severo na América do Sul, uma vez que é a região onde se encontra o maior nível de urbanização do mundo, alcançando quase 75% do território durante o ano de 2000. Enquanto registra que os “arranjos de detenções ilegais” tornaram-se a maior forma de ocupação do espaço urbano nessa região, ele estima que entre 40 e 80% da população local vive de maneira ilegal – ou invadindo terras públicas ou privadas, ou comprando terras não registradas.

Hernando de Soto (2001) chamou a atenção mundial às consequências dos acessos ilegais e informais à terra urbana – o incompleto “conjunto de direitos” representaria o “capital inutilizado” dessas propriedades, excluindo seus proprietários dos benefícios do mercado. Para solucionar essa questão, ele propõe programas de regularização em larga escala, de maneira a reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento. Essa proposta discutida por de Soto (2001) consiste em conceder títulos de propriedade aos detentores de terras que claramente não têm donos.

Bloncher (2013), por sua vez, considera que a propriedade de terras constitui por volta de três quartos da riqueza dos países em desenvolvimento, e imprime a ideia de que direitos de propriedade bem definidos são necessários para desbloquear o valor desses bens e encorajar o desenvolvimento, consoante o que de Soto (2001) propõe.

Bloncher (2012) e Fernandes (2002) observam que as ideias do último inspiraram vários países a promover políticas de regularização de ocupações urbanas ilegais – com diferentes graus de êxito – enquanto resumem suas contribuições e oferecem possíveis desdobramentos futuros sobre o assunto.

Van den Bergh (2007) fornece as explicações para a regulação de serviços legais, dentre elas a assimetria de informações, externalidades negativas e sub oferta de bens públicos, porém, advoga que a regulação de profissões com tarefas exclusivas, tal como os notários que registram contratos de terra e propriedade, poderia induzir a estruturas anti-competitivas de mercado. Os efeitos desse problema, em teoria, são análogos ao risco de subutilização devido à “tragédia dos anticomuns”, ocasionada por múltiplos direitos de exclusão,  detalhada com profundidade por Heller (1998) e Buchanan (2000). Tais preocupações são confirmadas por Stephen (2013), que demonstra como a liberação das regulações sobre as profissões jurídicas podem levar a melhorias do mercado e inovações tecnológicas no mercado de imóveis.

Julgados e políticas públicas recentes indicam que a propriedade de imóveis tende a ser tratada cada vez mais por critérios obrigacionais (liability) e menos por aqueles da propriedade estrita (property). Dois exemplos bem conhecidos são: a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos 544 U.S. 469 (2005), no caso Kelo vs. City of New London (SOMIN, 2015), quando a Suprema Corte decidiu que aumentar os tributos serviria ao interesse público, justificando a desapropriação do imóvel que se discutia; e a política de “land leasing” na China (HO, 2001).

A literatura em geral sobre políticas tributárias, ao exemplo do artigo de James Mirlees et alli (2012), argumenta que o principal objetivo destas políticas deveria ser a redistribuição de maneira mais eficaz, mantendo o sistema transparente e evitando diferenciações arbitrárias. Seguindo a posição do autor, este artigo resume diversas estratégias para minimizar ineficiências administrativas e econômicas – considerando a quantidade de distribuição (ou as alterativas entre distribuição e eficácia) de uma decisão política.

O Teorema de Coase (COASE, 1960) estabelece que se existe uma segura atribuição de direitos de propriedade e custos de transação não significativos, a barganha levará a um resultado eficiente, independente da atribuição inicial da propriedade. A proposta de Hernando de Soto (2001) de regularização poderia resolver o problema com relação à primeira premissa, a atribuição de direitos, enquanto o modelo descrito e explicado abaixo pretende satisfazer (ou ao menos reduzir as questões conexas) à segunda questão, reduzir os custos para se adquirir um imóvel e possibilitar ao comprador a escolha entre custos administrativos e de negociação.

Saul Levmore (1982) propôs um “sistema de auto avaliação” para propriedade imobiliária similar em alguns aspectos com o modelo deste artigo. No sistema que o autor definiu como Competitive Assessed Sc heme (esquema de definição de valor competitivo), o proprietário define o valor do imóvel para propósitos tributários e, em um processo de lances públicos, pode vir a ser forçado a cobrir o maior lance (pagando ao comprador potencial a diferença de valor alegado e ao Estado os valores futuros do tributo) ou a admitir a venda forçada.

O modelo proposto nesse artigo converge com o esquema de Levmore em algumas premissas: 1) a definição de valores por instituições públicas é normalmente corrupta, especulativa e bastante imprecisa, tendo por solução a auto avaliação pelo dono; 2) a “compensação justa” não é o “valor de mercado”, mas um valor subjetivo (interno ou de reserva); e, 3) sistemas de auto avaliação  também podem ser úteis para maximizar o bem estar social em estruturas de contratos voluntários, de indenizações pessoais e até no direito societário, uma vez que há controle de comportamentos oportunistas/estratégicos.

O modelo defendido neste artigo diverge do sistema de Levmore (1982) em alguns aspectos: 1) o modelo do autor defende que os donos com preferências idiossincráticas não deveriam tolerar mais carga tributária - opondo a ideia de que pagar mais tributos para assegurar o direito de reservar seu imóvel seria uma solução de resultado ótimo; 2) Levmore (1982) considera que o controle de comportamentos oportunistas/estratégicos deveria ser imposto por venda forçada por qualquer valor acima do valor auto avaliado, excluindo o espaço para qualquer transação privada que poderia ter resultados ótimos; 3) na sua proposta não há definição de valor para compensar os custos de mudança; 4) vendas forçadas no sistema apresentado neste artigo são uma exceção, limitada a criminosos, e não uma regra geral de transferência; e, 5) a proposta do Levmore mantém os privilégios do Estado de desapropriação pagando apenas o valor marcado - o que viola a ideia de horizontalização de direitos.

Lee Anne Fennel (2008 e 2009) também descreve alternativas diversas à desapropriação quando a consolidação de propriedades por aquisição voluntária não é viável – tais como os distritos de consolidação por decisão majoritária (land assembly districts – LAD’s) e o reajustamento administrativo, land readjustment, ambas alternativas ainda coercitivos. Entretanto, o modelo proposto é demonstrado superior às quatro opções, em termos éticos (por limitar a coerção apenas aos comprovadamente criminosos e resistentes a cooperação) e/ou em termos financeiros (por apresentar alternativas com menores custos nos casos extremos).

 

2. Metodologia

           

Pacces e Visscher (2011), defendem que os estudos do Direito deveriam incluir métodos de economia na aplicação da ciência jurídica, geralmente implantando a Teoria da Escolha Racional e considerando que o principal objetivo de uma regra legal é a correção e a mitigação das falhas do Mercado.

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No modelo proposto, a Teoria da Escolha Racional é adotada, tendo por base que os agentes econômicos tendem a escolher o que acreditam estar de acordo com suas preferências – dadas as suas expectativas e conhecimento. Com razão, o objetivo deste modelo é mitigar problemas que se originam de assimetrias de poder e informação que geralmente perpassam as transações. Pacces e Visscher (2011) também afirmam que as falhas do mercado podem derivar de estruturas anti-competitivas ou externalidades negativas, além das assimetrias de poder e de informação, dos vieses cognitivos (bounded rationality) e da sub-oferta de bens públicos.

Klaus Mathis (2009) resume as críticas a essa abordagem econômica geral, a saber: premissas irrealistas (como a racionalidade), reducionismo e uma análise estática. Em conclusão, o autor afirma que toda abordagem metodológica tem seus méritos e limitações, logo, a solução para cada fraqueza seria o pluralismo metodológico, aplicando métodos que se complementam mutuamente. 

Esse estudo segue os passos dados por Hanke e Heine (2014), quando eles desenvolveram um modelo teórico de “escolha melhor de governança”. Os problemas pesquisados por Hanke e Heine (2014) eram um pouco diversos porque partiam de uma perspectiva de Teoria da Agência enquanto consideravam as consequências em diferentes graus de assistência do Estado nos esforços de aumento de renda e administração geral de atividades. Eles explicam como definir a melhor escolha de governança em relação aos custos do monitoramento estatal das transações e a viabilidade dos subsídios, entretanto, embora o modelo não seja especificamente sobre o tema ora abordado, alguns de seus elementos foram usados para as propostas desse artigo – como a consideração de um jogo baseado em turnos sequenciais entre administradores e cotistas (substituídos por “compradores potenciais” e “detentores”).

O objeto desse estudo é o sistema de detenção de propriedade imobiliária, enquanto o problema da pesquisa é testar um modelo (hipótese) para maximizar os benefícios públicos e privados. A metodologia adotada consiste em aplicar análise comparativa entre o sistema tradicional de propriedade e a proposta da "auto avaliação controlada pelo livre mercado".

O problema surge da situação em que a regra da propriedade estrita é aplicada; e então, direitos de exclusão são introduzidos, garantindo poder aos proprietários (o que leva a problemas de holdout) e elevando os custos de transação. Essa distorção no valor de mercado também leva a problemas relacionados aos tributos sobre imóveis – na premissa comum em que eles devem ter sua base de cálculo sobre seus valores.

O modelo proposto considera que os agentes econômicos – vendedores, compradores e governos – respondem a incentivos e tendem a adotar padrões de comportamentos dominantes. Ao aplicar a Teoria da Escolha Racional, é possível fazer predições de como esses agentes responderiam a mudanças legais. Regulações corretivas são propostas para mitigar os comportamentos estratégicos/oportunistas possíveis (como o holdout, a elisão e a evasão).

           

3. Análises: desenvolvimento da proposta

 

3.1 O Modelo

 

A "auto avaliação controlada pelo livre mercado" consiste em um processo de três passos: a) inicialmente, o detentor do imóvel define uma valoração pessoal para calcular o tributo incidente e paga os tributos proporcionais a esse valor; b) o ente estatal que impõe tributação (ou instituição análoga) faz com que os dados sobre os imóveis (titularidade, metragem, natureza e localização) e suas valorações sejam publicados, dando a chance para a participação aberta de lances, com a oferta mínima significativamente mais alta que o valor da avaliação do detentor, para efeito de exemplo 200%, para iniciar procedimento de aquisição administrativa; e, c) após o processo de ofertas, se há, pelo menos, um comprador interessado, o detentor é notificado a, alternativamente:  (c.1) “cobrir a oferta”, assumindo que o lance mais alto representa o valor real do imóvel para ele (e, para isso, pagando a diferença, entre o valor alegado e o real, devido de tributo ao potencial comprador e seus valores futuros ao Estado); ou, (c.2) reconhecer que o potencial comprador valoriza o imóvel mais do que o detentor, aceitando a venda pelo valor alegado para efeitos tributários – adicionado um prêmio por fazê-lo voluntariamente, sem procrastinações judiciais nem administrativas, hipoteticamente proposto em 50% do valor alegado – ainda deixando 50% do valor subjetivo original para os custos administrativos (mesmo após remunerar o vendedor por seus custos de mudança e, eventualmente, até incrementar seu bem-estar); ou, (c.3) silenciar ou contestar a aquisição administrativa, caso em que receberá apenas 100% do valor alegado e será processado por seus crimes (seja evasão fiscal, falsa declaração ou outros a depender do sistema jurídico). 

Klaus Mathis (2009) argumenta que “the goal of liability law is to minimize the social cost of accidents" – deixando claro que regras como a responsabilização da parte de menor custo de prevenção (chepeast cost avoider) são feitas para promover efeitos de precedentes, para modificar comportamentos futuros. Nesse caso a intenção não é prevenir acidentes, mas prevenir comportamentos oportunistas que podem provocar custos privados e sociais indesejáveis.

 

3.2 Os detentores de imóveis

 

Aplicando a Teoria da Escolha Racional no modelo que ora se propõe, é possível prever os comportamentos predominantes de cada agente: para o detentor do imóvel, existe um incentivo a supervalorizar a propriedade, evitando assim perdas involuntárias e garantindo possíveis ganhos em uma transação voluntária; assim como existe também um incentivo a subvalorizar o imóvel  - economizando em tributos, mas enfrentando uma maior possibilidade da outra parte adquirir a sua propriedade através da aquisição administrativa. Existe uma maneira de controlar comportamentos oportunistas em ambos os casos – penalizando proporcionalmente (ou exponencialmente se o tributo é progressivo) em termos monetários ou de risco.

Dependendo da utilidade que o proprietário deseja extrair – considerando o seu comportamento de risco ou efeito de posse ou dotação (endowment effect, ou, aversão a desinvestimento) – o dono do imóvel pode pagar tributos mais elevados que o valor de mercado, para assim, elevar o valor de sua propriedade em aquisição administrativa, ou, de maneira alternativa, pagar por tributos menores – facilitando a tomada involuntária.

Em qualquer um dos casos, se ele deseja o imóvel mais que os outros, ele tem um incentivo para pagar tributos mais elevados para assegurar sua posição; se alguém está disposto a pagar muito mais do que o valor estabelecido pelo detentor (200% na hipótese arbitrária), é evidente que o detentor não é aquele que mais valoriza a propriedade. Também é útil mencionar que, na hipótese acima, mesmo em caso de tomada involuntária, o detentor ainda assim receberia o valor que estabeleceu e mais uma compensação para que abdique de interpor complicações judiciais e administrativas, e procrastinar a sua parte contratual, dando razões para uma disputa judicial frívola (PARISI, 2013)

           

3.3 Compradores potenciais

 

Para o comprador potencial, sob as regras de propriedade atuais, ele obtém bens se, após barganhar, o vendedor aceitar um preço igual ou inferior a avaliação pessoal do comprador daqueles objetos.

No modelo proposto – com a faculdade da aquisição administrativa sob a liability rule – o comprador teria acesso a todos os valores de propriedades urbanas privadas, uma vez que seriam disponibilizados como informação pública as suas características, localizações e valores. O comprador então se comportaria de acordo e proporia lances para adquirir as propriedades que deseja e lhe parecem subvaloradas.

Dessa maneira, não há nenhuma desvantagem aparente para os compradores quando se compara o modelo proposto ao modelo baseado no conceito de propriedade estrita; compradores preferirão barganhar e adquirir imóveis por contrato voluntário, enquanto os custos de transação forem mais baixos que os administrativos; e, quando a propriedade estrita impor um custo maior que a regra da aquisição administrativa, eles procederiam com os lances.

A avaliação do dono serviria, então, como uma cláusula buy out comumente vista em contratos desportivos (como na compra e venda de jogadores de futebol), que tem a potencialidade de prevenir que os bens sejam vendidos por valores menores que a avaliação contratual. Esta avaliação define o limite ao comprador de até onde é vantagem negociar ou proceder à aquisição administrativa.

 

3.4 O Estado como coletor de tributos

 

Mais transações imobiliárias significam mais pagamentos de tributos, mesmo em um sistema no qual a transação de imóveis não seja tributada, uma vez que, considerando que em um exemplo hipotético o pagamento de 50% do valor estabelecido pela intermediação da aquisição administrativa, tem-se mais uma fonte de receita para o Estado. A Administração Pública, inclusive, aumentaria a arrecadação de tributos, considerando que esse sistema outorgaria os imóveis àqueles que mais os valorizam – e, nesse sentido, pagariam maiores impostos de maneira voluntária.

Harada (2010) ilustra a situação do Brasil. No país, o artigo 33 do Código Tributário Nacional estabelece que o imposto devido à propriedade de imóvel urbano deve ser calculado em função do valor de mercado – e não há outra lei nacional estabelecendo como definir esse valor venal, o que acaba por conceder aos funcionários municipais poderes discricionários para criarem critérios alternativos, incentivando a corrupção e a fraude.  Uma vez que no sistema proposto os tributos são definidos de maneira voluntária – e, assim, dirigidos pela força do mercado, haverá custos de monitoramento e arrecadamento mais baixos.

 

4. Seção Argumentativa: desafios e possíveis críticas

 

É possível argumentar que há muitas questões contrárias ao modelo proposto – entre alegações legais, políticas e de natureza econômica.

Profissionais do Direito poderiam argumentar que a aquisição administrativa seria legalmente impossível em algumas legislações nacionais; por outro lado, a maior parte dos sistemas legais possui a possibilidade do Estado desapropriar os imóveis dos proprietários quando há “interesse público” – e Cunningham (2013) argumenta que a definição dessa justificativa, o interesse público, é bastante turva e vem expandindo ao redor do mundo.

É incontroverso que o controle da corrupção, o desenvolvimento econômico e a criação de benefícios para a população devem ser considerados expressões de interesses públicos, ou, como anteriormente discutido, mesmo o argumento de aumentar a arrecadação dos tributos pode ser utilizado para justificar a tomada involuntária para uso privado (involuntary dispossession for private use), ao exemplo da mencionada decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos (Kelo versus City of New London).

Os economistas podem argumentar que esse sistema reduz a previsibilidade da posse, promovendo incerteza, aumentando o risco, e assim, reduzindo os investimentos em melhorias dos imóveis. O problema da previsibilidade pode ser resolvido com o seguro permanência (property hedging) vez que os detentores que o desejarem podem reduzir a chance de aquisição administrativa aumentando o valor alegado.

No modelo de auto avaliação controlado pelo livre mercado, o dono pode se assegurar – garantir – a sua propriedade, avaliando-a acima dos preços de mercado, funcionando como uma cláusula de valor mínimo de aquisição (buy out clause) através da qual ele é capaz de propor uma quantia que poderia satisfazer suas necessidades e deixá-lo em melhor situação – ou ao menos em pé de igualdade – alcançando um resultado com eficiência de Pareto.

Como explicado anteriormente, o problema do subinvestimento pode ser desconsiderado, devido ao fato de que há prêmio significativo por aceitação voluntária, mais que compensando o detentor. A definição desse prêmio pode, inclusive, originar uma distorção econômica contrária: demasiado estímulo para investimento nos imóveis (uma vez que, ao aumentarem os valores, as compensações proporcionais também aumentariam).

Também se pode argumentar que um concorrente comercial seria capaz de dar lances maiores para adquirir o local onde funcionam atividades de um concorrente de menor porte – por exemplo, entre comerciantes com pontos comerciais próximos e concorrentes. Pode haver neste argumento razão para mais regulações especificas na aquisição administrativa de imóveis comerciais, porém a simples razão de que o potencial comprador pague um prêmio extremamente alto seria o suficiente para indicar acréscimo de bem-estar tanto ao Estado quanto ao detentor original. No Direito brasileiro, esse problema da aquisição de imóvel comercial seria mitigado, uma vez que existe o direito de luvas, nos termos da Lei de Locações (Lei nº8.245/91). Da maneira anteriormente discutida, o modelo propõe um sistema no qual o detentor seria capaz de reavaliar a propriedade com base na oferta, prevenindo-se de possíveis comportamentos oportunistas do comprador.

O dilema político é questão mais complicada. É possível que nos sistemas eleitorais democráticos nos quais uma grande quantidade de eleitores são detentores de imóveis, esse sistema seja eleitoralmente inviável, uma vez que a maioria dos eleitores possivelmente não estariam disponíveis a aceitar um sistema que os induza a pagar o maior valor tributário possível.

Isso poderia ser ainda mais difícil em países subdesenvolvidos, onde a corrupção é endêmica e a propriedade imobiliária é concentrada nas mãos daqueles que detém poderes políticos. Em se tratando de situações de captura administrativa como a mencionada, a introdução do modelo poderá ser inviável – a não ser que se promova uma ampla conscientização de suas vantagens e das desvantagens criadas por comportamentos oportunistas.

É ainda possível argumentar, todavia, que neste sistema há também a possibilidade de se pagar menores tributos – uma vez que imóveis menos desejados custariam instantaneamente o valor que o dono estaria disposto a pagar e, mesmo em um caso que houvesse lance, o detentor poderia cobri-lo.

Países com um relacionamento difícil com os direitos de propriedade, como os socialistas ou pós-socialistas, podem ser relutantes a aceitar uma mudança radical, entretanto, também nesses países se observam problemas em relação aos critérios de aquisição de direitos relativos a imóveis – ao exemplo dos “land leasings” na China e o problema dos “castelos no ar” (WONG, 2006; LIN et al, 2014).

Tendo em vista os possíveis ganhos com a consolidação/incorporação de terrenos com propriedades difusas, como em favelas e outros tipos de ocupações ilegais, os benefícios potenciais da implementação desse modelo seriam maiores que quaisquer dificuldades apresentadas, especialmente nos países subdesenvolvidos. Existem soluções privadas para problemas de holdout e consolidação de propriedades, tais como as explicações de Fennel (2008 e 2009) ou os contratos contingentes propostos por Collins e Isaac (2011). Porém, todas estas alternativas dependem de diferentes graus de coerção.

O argumento mais efetivo, em favor ou contrário às posições críticas apontadas, deverá vir de estudos baseados na prática privada (em contratos de financiamento imobiliário ou LAD’s) ou na prática pública (quando aplicada para tratar dos efeitos fiscais). Assim, sugerem-se duas correntes de possíveis estudos futuros que possam aplicar o modelo de “auto avaliação controlada pelo livre mercado” para testar sua eficácia.

           

5. Conclusão: Síntese e Recomendações

 

            Os problemas relativos à aquisição da detenção de imóveis e suas alternativas e consequências foram brevemente explicados. Uma nova alternativa teórica para aquisição de imóveis – entre o critério da propriedade estrita (property) e o direito das obrigações (liability) – foi delineado e denominado “auto avaliação controlada pelo livre mercado”.

Foi desenvolvido um modelo original com diversas vantagens em relação às alternativas existentes para enfrentar questões como o problema de holdout e para evitar alocações sub-ótimas que podem ocorrer devido a diversos fatores analisados, tais como: efeitos comportamentais, como o efeito de dotação (endowment effect); outras avaliações idiossincráticas; ou, mesmo, devido a ineficácia institucional de definir o correto valor do imóvel pelos critérios atuais – expropriando contribuintes honestos e/ou permitindo corrupção e captura administrativa.

            A superioridade do modelo foi demonstrada tanto em seu aspecto ético (limitando a coerção àqueles que insistirem em comportamentos oportunistas, sinalizando atos criminosos), quanto financeiro (reduzindo custos, aumentando arrecadação voluntária e otimizando o bem-estar social). Alternativas privadas (contratos de financiamento, LAD’s e condomínios) e públicas de consolidação de imóveis foram citadas. E, a adoção ampla do modelo, ao vencer o problema de retenção (holdout) pode tornar obsoleto o privilégio estatal da desapropriação, garantindo a horizontalização de direitos e reduzindo o estatismo.

            As análises executadas sugerem que o modelo proposto: a) satisfaz os três critérios de Mirlees (2012) – sendo neutro, transparente e socialmente eficiente, quando comparado às alternativas estudadas; e, b) pode ser uma segunda etapa necessária para desbloquear o valor dos imóveis como proposto por de Soto (2001) – reduzindo os custos de transação após definidos os direitos imobiliários, vez que dá alternativas administrativas e privadas de aquisição. Nesse sentido, a solução encontra paralelo com a segunda premissa do Teorema de Coase (COASE, 1960), de que, após definidos os direitos, para se garantir uma distribuição ótima, deveria ser instituído custo de transação não significativo.

Devido a aplicação da Teoria da Escolha Racional, foi demonstrado que no modelo da “auto avaliação controlada pelo livre mercado” todos os agentes relevantes (detentores, compradores em potencial e Estado) tendem a se comportar de maneira cooperativa, maximizando a arrecadação tributária e reduzindo custos de aquisição sempre que o custo de barganha for superior ao custo de aquisição administrativa. Também foi demonstrado como a “auto avaliação controlada pelo mercado” pode reduzir a corrupção e os custos de monitoramento e avaliação da autoridade fiscal.

Possíveis críticas e contra-argumentos foram apresentados, decisões e políticas públicas relevantes pelo mundo foram utilizadas como evidências de que existem diversas tentativas de melhorar os sistemas de direitos de propriedade sobre imóveis e que este modelo pode prover uma forma de elevar a eficiência alocativa e o bem-estar social. 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

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7. Notas de Rodapé:

 

[1] O processo de consolidação de propriedades é o inverso do fracionamento.

[2] Pela teoria das finanças, o proprietário retém o imóvel enquanto a sua valorização pessoal for superior ou igual a do mercado. Considerando o ótimo de Pareto, o proprietário é aquele que mais valoriza o imóvel. Mesmo sem considerar os custos de mudança, a compensação em valor inferior à avaliação subjetiva do proprietário é danosa, reduzindo o bem estar social.

[3] Em uma situação Pareto ótima, o detentor é aquele que mais valoriza o imóvel, assim teria a maior avaliação subjetiva e não haveria lance posterior.

[4] Em uma hipótese arbitrária, será assumido 200% (100% do valor alegado como ágio mínimo para lance – 50% como prêmio por cooperação e 50% como custas para manter o sistema), esse valor poderia ser proposto de uma maneira precisa para cada caso considerando custos de mudança, potencial de variação de valor do imóvel e custos de manutenção do sistema, mas por simplificação será arbitrado neste artigo.

[5] O procedimento de aquisição pode ser interpretado como uma punição pela declaração falsa com a finalidade de evitar tributação

[6] Se o detentor tentar procrastinar a transação recorrendo de qualquer maneira e/ou negando-se a fazer sua opção voluntária após notificado, não receberá o prêmio por colaboração e não poderá ser considerada sua declaração abaixo do valor do lance como feita de boa-fé.

Sobre os autores
Renato Amoedo Nadier Rodrigues

Graduado em Direito (UFBA) e Engenharia de Produção Civil (UNEB); Mestre em Direito Privado e Econômico (UFBA); e doutorando do Programa de Pós Graduação em Administração (Finanças Estratégicas) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Carlos Ferrarini Delgado Junior

BA Hons International Business (Kingston University); Summer School and Exchange Student (Hong Kong Polythecnic University); LLM - Master in European Law and Economics (Hamburg University/Vienna University).

Laura Lovato Pires de Lemos

Bacharel em Direito, Advogada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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