Breves considerações sobre o cabimento do recurso de agravo de instrumento

09/12/2014 às 15:38
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O CABIMENTO DO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO

RESUMO: RECURSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS. GRAVAME A PARTE. CABIMENTO

 

1. INTRODUÇÃO

 

                               O sistema recursal brasileiro contempla o agravo de instrumento como um de seus recursos, sendo este intensamente utilizado nas lides forenses. Como importante meio recursal, o conhecimento de sua gênese e das hipóteses de cabimento são extremamente úteis.                        Este ensaio tem o objetivo de trazer à baila algumas breves considerações, colaborando no seu manejo, por meio do estudo da doutrina e legislação.

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO

                               O legislador brasileiro, para não promulgar um novo Código de Processo Civil, vem optando por alterar, de forma gradativa e paulatina, dispositivos do atual Código[1], realizando a chamada reforma fatiada, que ao modificar setores do Estatuto, acaba, muitas vezes, interferindo na própria sistemática construída por Alfredo Buzaid. Estas mudanças, foram impulsionadas também pela Reforma do Poder Judiciário, iniciada com a Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004, que entre outras inovações criou a súmula vinculante e positivou o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas (art. 5º, LXXVIII, da CF).

                               O objetivo das mudanças, fruto do incansável trabalho da Comissão constituída em 1991, e coordenada pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, pelo Min. Aposentado Athos Gusmão Carneiro e pela Profª. Ada Pellegrini Grinover, representante do Instituto Brasileiro de Direito Processual, é solucionar o problema da morosidade processual, simplificando o Código de Processual Civil e, com isso, implementar importantes princípios norteadores da ciência processual, quais sejam, o princípio da celeridade e o princípio da efetividade. É por meio da efetivação destes que o Poder Judiciário irá aplacar as constantes críticas provenientes da sociedade.

                               O recurso de agravo de instrumento, neste contexto, vem sendo constantemente reformado, uma vez que após passar pelas modificações trazidas pelas Leis n. 9.139, de 30.11.1995 e n. 10.352, de 26.12.2001, foi também alterado pela Lei n. 11.187, 19.10.2005.

                               A origem do recurso de agravo é portuguesa, vinculada a figura do rei que, recebendo as queixas a ele feitas, chamadas nos mais antigos tempos portugueses de querimas ou querimonas, avocava a si o processo para que fosse feita justiça.  Essas queixas eram remetidas por instrumento escrito, o estormento ou a carta testemunhável. Daí nasceu o agravo[2]

                               O agravo que, inicialmente, significou a ofensa ou gravame sofrido pela parte passou a ser o nomem iuris do recurso para sanar a referida ofensa no direito processual civil brasileiro.                                                         

                               Na gênese do recurso, sua interposição seria por petição quando o juízo de origem estivesse situado na Corte ou perto, aproximadamente a cinco léguas, ou por instrumento no caso de maior distância (Ordenações Afonsinas – 1446 e Ordenações Manuelinas – 1514 e 1521). Surgiram também, com as Ordenações Manuelinas, o agravo ordinário (antiga suplicação, desafiando decisões das autoridades de maior hierarquia), o agravo de ordenação não guardada e o agravo no auto do processo.

                               O agravo está hoje previsto em nosso ordenamento processual no art. 496, II, do Código de Processo Civil e pode ser interposto nas seguintes modalidades: a) retida; b) de instrumento - tanto no que pertine ao recurso previsto no art. 522, quanto ao agravo previsto no art. 544 do CPC; c) interno – conhecido também como agravo regimental ou “agravinho”. Tal recurso, como antes já dito, foi objeto de três reformas que lhe alteraram o cabimento e o procedimento.

3. DO CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO      

                               A existência de imperfeições técnicas no texto legal, de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais que emperram a utilização do recurso e o aperfeiçoamento do instituto podem ser arrolados como motivos das constantes modificações legislativas. A reforma trazida pela Lei n. 11.187/2005 embora tenha como objetivo aprimorar o agravo, não conseguiu debelar por completo as razões que determinam suas constantes modificações. A despeito deste prognóstico, as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento parecem ter ganhado, a cada reforma, contornos mais fortes para sua definição.

                               Ora, conquanto desde a Lei n. 10.352/2001 se pudesse afirmar que o agravo retido é a regra e, o agravo de instrumento, a exceção, como a escolha do recurso a ser interposto cabia ao agravante, as hipóteses de interposição de agravo de instrumento não estavam bem definidas. Agora, com o advento da Lei n. 11.187/2005 os casos que desafiam agravo de instrumento estão bem delineados na lei, havendo quem afirme que “a principal modificação que a última reforma processual operou no regime do agravo foi o banimento da possibilidade de escolha do agravante” [3].

                               O agravo de instrumento será cabível, portanto, quando: a) a decisão interlocutória for suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação (art. 522, caput, do CPC); b) a decisão versar sobre a inadmissão da apelação ou sobre os efeitos que a apelação for recebida (art. 522, caput, do CPC); c) a decisão julgar liquidação (art. 475-H – inovação da Lei n. 11.232/2005); d) de todas as decisões em processo de execução, eis que o agravo retido é incompatível com tal processo; e) da decisão que não admitir a petição inicial em ação de improbidade administrativa (art. 17, § 10º, da Lei n. 8.429/92).                                         

                               Acrescente-se, ainda, que Fredie Didier Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha defendem que:

Há questões incidentes que são absolutamente independentes/estranhas ao objeto do processo; a solução judicial que se lhes dê em nada afetará a futura decisão sobre o objeto do processo (quer diga respeito à admissibilidade, quer se refira ao próprio exame do mérito), pois não têm qualquer vínculo com a questão principal. Essa solução, embora se opere via decisão interlocutória, será definitiva, independendo de confirmação posterior. Alguns exemplos: a) exclusão de litisconsorte, com condenação em verba honorária; b) indeferimento parcial da petição inicial;...e) decisão que fixa os honorários periciais (art. 33, CPC, e art. 10, Lei Federal n. 9.289/96...j) decisão que punir o advogado com base no art. 196 do CPC etc. Em todas essas situações, incabível o agravo retido por inadequação; impõe-se, assim, como recurso cabível, o agravo de instrumento[4].

                               Outrossim, o cabimento do agravo de instrumento também se justifica nos casos de inutilidade do agravo retido, como na hipótese de decisão que, embora tenha sido proferida em audiência, causa à parte lesão grave ou de difícil reparação. Numa interpretação açodada do art. 523, § 3º, do Código de Processo Civil, equivocadamente poderia se afirmar que todas as decisões proferidas em audiência devem ser desafiadas por agravo retido, o que não corresponde à verdade, eis que as decisões que causem à parte lesão grave ou de difícil reparação devem ser objeto de agravo de instrumento. Neste sentido, lição de Teresa Arruda Alvim Wambier[5]:

Pensamos que, em se tratando de “decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação” (art. 522, na redação da Lei 11.187/2005), deverá ser admitido agravo de instrumento, apesar do que dispõe a nova redação do art. 523, § 3º, já que neste caso, a interposição de agravo retido seria inútil para a parte, razão pela qual lhe faltaria interesse em recorrer por esta forma retida.

                               Calha mencionar, ainda, que o agravo de instrumento somente é cabível contra decisão interlocutória objetivando reformá-la ou invalidá-la e, nosso Código, conceituando, estabelece que “decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” (art. 162, § 2º, do CPC). Difere-se, assim, da sentença, pois não implica alguma das situações previstas no art. 267 e 269 do CPC (art. 162, § 1º, do CPC c/ redação dada pela Lei n. 11.232/2005), nem tampouco põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa (redação ainda vigente do art. 162, § 1°, do CPC). Distingue-se, também, dos despachos, que são atos outros praticados pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, sem previsão legal de outra forma específica.

                               Embora existam estas definições em nosso ordenamento, há controvérsias para classificação dos pronunciamentos judiciais. Tanto se pode levar em conta a finalidade do ato, como defende Nelson Nery Junior[6], quanto o seu conteúdo, posição capitaneada por Teresa Arruda Alvim Wambier[7]. Sem nos atermos a discussões doutrinárias, sabe-se que o recurso de agravo é “cabível contra decisões interlocutórias proferidas no processo (art. 522 e 162, § 2°), tanto no de conhecimento como no de execução e no cautelar, de jurisdição contenciosa ou voluntária, qualquer que seja o procedimento e qualquer que seja a fase em que o processo se encontre”[8].        

 

4.  DA CONCLUSÃO

 

                               O agravo de instrumento, como se vê, sofreu várias mudanças, sendo que as alterações implementadas pelas três reformas deram-lhe maior celeridade e efetividade.

                               O recurso estudado pode ser interposto em vários tipos de procedimento, ou seja, de conhecimento, cautelar e execução, estando sua interposição atrelada a natureza da decisão recorrida.           

BIBLIOGRAFIA

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[1]{C} A título de exemplo, confira-se as Lei n. 8.952/94, 10.352/2001, 11.187/2005 etc.

[2]{C} Cf. sobre a origem do agravo: Alla, Valentina Jungmann Cintra. O recurso de agravo e a Lei 9.139, de 30.11.1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 20-28; ALVIM, J. E. Carreira. Novo agravo. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 17-22; CARNEIRO, Athos Gusmão. O novo recurso de agravo e outros estudos. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 7-12; Wambier, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 3.ed. rev., atual. e ampl. do livro O novo regime do agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 20-42.

[3]{C} DIDIER JR, Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da.  Curso de Direito Processual Civil – meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Salvador: JusPODIVM, 2006, p. 104.

{C}[4]{C} op. cit. p. 110.

[5]{C} Wambier, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4.ed. rev., atual. e ampl. do livro O novo regime do agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 258.

[6]{C}NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 6. ed. rev. e atual de acordo com as Leis 10.352 e 10.358/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 515, glosa 162:3.

[7]{C} Wambier, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 3.ed. rev., atual. e ampl. do livro O novo regime do agravo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 76-93.

[8]{C}Pinto, Nelson Luiz. Manual dos Recursos Cíveis. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2001, p. 126-7.

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Sobre a autora
Carolina Lemos de Faria

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Goiás. Procuradora Federal.

Informações sobre o texto

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