O marco inicial do direito à pensão por morte pela lei n. 8.213/91 no caso do menor com reconhecimento de paternidade post mortem

09/12/2014 às 13:47
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PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM. HABILITAÇÃO TARDIA. DIREITO AO BENEFÍCIO. MARCO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO

1. INTRODUÇÃO

                            O direito à pensão por morte do menor que teve a paternidade reconhecida após o óbito do segurado é questão controversa no direito previdenciário, no que tange ao seu marco inicial.

                        A Lei n. 8.213/91 traz como solução para o assunto a regra prevista no art. 76, que prevê os casos de habilitação tardia, sendo o reconhecimento post mortem de filiação uma dessas hipóteses, porquanto apenas após obter provimento jurisdicional confirmando sua filiação é que o dependente terá a documentação necessária para requerer a pensão.

                        Com escopo de fazer uma breve exposição sobre o tema, analisaremos a legislação, doutrina e jurisprudência sobre o caso.

                       

2. DESENVOLVIMENTO

                               O evento morte tem sua cobertura prevista pela previdência social estabelecida pelo art. 201, V, da Constituição, sendo devido ao dependente do segurado. A Lei n. 8.213/91 delineou a pensão por morte nos art. 74 a 79, tendo elencado o rol de dependentes no art. 16. O Decreto n. 3048/99, no art. 105 e segs., regulamentou esta espécie de benefício.

                        Segundo a atual lei previdenciária a concessão do benefício de pensão por morte ocorrerá a contar da data do óbito, nos casos em que o pedido for formulado até trinta dias depois deste. Será do requerimento, quando a solicitação for depois do prazo de trinta dias. Por fim, no caso de morte presumida, o deferimento ocorrerá a partir da decisão judicial que a declarar (art. 74 da Lei n. 8.213/91).

                        Dispõe a lei que apenas o dependente do segurado poderá solicitar a pensão, sendo considerados dependentes, conforme art. 16, in verbis:

 Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

 I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;   (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;    (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

§ 2º. O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

 § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.

                        Enquadrando-se como dependente do segurado, conforme art. 16 supracitado, poderá ser solicitado o benefício. Entretanto, o art. 76 da Lei n. 8.213/91 dispõe:

 Art. 76. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação.

                        O referido artigo prevê a chamada habilitação tardia, instituto que resguarda o direito do dependente que já tenha solicitado o benefício, evitando que a inércia ou impossibilidade daquele que se habilitou tardiamente impeça a fruição da pensão por morte.

                        Lecionam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior:

Levando-se em conta a circunstância de os dependentes estarem mais fragilizados pela perde do ente querido, evento que além de afetá-los emocionalmente pode comprometer seriamente a sua manutenção econômica, buscou o legislador deferir de forma mais célere a prestação previdenciária. Neste diapasão a regra insculpida no art. 76 impede o retardamento da concessão pela falta de habilitação de outro possível dependente. Qualquer inscrição ou habilitação posterior, que importe em alteração dos dependentes, só produzirá efeitos da data em que for efetuada[1].

                        A questão ganha relevância ao considerarmos o caso de um filho menor, reconhecido por decisão judicial em data posterior ao óbito do instituidor da pensão.

                        Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, conforme prevê a Constituição Federal (art. 227, § 6º).

                        Contudo, nas hipóteses em que for declarada a filiação posterior ao óbito, como a prova da condição de filho, por meio de certidão de nascimento, é documento obrigatório para demonstrar a qualidade de dependente do filho, apenas após esta ser apresentada é que será deferido o benefício, já que o Instituto Nacional do Seguro Social deve pagá-lo apenas ao dependente do segurado que se habilitou regularmente.

                        Neste sentido, Hermes Arrais Alencar, ensina:

Ocorrida a habilitação à pensão por morte que já esteja sendo percebida por outro(s) dependentes, não haverá direito ao dependente tardiamente inscrito a prestações anteriores, mas apenas ao rateio mensal a partir do momento de sua inclusão.

A razão encontra-se no fato de que a Previdência paga, na integralidade, o valor devido a título de pensão ao(s) herdeiros(s) habilitados(s) à pensão. o beneficiário que se habilita supervenientemente somente faz jus às prestações posteriores à sua habilitação, porque as anteriores foram satisfeitas em prol dos que antes se habilitaram. Não existe por parte da Previdência nenhum ganho ou enriquecimento sem causa.

(...)

“Qualquer inscrição ou habilitação posterior”, diz a LB, só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação, logo ao dependente menor não é excetuado o tratamento acima. O dependente tardio menor ou não, passará a usufruir o rateio da pensão apenas depois de inscrito.(g.n.)[2]

                       

                        Este, também, é o entendimento de Sérgio Pinto Martins, para quem “qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão do dependente só produzirão efeito a contar da data da inscrição ou habilitação”[3].

                        O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a questão, já decidiu neste sentido:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - HABILITAÇÃO TARDIA DE FILHA DO SEGURADO - ARTS. 74 E 76 DA LEI 8.213/91 - DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO - REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.

1. Nos termos do art. 74 da Lei de Benefícios, não requerido o benefício até trinta dias após o óbito do segurado, fixa-se o termo inicial da fruição da pensão por morte na data do pleito administrativo, que, no caso em apreço, ocorreu somente em 30/09/2010.

2. De acordo com o art. 76 da Lei 8.213/91, a habilitação posterior do dependente somente deverá produzir efeitos a contar desse episódio, de modo que não há que falar em efeitos financeiros para momento anterior à inclusão do dependente.

3. A concessão do benefício para momento anterior à habilitação da autora, na forma pugnada na exordial, acarretaria, além da inobservância dos arts. 74 e 76 da Lei 8.213/91, inevitável prejuízo à autarquia previdenciária, que seria condenada a pagar duplamente o valor da pensão, sem que, para justificar o duplo custo, tenha praticado qualquer ilegalidade na concessão do benefício à outra filha do de cujus, que já recebe o benefício desde 21/06/2004.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1377720/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 05/08/2013)

RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. TERMO INICIAL. MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. DATA DO ÓBITO. TEMPUS REGIT ACTUM. PLURALIDADE DE PENSIONISTAS. RATEIO DO BENEFÍCIO. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE POST MORTEM. RECEBIMENTO DE VALORES PELA VIÚVA, PREVIAMENTE HABILITADA. INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DAS VERBAS PREVIDENCIÁRIAS.

1. A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é a vigente na data do óbito do segurado (tempus regit actum).

2. Aplica-se o art. 74 da Lei de Benefícios, na redação vigente à época da abertura da sucessão (saisine), motivo pelo qual o termo inicial da pensão por morte é a data do óbito.

3. Havendo mais de um pensionista, a pensão por morte deverá ser rateada entre todos, em partes iguais, visto ser benefício direcionado aos dependentes do segurado, visando à manutenção da família.

4. Antes do reconhecimento da paternidade, seja espontâneo, seja judicial, o vínculo paterno consiste em mera situação de fato sem efeitos jurídicos. Com o reconhecimento é que tal situação se transforma em relação de direito, tornando exigíveis os direitos subjetivos do filho.

5. Ainda que a sentença proferida em ação de investigação de paternidade produza efeitos ex tunc, há um limite intransponível: o respeito às situações jurídicas definitivamente constituídas.

6. O mero conhecimento sobre a existência de ação de investigação de paternidade não é suficiente para configurar má-fé dos demais beneficiários anteriormente habilitados no recebimento de verbas previdenciárias e afastar o princípio da irrepetibilidade de tais verbas.

7. A filiação reconhecida em ação judicial posteriormente ao óbito do instituidor do benefício configura a hipótese de habilitação tardia prevista no art. 76 da Lei n. 8.213/1991.

8. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 990.549/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 01/07/2014)

                        O relator deste último acórdão, Ministro João Otávio de Noronha esclarece, com maestria a questão:

Antes do reconhecimento da paternidade, seja espontâneo, seja judicial, o vínculo paterno consiste mera situação de fato órfã de efeitos jurídicos. Com o reconhecimento é que tal situação de fato se transforma em relação de direto tornando exigíveis os direitos subjetivos do filho.

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Tanto é assim que, se o filho comparecesse ao órgão previdenciário com a simples informação de ter ajuizado ação de investigação de paternidade e, porém sem apresentar nenhum provimento judicial a seu favor e se pleiteasse sua inclusão como beneficiário da pensão, certamente teria negado pleito. E isso porque a possibilidade de uma sentença favorável no futuro, ainda que provida efeitos ex tunc, não lhe assegura, antes disso, exigir de terceiros a observância de possíveis diretos subjetivos.

(...)

Ainda que a sentença proferida em ação investigativa de paternidade produza efeitos ex tunc, tais efeitos não possuem caráter absoluto, encontrando um limite intransponível: o respeito às situações jurídicas definitivamente constituídas.[4].

                        Diante da análise deste julgado, se conclui que mesmo considerando que o filho é menor, e absolutamente incapaz, nos termos do art. 3º, I, do Código Civil, bem como que não corre prescrição com relação ao incapaz, conforme art. 198, I, do mesmo Estatuto Civil, o direito as parcelas do benefício não deve retroagir a data do óbito, independentemente de quando a morte tiver ocorrido, ou seja, se antes ou após a alteração promovida pela Lei n. 9.528/97. O marco inicial da percepção do recebimento é a data do requerimento administrativo.

                        Tal questão, entretanto, é controversa existindo decisão recente, do próprio Superior Tribunal de Justiça, em sentido diverso:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE MENOR DE DEZESSEIS ANOS. HABILITAÇÃO POSTERIOR. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO ÓBITO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1.O termo inicial do benefício previdenciário pensão por morte, tratando-se de dependente absolutamente incapaz, deve ser fixado na data do óbito do segurado, nos termos da redação original do artigo 74 da Lei 8.213/1991, aplicável ao caso.

2.O recorrente, na condição de menor pensionista do INSS, representado por sua genitora, pretende o pagamento de parcelas em atraso, relativas ao período entre a data do óbito do instituidor do benefício e a data do requerimento administrativo.

3.Consoante jurisprudência prevalente do STJ, comprovada a absoluta incapacidade do requerente, faz ele jus ao pagamento das parcelas vencidas desde a data do óbito do instituidor da pensão.

4.No presente caso, o óbito do segurado ocorreu em 31/1/1994, o benefício pensão por morte foi requerido administrativamente pelo ora recorrente, nascido em 19/8/1994, em 5/1/2001. A avó paterna do recorrente, mãe do instituidor da pensão, recebeu o benefício durante o período de 24/2/1994 a 1°/4/1996. O recorrente nasceu após a morte do segurado e obteve na Justiça o reconhecimento da paternidade, pois sua mãe vivia em união estável com seu pai.

5. Relativamente aos efeitos pretéritos do reconhecimento do direito, não se desconhece que a Segunda Turma indeferiu pedido de retroação dos efeitos do reconhecimento da pensão por morte ao menor dependente, asseverando nos autos do Recurso Especial 1.377.720/SC que, retroagir os efeitos da concessão do benefício causaria prejuízo ao Erário, considerando que a pensão fora paga, anteriormente, a outro dependente. Todavia, no citado julgado, a pensão foi destinada inicialmente a membro do mesmo núcleo familiar, o que não acontece no presente caso, em que a pensão fora paga a avó paterna do recorrente, que não convivia no núcleo familiar, tendo a demora do pedido se dado tão somente em razão da necessidade do reconhecimento em juízo da união estável entre os genitores do recorrente e da paternidade.

6. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1354689/PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 11/03/2014)

                        Com efeito, não é razoável que o INSS seja compelido a pagar duas vezes o mesmo benefício, se agiu em consonância com a legislação, eis que apenas após a declaração por sentença da paternidade do menor é que esta se tornou oponível a terceiros. Assim, indubitável a aplicação do instituto da habilitação tardia ao caso, sendo que, por consequência, o marco inicial da percepção do benefício deve ser a data do requerimento administrativo.

3.  DA CONCLUSÃO

                               Conclui-se, portanto, que o marco inicial para o recebimento do benefício de pensão por morte pelo menor habilitado tardiamente em virtude de decisão judicial que reconhece a paternidade do segurado e, de consequência, a sua condição de dependente é a data do requerimento administrativo, ocasião em que o menor provará a sua condição, passando a receber sua cota de pensão juntamente com os demais dependentes do segurado.

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 2º ed. rev. e ampl. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direitos, 2006.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

ROCHA, Daniel Machado. BALTAZAR JUNIOR. José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. Ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2011.


[1] ROCHA, Daniel Machado. BALTAZAR JUNIOR. José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. Ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2011, p. 275.

[2] ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 2º ed. rev. e ampl. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direitos, 2006, p. 311

[3] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.391

[4] REsp 990.549/RS – Voto do Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA.

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Sobre a autora
Carolina Lemos de Faria

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Goiás. Procuradora Federal.

Informações sobre o texto

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